Saúde
20 junho 2024 às 07h18
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Adesão à dedicação plena “é residual” nos hospitais e centros de saúde, maioria dos médicos é do Norte

De janeiro a abril, 5260 médicos especialistas, dos 21 mil que trabalham no SNS, optaram pelo regime de dedicação plena. Destes, quase metade são médicos de família em USF-B, que eram obrigados a integrá-lo. Sindicato dos médicos vai levar este regime à mesa de negociação com a ministra da Saúde, quer a sua revisão.

O regime jurídico de Dedicação Plena (DP), previsto no Decreto-Lei n.º 103/2023, de 7 de novembro, foi aprovado pelo Governo de António Costa sem o acordo dos sindicatos, depois de muitos meses de negociação. A Federação Nacional dos Médicos pediu mesmo a fiscalização constitucional do diploma por considerar que este viola direitos adquiridos, mas a verdade é que entrou em vigor a 1 de janeiro de 2024 e até ao dia 24 de abril, tinha sido adotado por 5260 médicos especialistas, dos 21 mil que trabalham no Serviço Nacional de Saúde (SNS). 


O objetivo do diploma, e conforme foi explicado no momento da sua aprovação, era conseguir fixar médicos no serviço público e “promover uma melhor adequação da resposta do SNS às necessidades assistenciais da população”.

Mas até agora a “adesão é residual” confirmam ao DN o presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF), Nuno Jacinto, e a presidente da Federação Nacional dos Médicos, Joana Bordalo e Sá, que continua a defender que o regime “contém cláusulas que violam direitos adquiridos” e que o vai levar, de novo, para a mesa de negociação com a ministra da Saúde com o intuito de ser revisto.

“A Fnam defende a dedicação exclusiva e não o regime de dedicação plena que são completamente diferentes. Neste, há uma perda notória de direitos e não é por atribuir um suplemento de 25% que se pode fazer tudo”, argumentou ao DN. Aliás, para a dirigente sindical “a baixa adesão explica os problemas deste regime”.


Uma vez que as negociações com a nova tutela só vão ser retomadas na próxima semana, não se sabe se este será um dos pontos aceites para a discussão, mas, por agora, e segundo a opinião do presidente da APMGF, “ainda é cedo para se fazer uma avaliação, provavelmente só no final do ano”, embora também concorde que “a adesão é residual” na área dos cuidados primários”.

Mas para Nuno Jacinto “se algo mudar no funcionamento das unidades não se deve tanto ao regime de Dedicação Plena, mas sim, à passagem de algumas Unidades de Saúde Familiar para modelo B”.


O DN quis saber qual a adesão dos médicos ao regime de Dedicação Plena, por especialidade e por regiões, e os dados disponibilizados pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) não deixam dúvidas. (Ver tabela em baixo)

Dos 21 mil médicos especialistas a trabalhar no SNS, 5260 aderiram à medida, sendo que neste total estão os médicos de família que integram as Unidades de Saúde Familiares Modelo B (USF-B) e todos os médicos que assumem funções de chefia na área hospitalar, porque eram obrigados a adotar este regime. No caso das chefias, se não o fizessem tinham de deixar estas funções.

E, ao fim de cinco meses, como sublinha Joana Bordalo e Sá, os números explicam “a baixa adesão”, reforçando: “Só 2806 médicos hospitalares é que aderiram, sendo que as chefias tinham de aceitar o regime. Nós temos 15 mil médicos especialistas nos hospitais. Nos cuidados primários, só aceitaram o regime 2390 médicos de família, e há seis mil nesta área, e na Saúde Pública só 74 é que aceitaram, eles são 450.” 

A dirigente destaca ao DN haver “médicos que aderiram ao regime e já estão a tentar sair, mas o nosso sindicato apoia todos os colegas que queiram aderir, que sejam contra ou que já queiram sair”. Embora, a posição de que o regime “viola direitos adquiridos” se mantenha, estando a Fnam disposta “a avançar para via judicial ou para o Tribunal Europeu para contestar”.


