Dia do Trabalhador
01 maio 2024 às 13h04
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Primeiro 1.º de Maio em Democracia: “Foi um referendo à vitória revolucionária dos militares de Abril”

No primeiro Dia do Trabalhador em democracia, milhares saíram à rua “com uma alegria imensa”. As palavras são de João Soares, filho de Mário Soares. Ao DN, também o resistente antifascista Domingos Abrantes relembra o que aconteceu há 50 anos, no momento em que se iniciou o “processo revolucionário”.

Houve dois discursos icónicos, cheios de ideias sobre o antes e o depois da democracia portuguesa, na altura ainda muito recente: o de Mário Soares e o de Álvaro Cunhal. Ambos tinham regressado a Portugal há poucos dias, depois de anos exilados.

O primeiro 1.º de Maio celebrado em democracia foi marcado pelo consenso entre as duas mais importantes figuras da esquerda portuguesa, há 50 anos, e foi uma festa de quase toda a gente, literalmente.

Era o momento em que o golpe de Estado de há seis dias se transformava numa revolução. “Tenho a impressão de que houve meia dúzia de pessoas que ficaram em casa”, disse João Soares ao DN, relembrando a dimensão da manifestação em Lisboa.

“Eu vi algumas manifestações clandestinas ou ilegais antes do 25 de Abril, e algumas grandiosas, mas nada que se compare, em termos de participação. Quer dizer, Alameda [D. Afonso Henriques], em 1975, foi também um comício muitíssimo grandioso”, evoca o antigo deputado socialista e filho de Mário Soares, referindo-se ao ano seguinte.

Luta de várias gerações

Na altura, Domingos Abrantes, militante do PCP, resistente antifascista, várias vezes preso político, tinha 38 anos. Ao DN, relatou aquele dia como se tivesse acontecido ontem.
Para além de ter sido “a grande festa do derrube do fascismo”, aquele 1.º de Maio, em 1974, “tem uma outra importância: é o momento em que as massas populares entram em ação como atores da Revolução”, explica.

Para Domingos Abrantes, é naquele momento que “o golpe militar adquire caráter de uma Revolução pela intervenção das massas populares”.

Até àquele momento, “o derrube da ditadura não conduziu nem à liquidação do fascismo, nem à revolução”, sustenta o resistente antifascista. “Portanto, é a partir da ação gigantesca das massas populares que se inicia o processo revolucionário, que depois vai impor enormes transformações, como, aliás, nunca tinha acontecido. O 1.º de Maio vai perdurar por muitos anos da nossa História como uma grande afirmação popular pela defesa dos seus interesses.”

Álvaro Cunhal, o líder histórico do PCP, ao lado de Mário Soares, o líder histórico do PS, em1 de maio de 1974. Foto: Arquivo DN

“O 1.º de Maio é absolutamente incomparável”, insiste, enquanto acrescenta que “é qualquer coisa que ocorreu seis dias depois da Revolução [do 25 de Abril] e foi uma espécie de um referendo na rua à vitória revolucionária dos militares de Abril. Isso é, para mim, inesquecível.”

Tudo aconteceu no antigo estádio da FNAT - Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho, que hoje é o INATEL. Já o estádio, hoje é o 1.º de Maio, em Alvalade. Mas este era o ponto de chegada. A concentração ocorreu na Alameda D. Afonso Henriques, onde ainda acontece, convocada pela CGTP, e culminou ali.

A dimensão e o significado desta manifestação do Dia do Trabalhador  são filtrados pelas palavras de Mário Soares naquele momento. “Em 25 de Abril, as Forças Armadas destituíram o Governo fascista e colonialista de Marcello Caetano, mas foi hoje, foi aqui, que nós destruímos o fascismo. Essa vitória não é de ninguém. Essa vitória é do povo português.”

Questionado sobre a intenção transportada nas palavras do pai, João Soares afirma que “foi o povo português que transformou aquilo que era um golpe de Estado dos militares numa revolução”.

“Foi o povo que aderiu entusiasticamente à devolução da liberdade aos portugueses. Na rua, as Forças Armadas, nos comunicados que fizeram na rádio, pediram às pessoas para ficarem em casa. Mas não ficaram. Foram para a rua apoiar os militares, dar-lhes flores, dar-lhes de comer, dar-lhes café, e manifestarem a sua gratidão por aquilo que tinham feito.”

Um cartaz alude ao derrube do Estado Novo, no dia 1 de maio de 1974. Foto: Arquivo DN

O que ainda estava por fazer

Uma parte obscura daquele dia é o que tinha permanecido do regime anterior, de acordo com a visão participada de Domingos Abrantes. No entanto, é importante referir que, na madrugada de 26 de abril de 1974, logo após a Revolução dos Cravos, foi constituída a Junta de Salvação Nacional, que iria assegurar a transição do Estado Novo para o regime democrático.

Este órgão, liderado pelo marechal António de Spínola, tinha como missão imediata destituir o Presidente da República, Américo Tomás, o chefe do Governo, Marcello Caetano, e dar inicio ao desmantelamento da polícia política - a PIDE - e da Legião Portuguesa.

É aqui que Domingos Abrantes introduz a contraposição. “Havia, na cabeça do Spínola, a ideia de manter os presos políticos, manter as cadeias, manter a PIDE. Já vai ficando no esquecimento que ainda nomeou o novo diretor da PIDE, e portanto, que a PIDE ainda matou e prendeu pessoas, já depois do 25 de Abril.”

Mas o 1.º de Maio, aquele em concreto, que durante mais de quatro décadas não aconteceu nem livremente, nem legalmente, “era a conquista daquilo por que várias gerações tinham lutado”. Antes daquele ano, relembra Domingos Abrantes, era uma “jornada de luta contra o fascismo”, onde várias manifestações foram “metralhadas” e até chegou a haver mortes.

Já em 1974, continua o militante comunista, “não se sabia ainda que ia haver o 25 de Abril, estava a ser preparado como se fosse o feriado nacional contra o fascismo”. Já em democracia, relembra, “houve uma situação muito curiosa, porque o Spínola opôs-se à proposta do 1.º de Maio”, apresentada pela Intersindical e pelo MDP/CDE.

“Já tinha assumido as funções como presidente da Junta de Salvação Nacional, opôs-se a que o 1.º de Maio fosse feriado. Alguém disse que ia mesmo haver o 1.º de Maio e ele lá acabou por aceder.”