Falência da empresa
23 setembro 2024 às 00h03
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Tupperware. Trabalhadores vivem dias de apreensão e medo de falar, mas também de esperança

O clima é de apreensão no concelho de Constância. Trabalhadores mais velhos temem não encontrar alternativas de emprego caso a fábrica encerre. Autarca pediu intervenção do governo.

A Tupperware suspendeu a produção da fábrica de Montalvo, em Constância, na tarde do dia 12 deste mês, alegadamente para reduzir o stock em armazém. Cinco dias depois, Laurie Ann Goldman, CEO da empresa norte-americana, anunciou, por videochamada, aos trabalhadores de todas as unidades a nível mundial que a multinacional ia entrar em falência, mas garantiu que estava a tentar encontrar investidores para darem continuidade à atividade da empresa. No concelho, a apreensão quanto ao futuro dos 200 trabalhadores em Portugal é notória.

Um dia depois da comunicação de Laurie Ann Goldman, na quarta-feira passada, o clima era de tensão à saída da fábrica de Montalvo. Entre as mais de 10 pessoas abordadas pelo Diário de Notícias/Dinheiro Vivo (DN/DV) todas se recusaram a comentar a situação. “Não vou falar” e “estou com pressa” foram as respostas mais ouvidas. Outras reagiram com frases curtas: “é falso que a fábrica vai fechar”, “não, não vai encerrar”, “vai haver uma reestruturação” e “estão a tentar resolver”.

Ao contrário do que alguns tentaram fazer crer, a palavra “tranquilidade” não traduzia o estado de espírito dos trabalhadores, mas sim medo. Ao ponto de uma das operárias ter justificado o silêncio com o receio de uma “reprimenda”. O que é certo é que, desde a reunião com a CEO da Tupperware, o eventual fecho da unidade de produção passou a ser tema de conversa diário na empresa.

Um trabalhador, que aceitou falar com o DN/DV na condição de não ser identificado, conta que Laurie Ann Goldman revelou na reunião que “tinham de fechar em alguma zona da Europa”, sem precisar se seria a fábrica de Portugal ou da Bélgica. “Todas as pessoas, inclusivamente os chefes, foram apanhadas de surpresa e ficaram nervosas. Se declararam falência, como é que isto fica? Tenho filhos, vou ter de arranjar outro trabalho.”

Avisar os operários

A maior preocupação, conta, é manifestada pelos operários na faixa etária dos 40 aos 50 anos, por recearem não arranjar emprego devido à idade. No entanto, a confirmar-se o encerramento, todos serão afetados. “Com filhos, casas, carros e contas para pagar, se não tiverem mais rendimentos torna-se muito complicado”, observa. “Podiam dizer-nos que a partir de determinado mês já não há nada, para podermos procurar trabalho”, defende o trabalhador. Contudo, está convencido de que encontrar alternativas não será fácil.

“Vamos para onde? O que é que vamos fazer agora?”, questiona o operário. “Não temos idade para nos reformarmos, mas, se calhar, não vão dar emprego aos mais velhos. Além de que o mercado está como está”, lamenta. “A CEO da Tupperware disse que já houve empresas que passaram pela mesma situação e que conseguiram reerguer-se. Mas para isso é preciso investidores. Em Portugal? Não acredito”, atira.

A funcionar 24 horas de segunda a sexta-feira, a fábrica de injeção de plástico recebeu ordens para parar a parte da produção no dia 12. Vários outros trabalhadores contactados pelo DN/DV escusaram-se a falar desta suspensão , não confirmando nem desmentindo.

Apesar disso, a mesma fonte diz que os fornecedores continuam a entregar matéria-prima, porque a empresa só terá dívidas à banca. “A explicação que nos deram foi que era para escoar a parte do armazém para baixar o stock.  Só que a empresa trabalha com retails e supermercados e tem contratos a cumprir, pelo que tem de meter as máquinas a trabalhar”, argumenta. Desde então, os operários têm recebido indicações para fazer limpezas, reparações, e estão a fazer um curso de primeiros socorros, à semelhança do que tem sucedido todos os anos em outras áreas de formação.

O DN/DV confrontou a Tupperware Portugal sobre a suspensão da produção em Montalvo, mas até ao fecho desta edição não recebeu resposta.

Contratos acabam dia 30

Neste momento, o operário estima que cerca de 80% dos trabalhadores da fábrica de Montalvo sejam efetivos. Os restantes 20% têm contratos temporários, mas apenas até dia 30 de setembro. “Há dois anos despediram pessoas. Foi um processo um bocado estranho.” Depois disso entraram mais contratados através de empresas de trabalho temporário, que estão a assegurar sobretudo os turnos da noite, entre as 23 e as 7 horas. A maioria dos efetivos recebe o ordenado mínimo ou um valor um pouco superior, determinado pelas categorias e pelas funções que exercem.

Assim que teve conhecimento da falência da Tupperware através da comunicação social, Sérgio Oliveira, presidente da Câmara de Constância há sete anos, tem feito tudo o que está ao seu alcance para evitar o encerramento da fábrica. Desde pedir esclarecimentos à unidade de produção, que o remeteu para o gabinete de comunicação, sem que tenha obtido resposta até então, assim como solicitar a intervenção do Ministério da Economia junto da empresa nos Estados Unidos. Preocupado com a situação, recorda que trabalham ali vários elementos da mesma família: casais e pais e filhos.

