Aeroporto
12 março 2024 às 07h48
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Pareceres da NAV e da Força Aérea ditaram chumbo de Santarém a hub

Comissão Técnica Independente admite uma solução dual em que Santarém complemente a Portela, mas rejeita que Santarém possa evoluir para aeroporto principal. Promotores do Magellan 500 discordam e acreditam que projeto tem "escalabilidade".

O financiamento privado e a “a vantagem de permitir ultrapassar no curto prazo as condicionantes criadas pelo contrato de concessão” são dois dos argumentos apresentados pela  Comissão Técnica Independente (CTI) para admitir uma solução dual aeroportuária que combina Santarém e  Portela.

Ainda assim, o chumbo é perentório num cenário de hub. Mais de um ano depois de a CTI ter sido mandatada pelo Governo para avaliar as opções estratégicas para aumentar a capacidade aeroportuária da região de Lisboa, o relatório final foi ontem entregue ao Executivo. “Não há grandes novidades, mas sim, a manutenção de decisões antigas. Houve alguns reparos e questões que foram analisadas, corrigidas ou rebatidas. Esses aspetos foram feitos”, explica ao Dinheiro Vivo o presidente da Comissão de Acompanhamento (CA), Carlos Mineiro Aires.

No documento final, atualizado após o período de consulta pública que terminou a 26 de janeiro, e a que o Dinheiro Vivo teve acesso, a CTI reitera que “as opções estratégicas de solução única são as que se apresentam como mais favoráveis em termos globais, nomeadamente, as opções do Campo de Tiro de Alcochete e Vendas Novas, apesar da vantagem financeira das soluções duais assentes na manutenção do Aeroporto Humberto Delgado (AHD)”.

A novidade, face ao relatório preliminar apresentado a 5 de dezembro, é que a CTI admite uma solução dual que combine a Portela com Santarém. “AHD+STR pode ser uma opção como aeroporto complementar ao AHD. Teria a vantagem de permitir ultrapassar no curto prazo as condicionantes criadas pelo contrato de concessão, tendo ainda como vantagem um financiamento privado”, lê-se no documento.

Ainda assim, o grupo de trabalho liderado por Maria do Rosário Partidário sublinha que uma solução com Santarém seria penalizada “pela sua grande distância ao centro de Lisboa, que reduz significativamente os impactos macroeconómicos do aeroporto” e descarta que a infraestrutura possa ser admitida como um aeroporto principal por não ser viável, “devido às limitações aeronáuticas militares existentes”.

O aeroporto de Santarém voltou assim a receber cartão vermelho da CTI para ser o hub aeroportuário do país. Na base da decisão, após a reavaliação do projeto, estão dois pareceres, um da NAV Portugal, responsável controlo de tráfego aéreo no país, e outro da Força Aérea Portuguesa, enviados à CTI.

“Santarém continua com as restrições do espaço aéreo, apesar dos esforços que foram feitos para os reduzir. O senhor Chefe do Estado-Maior da Força Aérea [general João Cartaxo Alves] escreveu uma carta relativamente longa na qual explana as razões todas. A NAV também fez um parecer sobre as questões que lhes foram endereçadas pela CTI. As conclusões revelam que Santarém não pode ser um hub e não tem condições para ter um número de movimentos aéreos com a intensidade e frequência que era pretendido. Nestes pareceres, escritos pelas entidades que têm jurisdição sobre o espaço aéreo, está tudo preto no preto no branco”, explica  Carlos Mineiro Aires.

A CTI considerou a opção de Santarém “inviável”, na versão preliminar do documento, devido às restrições de tráfego aéreo que apenas permitem 24 movimentos por hora, capacidade inferior à da Portela. O consórcio Magellan 500, responsável pelo projeto, fez chegar à CTI novos argumentos com o intuito de reverter a posição.

“Os promotores entregaram bastante material complementar e o esforço que fizeram para corrigir as deficiências detetadas,  mesmo com as reorientações, foi devidamente analisado pela Força Aérea e pela NAV que concluíram que as restrições se mantêm [para ser um hub]. Aquela localização para o uso intensivo não serve, acabou”, acrescenta Carlos Mineiro Aires.

O também líder do Conselho Superior de Obras Públicas (CSOP) sublinha que este desfecho não resulta “da boa ou má vontade da CTI, ao contrário do que têm tentado fazer passar na opinião pública”. “Aqui não há manobras. Quem tem agora de tratar do assunto são os políticos, têm lá o material todo têm os pareceres das autoridades nacionais. Todas as considerações que são feitas não resultam de qualquer raciocínio mais enviesado da CTI, mas de posições oficiais das entidades competentes”, destaca.