Recorde-se que este sindicato dos médicos tem vindo a contestar o facto de o regime de DP implicar que os médicos tenham de aceitar fazer 250 horas extras por ano, em vez das 150 previstas na lei, de abdicar do dia de descanso compensatório, após uma noite de urgência, fazer até nove horas diárias de trabalho, sendo este “o maior retrocesso em termos de direitos, porque a diretiva europeia impõe oito horas de trabalho diárias para qualquer trabalhador” e ainda que “os médicos que não fazem urgência tenham de trabalhar ao sábado”. Para esta estrutura, “além da perda de direitos, o regime não é atrativo”. 


Os dados da ACSS indicam, de facto, que até ao dia 24 de abril havia nos hospitais 2806 médicos em DP, nos cuidados primários 2390 médicos de família e 74 médicos de Saúde Pública. A maioria dos médicos que aceitou este regime trabalha em unidades da região Norte - 1355 em especialidades hospitalares, 1305 são médicos de família e 33 são de Saúde Pública, um total de 2693, representando 51% dos que aderiram.

Nas regiões do Sul, os números são inferiores, em Lisboa e Vale do Tejo contavam-se 890 médicos dos hospitais, 582 médicos de família e 15 de Saúde Pública, 28% do total. No Centro, havia 371 médicos hospitalares neste regime, 205 médicos de família e 13 de Saúde Pública, 11%. No Alentejo, 83 médicos dos hospitais, 124 médicos de família e 7 de Saúde Pública, cerca de 4%. No Algarve 107 dos hospitais, 164 médicos de família e 5 de Saúde Pública, 5% do total.


Em termos de especialidades hospitalares, os médicos de Medicina Interna aparecem em primeiro lugar na adesão à DP, com 431 profissionais (ver tabela), segue-se a Pediatria, a Cirurgia Geral, a Psiquiatria e a Anatomia Patológica, os que menos aderiram foram a Farmacologia Clínica, a Cirurgia Cardíaca, a Ginecologia e Obstetrícia (sendo que esta é uma das especialidades com mais falta de recursos humanos) Neuroradiologia, as cirurgias Torácica e Plástica.


No que toca à especialidade de Medicina Geral e Familiar, o Norte mantém-se à frente na adesão do regime com 1305 médicos, seguido de Lisboa e Vale do Tejo com 582, Centro com 205, Algarve com 164 e o Alentejo com 124, o que totaliza 2380 médicos com DP. O presidente da APMGF explica que na adesão ao regime “há dois patamares diferentes”.

“Por um lado, temos os colegas que entraram de forma obrigatória, porque já estavam em USF-B, em que este regime pouco altera, apenas a fórmula de cálculo do ordenado base, porque quem já vinha do modelo B (que envolve mais desempenho e incentivos) tinha um regime de 35 horas e exclusividade. Ou seja, a base melhorou um pouco, mas o trabalho é igual. E, por outro, temos os colegas que funcionavam em USF modelo A ou em Unidades de Cuidados Personalizados (UCP) e que passaram para as USF-B, em que a fórmula de cálculo mudou também, resultando num ligeiro aumento do salário base, mas nada que se compare a um aumento da ordem dos 15% como se comentou”.

E justifica: “Ao passar de um regime de 35 horas semanais para um de 40, há um aumento no salário base de um assistente que estava numa USF-B, que antes recebia um salário bruto de 2780 euros e passou a receber 3280 euros brutos. Mas os colegas que estavam numa USF modelo A, que recebiam de base 42 horas com exclusividade, e que passaram agora para uma USF-B até perderam dinheiro, porque recebiam um salário base de 3500 euros brutos e passaram a receber 3280 euros brutos”.


Para Nuno Jacinto este cenário também explica a pouca adesão nos cuidados primários, considerando que o que é preciso “analisar, pelo menos no final do ano, é se a generalização das USF-B, que não foi bem o que se esperava, mas é o que é, teve um efeito positivo e se há outros indicadores de satisfação dos profissionais ou não”. Joana Bordalo e Sá reconhece que “alguns médicos, perante o trabalho que já têm, considerem que este regime lhes é compensatório, mas nós continuaremos a informá-los e a salvaguardá-los”.