O sol que escalda a calçada irregular das ruelas de Alfama confirma que é agosto a quem mora no bairro por estes dias. Os ponteiros do relógio já perderam o meio-dia e os degraus das Escadinhas de Santo Estêvão, que são afortunadamente abraçados por meia sombra, servem de colo aos turistas que desembrulham sandes e abrem latas de refrigerantes numa pausa forçada pela fome, que aperta neste início de tarde. Pelas ruas há esplanadas despidas de clientes e empregados estrangeiros de avental e sentinela à porta dos restaurantes. No número 70B da Rua do Vigário há um inquilino que se despede, neste que é o seu último verão a viver numa das zonas mais típicas da capital. Depois de uma década, o restaurante Boi-Cavalo já tem data para encerrar.
Em outubro, Hugo Brito rodará a chave para trancar a porta pela última vez e a culpa é da matemática. A multiplicação dos custos, aliada à soma das despesas, com a subtração de clientes ditou a decisão do chef. “Os últimos oito meses foram, comparativamente com todos os anos anteriores, os piores. Houve uma quebra brutal na procura. Junho e julho foram trágicos para toda a gente. Pensei que pudesse ser só em Lisboa, mas tenho falado com pessoas de outros sítios e ninguém tem boas histórias para contar na restauração”, explica.
O também proprietário do espaço aponta a perda do poder de compra como um dos fatores que justificam a acalmia. “O aumento das taxas de juro por parte do Banco Central Europeu retirou rendimento aos portugueses e aos europeus em geral. As pessoas passaram a cortar nos extras e os restaurantes são a primeira coisa a ir à vida”, garante.
O empresário critica ainda o número de restaurantes na capital e defende que, à semelhança do Alojamento Local, deveria existir uma regulamentação para a restauração. “Os portugueses e os lisboetas não chegam para suportar este ecossistema. Não há regulamentação, nem uma ideia de zoning”, diz.
Um resultado negativo nas contas deixa clara a sentença de morte do negócio, mas há dúvidas nas variáveis da equação. “É uma esquizofrenia ler os dados que nos indicam que todos os anos batemos recordes no número de turistas e de receitas. Isto está a ir para onde?”, questiona.
Na semana passada, o Instituto Nacional de Estatística confirmou o cenário. Na primeira metade do ano, foram registados novos máximos de hóspedes no país - 14 milhões, que correspondem a um crescimento de 6% face ao mesmo período de 2023. Já os proveitos totais do alojamento turístico - que somam ao alojamento outros gastos inerentes à estada dos turistas, como restauração, lavandaria entre outros serviços - aumentaram 12,3% para perto de três mil milhões de euros. Mas a restauração diz estar de bolsos vazios.
Para o dono do Boi-Cavalo há uma mudança no perfil do turismo em Portugal. “Está a haver uma bipolarização do turista. Por um lado, temos o turista de massas que olha, olha e não compra nada e, por outro, há o turista com elevado poder de compra que vem à procura do luxo, que vai para a Comporta e para Troia. Aquele turista do meio, com algum poder de compra, mas que não é rico, desapareceu. Eram estes turistas que suportavam os restaurantes de gama média, e é aqui que o nosso espaço se insere. Este cliente está a desaparecer. Basta ir à cidade e vemos os restaurantes quase vazios, não é aquele cenário vibrante que existia há uns anos”, aponta.
O chef Ivo Tavares, dono do restaurante Izcalli, concorda. “Há muitos turistas que só estão a fazer número e não frequentam os negócios e os turistas com dinheiro vão às grandes casas. O JncQUOI [marca de restauração do Grupo Amorim Luxury] está sempre cheio”, constata.
O empresário conta que desde janeiro que o negócio “está em queda livre” com a procura a dissipar-se. Os hábitos de consumo começaram a mudar, antecipando um desfecho negro. “Tinha clientes que bebiam cinco coquetéis por refeição e começaram a consumir apenas um, mudando depois para a cerveja”, refere.
Foram várias as estratégias para tentar manter à tona o restaurante de cozinha mexicana, localizado a poucos passos da Basílica da Estrela, em Lisboa. Primeiro a redução do staff, depois uma adaptação da carta. Nenhuma resultou e, ontem, o Izcalli, que nasceu originalmente em Alcântara, há seis anos, fechou as portas definitivamente.