Visita de Zelensky a Portugal
28 maio 2024 às 23h28
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Governo anuncia 126M€ para a Ucrânia. Mas 100M€ já foram pagos por António Costa

Ao todo, a ajuda portuguesa soma 248 milhões desde 2022. Deste valor, 26 milhões do acordo bilateral serão pagos este ano. Governo começou por anunciar verba de 126 milhões que, no entanto, já incluía os 100 pagos em março pelo anterior Executivo.

O horizonte temporal está definido: no mínimo, 10 anos. O valor total, também: “pelo menos” 126 milhões de euros, como anunciaram o Governo e o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, após a assinatura do acordo bilateral de apoio à Ucrânia. Mas o valor levantou dúvidas, até porque o texto do acordo não foi claro: “Em 2024, Portugal compromete-se a fornecer à Ucrânia apoio militar num valor de pelo menos 126 milhões de euros, incluindo contribuições financeiras e em espécie. Portugal já se comprometeu com 100 milhões de euros para a iniciativa checa para a aquisição de munições em apoio à Ucrânia.”

Persistindo a dúvida, foram contactados vários elementos do Governo (quer do Gabinete do PM, quer dos ministérios da Defesa e dos Negócios Estrangeiros). A dúvida ficou desfeita ao início da noite, após insistência. Fonte do Gabinete do primeiro-ministro discriminou então: 100 milhões são da “iniciativa checa de munições” (aprovados pelo anterior Governo, com “o aval” de Luís Montenegro, após as eleições, que já foram pagos em março) e os restantes 26 são “em apoio bilateral e através da nossa contribuição para o Mecanismo Europeu de Apoio à Paz”.

Juntando estes fundos àquilo que Portugal já doou à Ucrânia, o total ascende a 248 milhões de euros desde o início do conflito no país do leste europeu. O anterior Governo, liderado por António Costa, doou um outro pacote de 122 milhões de euros em dois anos.

Ainda assim, o valor é apenas parte do acordo de ajuda que esta terça-feira foi firmado, por ocasião da visita oficial de Zelensky a Portugal. No documento com 14 páginas onde estão plasmados os termos de ajuda, há ainda outros fatores que se destacam: Portugal pode dar “apoio de forma inabalável” para que a Ucrânia possa exercer “o seu direito de legítima defesa” e de “resistência contra futuros ataques armados”; pode dar “apoio estrutural” à reforma do setor de defesa, bem como treinar “forças de segurança e defesa ucranianas, a título nacional e no quadro europeu”; e, ainda, dar “equipamento militar, incluindo através de cooperação industrial, armamento, equipamento e bens de defesa nos domínios terrestre, aéreo, cibernético e espacial”. A prioridade, lê-se, é atender “às principais necessidades de capacidades da Ucrânia”.

No entanto, no ponto 76.º (de 87), ambas as partes reconhecem que este protocolo de cooperação bilateral não é vinculativo, por não estar registado “no artigo 102.º da carta das Nações Unidas”. Mas tal não atemoriza o presidente ucraniano. Questionado sobre o assunto, Zelensky foi claro: é “uma parceria estratégica de dez anos”, o documento “vai funcionar” e não tem dúvidas sobre o acordo. E Luís Montenegro? Fala numa “circunstância que não diminui força e não impede que vários governos possam materializar este acordo”. O documento, caracterizou, é “transversal, porque abrange domínios como a cultura, a ciência, a economia, a política ou a formação”. “O nosso compromisso contribui para a interoperabilidade global das forças de segurança da Ucrânia com a NATO”, apontou.

Sobre o facto de o acordo prever uma cooperação a 10 anos (que é, no entanto, prolongável, se for necessário), Zelensky foi perentório: “Não quer dizer”, necessariamente “que a guerra dure tanto tempo”. Na última paragem antes do regresso a casa - e já depois ter estado em Espanha e na Bélgica (onde também assinou acordos bilaterais, ler mais na peça ao lado) - Zelensky reforçou ainda palavras ao mundo e pediu que se resista a uma eventual fadiga: “A Rússia trabalha muito numa guerra híbrida” e por isso “é importante que o mundo não se canse” do conflito. Se assim for, deixa de haver justiça “e o mundo será governado por pessoas como Putin, o que seria uma loucura.”

