Agenda tem 32 propostas e abrange várias áreas
20 junho 2024 às 22h32
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Governo anuncia medidas contra a corrupção. Entrada em vigor “não tem prazo”

Era uma das promessas do primeiro-ministro e, agora, já se sabe o que pretende o executivo para combater a corrupção. Da fase de instrução ao lobby, são várias as áreas em que pode haver mexidas.

São 32 as medidas que o Governo aprovou, em Conselho de Ministros, para criar a sua agenda anticorrupção. Além da regulamentação do lobby - sobre a qual havia um consenso alargado entre partidos e executivo -, há ainda a proposta de criar um novo mecanismo para a perda de bens, bem como agravar a pena acessória de proibição de exercício de funções públicas ou políticas ou, ainda, a introdução da chamada pegada legislativa (que, no fundo, permita perceber que propostas são apresentadas por privados).

Mudar “vários instrumentos legislativos” não está totalmente posto de parte pelo Governo, mas “o foco principal”, anunciou Luís Montenegro, é melhorar a “eficácia na prevenção, na repressão e na celeridade” do combate à corrupção, fenómeno que “mina e prejudica a confiança das pessoas” nas instituições. Combater a corrupção tem sido, nas palavras do chefe de Governo, “uma prioridade assumida desde a primeira hora”.

Outra das medidas propostas pelo Governo é a revisão da fase de instrução processual, com a intenção de evitar que se confundam com pré-julgamentos. Isso, defendeu Rita Júdice, ministra da Justiça, é fundamental para que o setor seja mais célere. É preciso “pôr o dedo na ferida” sobre o assunto e reforçou que, não raras vezes, “os processos arrastam-se durante anos”. Parte dessa revisão pode passar por reduzir esta fase processual - que é facultativa.

Em relação à perda de bens, Rita Júdice relembrou que este mecanismo “já existe relativamente a certas categorias de crime, incluindo a corrupção”. No entanto, o Governo quer “incrementar e melhorar” este instrumento. E anunciou que “pode ser aplicado mesmo que não haja condenação e que o processo seja arquivado”. Como? Isso deve ser possível quando, após a análise da “prova disponível, o tribunal fique convencido que esse bem tem origem em atividade criminosa”. Mas haverá limites: “Vai ter de ser aplicada por um tribunal, vai cingir-se a um número limitado de crimes, entre os quais a corrupção, e será sujeito a requisitos suplementares. Teremos de assegurar os direitos individuais, que são para nós um limite intransponível.”

No entanto, quais as medidas em concreto que vão ser aprovadas por decreto-lei ou que terão de passar pela Assembleia da República, Rita Júdice não detalhou. Acrescentou apenas: “Algumas medidas são de caráter prático, serão executadas pelo Governo, outras medidas vão ser discutidas na comissão especializada parlamentar. O que for da competência do Governo será aprovado pelo Governo, o que for competência do Parlamento será aprovado no Parlamento.” E, segundo disse fonte do Governo ao DN, “não há um limite para concretizar” a agenda anticorrupção - “não tem prazo. É para se ir fazendo.”

“Todo o documento”, concluiu Montenegro, ficará disponível no portal do Governo “nos próximos dias”, para que “os cidadãos possam dar a sua opinião e sugestão” sobre as medidas.

Chega reivindica “vitória”

Reagindo às medidas, o PSD e o CDS saudaram o diálogo do Governo na elaboração do programa. Hugo Soares, líder parlamentar social-democrata, confirmou também que os dois partidos vão propor uma comissão eventual para debater “todas as medidas de combate à corrupção”.

Já o Chega, pela voz de André Ventura, defendeu que “o confisco de bens pela corrupção é uma grande vitória” do partido, bem como a regulamentação do lobby e o alargamento do “número de anos em que as pessoas não se podem candidatar ou ocupar cargo depois de serem condenadas”. “Seria hipócrita não registar estas boas intenções de se aproximarem do programa do Chega numa área tão fundamental e decisiva”, atirou.

Por outro lado, o PS, a IL, o BE e o PCP apontaram críticas ao pacote anticorrupção. Alexandra Leitão, líder parlamentar do PS, disse ter “algumas dúvidas” em relação ao confisco alargado de bens; Mariana Leitão, líder parlamentar da IL, foi no mesmo sentido e considerou que a medida “atenta a presunção de inocência e o direito à propriedade privada”. Mariana Mortágua, coordenadora do BE, criticou a ausência de medidas para as offshores. “É impossível combater a corrupção sem combater as offshores, que permitem esconder o dinheiro”, atirou. Por fim, António Filipe, deputado do PCP, defendeu que as medidas são “um grande envelope para pouco conteúdo, cujo alcance é “muito exíguo”.

As principais medidas

Celeridade processual: A intenção do Governo é tornar a justiça mais rápida. Para isso, o Governo quer uma “fase de instrução mais ágil e rápida” (e admite revê-la) e, também, mais capacidade para o juiz “evitar expedientes manifestamente dilatórios”. 

Regulamentação do lobby: Esta era uma das propostas em que havia convergência entre Governo e a maior parte dos partidos. A intenção é que, ao regulamentá-lo, o lobby se torne “transparente e a sua interação conhecida”, argumenta o Executivo.

Pegada legislativa: Tal como o lobby, esta medida já existe a nível europeu. O objetivo é tornar o processo legislativo o mais transparente possível. Com esta medida, todos os passos de elaboração de uma lei são conhecidos, sendo público com quem se reúne o legislador.

Perda alargada de bens: A medida promete causar polémica, mas o Governo já explicou como a aplicará - caso entre em vigor. A intenção é combater o “enriquecimento ilícito, fazendo reverter a favor do Estado bens e proventos económicos da corrupção”.

Maior fiscalização: A agenda do Governo para esta área quer também reestruturar e reforçar de meios o Mecanismo Nacional Anticorrupção. Para isso, sugere “produzir políticas públicas construídas com base em evidência sobre corrupção e infrações conexas”.