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Sociedade
22 setembro 2024 às 00h00
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Interior do país está a perder alunos do Superior. “Os jovens tendem a ocupar vagas de proximidade”

Quase 40% das vagas sobrantes da 2.ª fase do concurso de acesso ao Ensino Superior são de instituições do Interior do país. A diminuição da população nessas zonas, o aumento do custo de vida para os alunos deslocados e a maior concorrência de instituições no Litoral são explicações apontadas.

Ficaram por ocupar 3728 lugares na 2.ª fase do Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior (CNAES), vagas que poderão ser disponibilizadas na 3.ª fase. E 1419 das vagas sobrantes são de instituições do Interior do País, representando assim quase 40% do total. Os institutos politécnicos de Bragança, Viseu, Castelo Branco, Guarda e Setúbal foram os que tiveram mais vagas sobrantes. O número de colocados em instituições localizadas em regiões com menor procura e menor pressão demográfica, na 1.ª fase, diminui 2% (12 868 estudantes colocados), em comparação com o ano letivo anterior.

O Interior está a perder cada vez mais terreno e pelos mais variados motivos. Ao Diário de Notícias, António Fontainhas Fernandes, presidente da Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior, salienta que “a queda populacional no Interior está a dificultar o recrutamento de estudantes para as instituições dessas áreas”. Destaca ainda que a mobilidade estudantil tem sido limitada, em parte, “pelo aumento de vagas nas universidades e politécnicos das zonas do Litoral, o que incentiva os estudantes a permanecerem perto de casa”. Para o responsável, “a mobilidade dos estudantes também é reduzida devido ao aumento de vagas nas instituições do Litoral”.

Além disso, diz, as despesas são um entrave na escolha de instituições de Ensino Superior (ES) localizadas no Interior do País. Os custos associados à deslocação, como a habitação e a alimentação, são uma barreira. “Esta dificuldade de atração do Interior tem também a ver com os custos dos estudantes deslocados. Os jovens tendem a ocupar vagas de proximidade. Se estão a viver no Litoral, tendem a ficar em espaços de residência. Se houver mais oferta de vagas nos espaços mais dinâmicos do ponto de vista económico, é evidente que há menor possibilidade dos estudantes do Litoral se inscreverem no Interior. Portanto, essa mobilidade diminui”, sublinha.

O programa “+ Superior”, destinado a atrair estudantes do Litoral para o Interior através de incentivos financeiros, tem dado um contributo positivo, mas António Fontainhas Fernandes considera que “precisa de ser mais atrativo, aumentando o número de bolsas e o valor oferecido aos estudantes e com mais incentivos”. Contudo, alerta, “não podem ser as instituições de ensino a despender do seu orçamento para esse incentivo”.

O presidente da Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior defende a necessidade de políticas públicas mais eficazes que promovam a escolha das instituições do Interior, assim como a melhoria das condições para os estudantes deslocados. Questionado se a oferta curricular dessas instituições é a mais adequada, António Fontainhas Fernandes entende que sim, mas refere que a mobilidade de estudantes do Litoral para o Interior pode ser potenciada com ofertas mais atrativas e “diferenciadoras”. “É natural que se aumentarmos as vagas nos cursos mais atrativos no Litoral, os jovens queiram ficar no Litoral. Veja-se o caso da Beira Interior, que teve uma aposta na Medicina. Tornou-se mais atrativa. E para resolver o problema da falta de médicos, tem de se aumentar a formação de médicos em espaços de proximidade no Interior. Para isso é preciso dar condições às instituições”, sustenta.

O responsável alerta ainda para o maior abandono dos estudos de estudantes da zona Interior, após o primeiro ano. “Os estudantes deslocados enfrentam custos que podem ultrapassar os 900 euros por mês, o que, para muitas famílias, especialmente as de condições socioeconómicas mais desfavorecidas, pode ser um fator determinante para o abandono dos estudos”, alerta. António Fontainhas Fernandes recorda que “sempre que há agressividade do mercado [mais e melhores ofertas de trabalho], ou crises económicas, muitos alunos abandonam os estudos e optam por entrar no mercado de trabalho”.

Aumento das despesas com habitação também afeta estudantes do Interior

O custo de vida dos jovens universitários ronda os 900 euros por mês. Os números constam de um estudo do Instituto Universitário de Lisboa, divulgado no mês passado e, apesar de ser aparentemente menos dispendioso estudar no Interior, a verdade é que o custo médio de bens e serviços também aumentou nas regiões com menor pressão demográfica. Maria José Fernandes, presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP), sublinha que há um aumento significativo de preços da habitação também no Interior. “A título de exemplo, em Barcelos, apesar de não ser propriamente Interior, tenho alunos que não conseguem encontrar quarto. Outras instituições indicam que as dificuldades dos alunos não são encontrar casa, mas sim para encontrar habitação a preços acessíveis. Esse aumento brutal dos custos da habitação não se verifica só no Litoral”, sublinha.