Depois de ter estado em São Bento, na residência oficial do primeiro-ministro, o presidente ucraniano foi direto ao Palácio de Belém. Aí, foi recebido pelo seu homólogo, Marcelo Rebelo de Sousa, onde lhe foi oferecido um jantar. Horas antes dessa receção, o chefe de Estado afirmava que “o objetivo é sempre a paz, não é a guerra pela guerra”. O compromisso é “trabalhar pela construção da paz e pelos direitos humanos, porque há pessoas a morrer e a sofrer”. E, por isso, haverá uma cimeira em junho, na Suíça, na qual Portugal estará representado pelo próprio Marcelo Rebelo de Sousa e pelo ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros [Paulo Rangel]. “O objetivo é iniciar contactos certos que permitam ter avanços. Há muitos Estados a ajudar”, reiterou o Presidente da República.

PS fala em “consenso”, PCP quer país a construir a paz

A visita oficial de Volodymyr Zelensky marcou, naturalmente, o dia de esta terça-feira e a campanha para as europeias - que completou o seu segundo dia oficial.
Logo pela manhã, a cabeça de lista do PS, Marta Temido, referiu que “é muito importante que a União Europeia continue a ter sobre o tema Ucrânia a disponibilidade para a resposta emergencial, mas também o compromisso com aquilo que é a resposta estratégica”. Mais tarde, o líder socialista, Pedro Nuno Santos, defendeu que o apoio deve continuar porque “o consenso nacional” sobre o assunto é “total”. “A luta pela liberdade, pela independência é uma luta que sempre disse muito aos portugueses”, reiterou.

João Cotrim Figueiredo, candidato da Iniciativa Liberal, disse que a visita do presidente Zelensky era uma “excelente ocasião” para os vários partidos serem claros sobre a posição relativamente ao assunto. Na véspera, tinha acusado o BE de ser “eurosonso” ao apoiar a luta da Ucrânia, ainda que com condições. Em resposta, a cabeça de lista do partido, Catarina Martins, disse que o liberal mente e usa “estratagemas da extrema-direita” na campanha.

Por sua vez, o cabeça de lista do Chega, António Tânger Corrêa, defendeu que “os contornos de um acordo de paz” devem ser estipulados pela Ucrânia e não por Moscovo.

Já João Oliveira,  cabeça de lista da CDU, defendeu que Portugal deve ter um papel ativo em busca de uma “solução de paz para a Ucrânia e de uma solução de segurança coletiva para toda a Europa”. No mesmo sentido foi o secretário-geral comunista, Paulo Raimundo. Em declarações em Vendas Novas, numa ação com trabalhadores, reiterou: “O Estado português tem que cumprir aquilo que a Constituição determina, que é um Estado na procura do caminho da paz.”

Uma dúzia de acordos e mais 27 por fechar

Em julho do ano passado, perante a impossibilidade de a Ucrânia poder aderir à NATO a meio de uma guerra, mas para dar um sinal em simultâneo a Kiev e a Moscovo, os países das economias mais avançadas (G7) decidiram anunciar o início de negociações bilaterais para se formalizarem acordos de segurança. Como em muitos outros aspectos do apoio à Ucrânia, os primeiros a fechar um pacto foram os britânicos, em janeiro, tendo três meses depois expandido o mesmo para a produção conjunta de armamento.

Até agora, França, Alemanha, Itália e Canadá seguiram os passos de Londres, estando por finalizar acordos da Ucrânia com EUA e Japão. Além dos países do G7, Dinamarca, Países Baixos, Finlândia, Letónia, Espanha, Bélgica, e agora Portugal chegaram a um compromisso de cooperação. Os acordos têm seguido um padrão: duração multianual e responsabilidade do poder executivo, isto é, não são ratificados pelos parlamentos nem têm o valor de um tratado ou de uma aliança militar - dependem da vontade de quem estiver no poder. Cada acordo, porém, tem as suas vicissitudes. Por exemplo, enquanto alguns países, Portugal incluído, se comprometeram em proceder a consultas no prazo de 24 horas com a Ucrânia em caso de um “futuro ataque armado” da Rússia, o Canadá acrescentou a ressalva de que só o fará “após a cessação das atuais hostilidades”.

Além das negociações com Tóquio e Washington, Kiev pretende chegar a acordo com outras 27 capitais. Antes da visita a Lisboa, Zelensky teve encontros produtivos em Espanha e na Bélgica. Em Madrid, o acordo de dois anos prorrogável por mais três, prevê o treino de mais 4 mil soldados ucranianos e entrega de material como mísseis para os sistemas de defesa Patriot ou mais tanque Leopard , além de material fabricado em Espanha, no total de 1,1 milhões de euros.

Já os belgas comprometeram-se em transferir 30 aviões F-16 até 2028 e 977 milhões de euros em ajuda militar este ano.

Com César Avó