Digitalizar as íris em troca de uma dezenas de euros pode parecer aliciante. Mas é um risco e pode, até, ser ilegal. No fundo, esta parte do olho é como uma impressão digital: única para cada ser humano e fazer um scanner deste parâmetro pode dar acesso a várias áreas, como por exemplo contas bancárias.
O tema pode parecer um pouco distópico, ou algo saído da ficção científica, mas tem acontecido mesmo - e Portugal não ficou de fora. Segundo a Worldcoin, criptomoeda paga em troca destes scanners, o objetivo é criar um sistema de identificação global e universal, que possa enfrentar as contas que propagam desinformação, bem como combater os bots online e as fake news. Alegadamente, ao utilizar dados biométricos, seria possível então identificar quem estaria por trás dessas contas. Quem o fizer, recebe depois um valor à volta de cem euros, em criptomoedas. O montante, ao certo, não é fixo. “O mercado das criptomoedas é altamente volátil. Parece ser dinheiro fácil, mas não vale, exatamente, 100 euros”, explica Ricardo Lafuente, presidente da Associação de Defesa dos Direitos Digitais.
O público-alvo parece ser claro: “São pessoas com alguma vulnerabilidade financeira. Os anúncios nos centros comerciais são feitos de forma bastante limpa, dizendo que é o futuro e coisas semelhantes.”
Mas o processo “não é nada claro”, alerta Ricardo Lafuente. No fundo, “é apenas assinar de uma forma vaga o protocolo”, e depois importa perceber como se “passa desta recolha [de dados biométricos] para a existência de um sistema fidedigno de identificação e clarificação sobre quem está por trás do teclado, se é ou não uma pessoa. Não está esclarecido como se utilizariam os sistemas com esses dados que são recolhidos.”
Ricardo Lafuente destaca também o facto de, até agora, não terem existido “entusiastas tecnológicos, celebridades, políticos, ou mesmo pessoas das comunidades das criptomoedas a adotar isto”, o que considera ser revelador dos perigos que estes scanners acarretam.
Na passada quarta-feira, a Agência Espanhola para a Proteção de Dados declarou estas recolhas como sendo ilegais e ordenou a suspensão da atividade da Worldcoin. Apesar de algo semelhante ainda não ter acontecido em Portugal, a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) anunciou que investiga a Worldcoin desde 2023, “tendo já realizado uma ação de fiscalização aos locais de recolha de dados, bem como feito diligências junto das empresas envolvidas no projeto, no sentido de obter informações relativas ao tratamento de dados pessoais”. À Lusa, a presidente da CNPD afirmou também que receber dinheiro a troco de dados pessoais é “inaceitável”.