Já Carlos Brazão, um dos promotores do aeroporto Santarém, aplaude as conclusões da CTI e garante que há margem de manobra para tornar a infraestrutura num hub, contrariando a posição de Maria do Rosário Partidário. “A inclusão do projeto de Santarém como opção [dual] é um reconhecimento da sua qualidade. Relativamente à sua escalabilidade, estamos confiantes no trabalho de afinação das soluções de navegação aérea desenvolvido ao longo de diversas reuniões técnicas tidas com a NAV, pelo que estamos confiantes na sua escalabilidade como hub”, adianta, sublinhando que o projeto Magellan 500 “é o que tem menos impacto nas zonas militares” e que o consórcio está empenhado “em continuar um trabalho com a NAV e com a Força Aérea para minimizar ainda mais quaisquer impactos nas áreas militares”.

Contactada, a NAV Portugal esclarece “não ter dado nenhum parecer negativo sobre a opção estratégica Santarém”, tendo sinalizado “as condicionantes das soluções que lhe foram apresentadas via CTI”.

Depois de ter sido entregue ao Governo ontem, o documento final, que deveria ficar disponível para consulta pública apenas no próximo dia 22, após parecer da CA, ficou acessível durante a noite na plataforma da CTI. A. A solução dual que combina, inicialmente, Campo de Tiro de Alcochete + Aeroporto Humberto Delgado, até que Alcochete possa estar operacional sozinho, foi apresentada como a mais vantajosa para responder à falta de capacidade aeroportuária da capital a longo prazo.

Em segundo lugar,  Vendas Novas+Portela foi a combinação com mais benefícios apresentados, embora Vendas Novas tenha “menos vantagem em termos de proximidade à Área Metropolitana de Lisboa, bem como de tempo de implementação (necessários mais estudos, e mais expropriações)”, refere a CTI, sublinhando que tem, no entanto,  “mais vantagens do ponto de vista ambiental”.

Montijo ficou de fora

Já sobre a opção do Montijo, considerado inviável no relatório preliminar por razões aeronáuticas, ambientais e pela capacidade limitada para expandir a conectividade aérea, a CTI reitera que nenhuma das opções com esta infraestrutura “sejam consideradas”.

Recorde-se que a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) decidiu não renovar a Declaração de Impacto Ambiental (DIA) do aeroporto do Montijo, no final de janeiro, após um parecer desfavorável do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). A decisão foi contestada pela ANA Aeroportos e a resposta da APA deverá ser conhecida na próxima semana, ou seja, depois de o relatório final da CTI estar fechado.

“A CTI alerta para os constrangimentos das opções AHD+Montijo e Montijo [como aeroporto principal], agravados pela não renovação da DIA, que assim perde a sua vantagem na rapidez de execução. AHD+Montijo  apresenta-se como desvantajosa no longo prazo porque se limita a adiar o problema do aumento real da capacidade aeroportuária. As opções apresentam ainda os maiores e mais significativos impactos ambientais negativos, o que as torna não viáveis desse ponto de vista, pelo que a CTI não recomenda que sejam consideradas”, aponta a CTI numa das 10 recomendações técnicas do relatório final.

Sobre os próximos passos do relatório elaborado pela CTI, Carlos Mineiro Aires passa agora a bola ao novo Governo. “A papinha está feita sobre o aspeto técnico, agora, com essa informação, a decisão é política”. Carlos Mineiro Aires garante que nem a CTI nem a CA tiveram ainda qualquer contacto com o líder do PSD.

Já numa leitura ao grupo de trabalho criado pelo partido para estudar o dossiê do aeroporto, coordenado por Miguel Pinto Luz, o presidente da CA considera que estará a fazer “um trabalho intrinsecamente político”. “Não há ali ninguém que tenha competências nesta aérea da aeroportuária, é um grupo trabalho político e é assim que deve ser interpretado. Podem pronunciar-se sobre o aspeto político, mas sobre o aspeto técnico tenho dúvidas de que tenham competências para isso”, diz.  

Otimista numa decisão rápida sobre o futuro aeroporto, deixa um recado a Luís Montenegro: “Meter remendos nos sapatos não adianta, mais dia menos dia tem de se comprar. Não tenhamos ilusões, o barato sai caro e enquanto estivermos a pensar assim estamos a servir os interesses da consessionária e não estamos a olhar para os interesses do país”.

rute.simao@dinheirovivo.pt