Num concelho com cerca de 3800 habitantes, onde os principais empregadores são a Celulose do Caima, a autarquia e o Campo Militar de Santa Margarida, que também emprega civis, o autarca socialista sabe que não haverá condições de garantir emprego a todos os trabalhadores que ali vivem. “Constância é um concelho pequeno, com algum tecido empresarial, que não vai conseguir absorver todas as pessoas que vão para o desemprego”, vinca.

Apoios sociais

“A câmara municipal irá ajudar a que os direitos sejam respeitados através do pagamento de indemnizações e através da atribuição de apoios sociais às famílias”, promete Sérgio Oliveira. “Mas os apoios mais robustos têm de partir do governo.” Explica que uma “percentagem considerável” dos trabalhadores reside em Vila Nova da Barquinha e em Abrantes, que também disputou a localização da Tupperware, tanto que a unidade de produção fica no limite dos dois concelhos.

“Pedi o levantamento desses dados para ter uma noção mais concreta. Embora o impacto maior seja na freguesia de Montalvo, é toda a região que fica a perder”, garante. Sérgio Oliveira, de 38 anos, não acredita que existisse alguma cláusula no contrato estabelecido entre a autarquia e a empresa, quando se instalou em Constância, em 1980, para salvaguardar este tipo de situações. “Isso foi no tempo do presidente Fernando Morgado. Admito que tenham sido dados apenas incentivos ao nível dos preços dos terrenos.”

Sem carta de condução

 Paulo Garcês, presidente da Junta de Freguesia de Constância, também está preocupado com o futuro da Tupperware. “As pessoas com quem falei ainda não sabem se fecha ou não fecha, mas estão com medo de não conseguirem arranjar outro emprego. Sobretudo as que têm mais de 50 anos. Alguns vão de boleia com colegas, porque nem sequer têm carta de condução”, refere. “Nestes casos, ainda vai ser mais complicado conseguirem outro trabalho.”

Apreensivo sobretudo com as famílias que têm vários elementos a trabalhar na fábrica norte-americana, com casas para pagar e com filhos em idade escolar, Paulo Garcês confirma que “não há muitas soluções” em termos de emprego no concelho. “Mas as pessoas ainda têm esperança de que, à semelhança do que se ouviu há uns tempos, em que se falava em fechar a fábrica e depois começou a laborar com mais força, este seja apenas mais um momento difícil”, afirma.

Presidente da Junta de Freguesia de Montalvo, Ana Luísa Manique diz que a notícia caiu como uma “bomba”, depois de, há dois anos, ter havido uma redução do número de trabalhadores temporários e de terem chegado a acordo para rescindir com outros operários. “Só que, depois disso, voltaram a recorrer aos temporários. Nota-se um ambiente muito pesado na freguesia, mas a minha maior preocupação é com os efetivos que estão em faixas etárias em que não conseguem emprego”, confessa.

“A Tupperware é uma multinacional bastante importante para nós em termos de emprego, mas também do pagamento de impostos”, lembra. De qualquer forma, diz que “na zona industrial há algumas empresas no auge, com projetos importantes, que têm estado a contratar”, embora admita que nem todos os operários se adequam às ofertas de trabalho. Acredita ainda que a ampliação do parque empresarial poderá atrair novas empresas, até porque o concelho é servido por boas acessibilidades.

Relação difícil

 Ricardo Rodrigues, coordenador do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Transformadoras, Energia e Atividades do Ambiente do Centro Sul e Regiões Autónomas (SITE CSRA), garante que a estrutura está “disponíveis para defender os interesses dos trabalhadores e ajudar no que for necessário”, mesmo não tendo associados na Tupperware. “Sempre tivemos um relacionamento muito difícil com as pessoas, apesar de tentarmos falar com elas sempre fora da fábrica e depois do horário de trabalho”, assegura. “A empresa sempre foi uma fonte de bloqueio da atividade sindical.”

“Sempre que há uma sangria de postos de trabalho há impacto na economia da região e na vida pessoal e familiar das pessoas”, afirma. Tendo em conta que a falência da empresa e o eventual encerramento da fábrica de Montalvo apontam para esse cenário, compromete-se a “tentar contactar com alguém que trabalhe lá”. A última vez que isso sucedeu foi há dois anos, quando foram dispensados mais de 100 trabalhadores temporários.

A medida foi, então, justificada pela Tupperware com a inflação, que terá contribuído para uma quebra acentuada nas vendas. Já em abril do ano passado as ações na Bolsa de Valores de Nova Iorque caíram quase 50%, devido à subida das taxas de juro, pelo que a empresa norte-americana manifestou receio de não ter liquidez a curto prazo. Incapaz de inverter estes resultados, veio anunciar agora a falência.

Pelo que o DN/DV apurou, nos últimos tempos a Tupperware fechou as unidades de produção em França e na Grécia e estará a preparar-se para encerrar também a única fábrica dos Estados Unidos, localizada na Carolina do Norte, onde trabalham 148 pessoas. A produção para este mercado e para o Canadá deverá ser assegurada no México.