Para a presidente do CCISP, este pode ser um dos motivos para a perda de alunos nas zonas de menor densidade populacional, mas as razões são diversas e prendem-se, essencialmente, com a coesão territorial. “A dificuldade em fixar alunos no Interior está intimamente ligada à coesão territorial e à ausência de políticas públicas eficazes”, afirma. Maria José Fernandes defende não se poder “olhar apenas para o CNAES”, até porque, “muitas das vagas sobrantes acabam por ser ocupadas por alunos de outros contingentes, como os maiores de 23”. Avança ainda haver um menor número de alunos deslocados no Interior, onde as vagas tendem a ser ocupadas por alunos das proximidades. “É um indicador muito interessante. Nós, este ano, temos menos alunos deslocados. Em Barcelos temos as vagas completas e há uma procura acentuada de pessoas da região. E, nesse aspeto, os politécnicos dão uma boa resposta”, sublinha.

Contudo, diz, é necessário alargar os apoios do programa “+ Superior”, de forma a que os estudantes das regiões do Interior, que optam por prosseguir estudos nas suas regiões, também possam usufruir de apoio”. “O + Superior é uma medida positiva para atrair alunos do Litoral para o Interior, mas defendemos que quem faz, por exemplo, um movimento de Braga para Bragança ou alunos que ficam no seu local do Interior, também devem ter apoios. Seria muito positivo”, refere.

Instituições do Interior perderam vagas

Nas listas de vagas de acesso ao Ensino Superior para este ano (2024/2025), as instituições do Litoral ganharam mais espaço, principalmente as de Lisboa e Porto. No sentido inverso, o Interior do país perdeu muitos lugares, com o Instituto Politécnico de Bragança a liderar a tabela (menos 140 lugares), seguido do Politécnico da Guarda (menos 48) e a Universidade da Beira Interior (37). Maria José Fernandes salienta que este é um dos problemas para a diminuição de alunos no Interior.

“Temos de ter mais candidatos. Se houver mais candidatos, temos mais pessoas em condições de aceder ao Ensino Superior. E se a pressão for maior, o Litoral não é suficiente. A perda de alunos no Interior nada tem a ver com a qualidade das instituições. Os governos sucessivos têm de repensar o despacho de vagas que já limita muito o aumento de vagas no Litoral. Há uma política de restrição de vagas. No Interior não há limite para criar novos cursos ou mais vagas. Tem de haver políticas públicas de incentivo para estudar no Interior”, esclarece. Paralelamente, explica, “é preciso haver mais empresas no Interior”.

“É um problema que é muito mais do que apenas o incentivo ao Ensino Superior. Há outras políticas, como incentivos fiscais para as empresas, que devem ser pensadas. A oferta curricular deve alinhar-se com o mercado, e a presença de empresas e incentivos fiscais são cruciais. Por exemplo, se houver grandes e boas empresas em zonas como Bragança, se houver mais investigação, se calhar os alunos optam por ficar nessas zonas, não é? É um bocadinho como os médico. Há medidas próprias para fixar para os médicos do Interior”, sustenta.

Alunos do Interior têm mais apoios

Para os estudantes de instituições do Interior do país, existe um programa de bolsas específico (Bolsas + Superior), que abrange tanto os novos alunos, como os já colocados em anos anteriores (licenciatura e mestrados). A bolsa “mobilidade + Superior” oferece um montante anual de 1700 euros, mas pode chegar aos 1955 euros, para os alunos matriculados em cursos técnicos superiores profissionais ou que tenham ingressado no ES através do concurso especial para maiores de 23 anos. Há ainda diferenças nos benefícios fiscais. As despesas de Educação dedutíveis no IRS podem ir até ao máximo de 1000 euros, representando uma majoração de 10% face ao valor que as famílias do Litoral podem deduzir (800 euros).

Alberto Amaral: “Limitar as vagas em Lisboa e Porto para forçar os alunos a ir para o Interior é um disparate”

Apesar das tentativas para fixar estudantes no Interior, a dificuldade acentua-se. Porquê?

A evolução da demografia em Portugal mostra uma diminuição crescente dos jovens em resultado de uma taxa de nascimentos demasiado baixa. Por esse motivo o número de candidatos ao Ensino Superior vai também baixar. Os alunos do Interior têm uma grande tendência para se deslocar para instituições de ensino do Litoral, muito em particular em Lisboa e Porto, onde a oferta de ensino é muito mais variada e onde as perspetivas de emprego no futuro são muito maiores. Num inquérito recente para o EDULOG (think tank para a Educação da Fundação Belmiro de Azevedo) verificou-se que a maioria dos alunos que se deslocaram para Lisboa e Porto não pretendem regressar aos lugares de origem depois de terminado o curso. O número de alunos que terminam o secundário em Lisboa e no Porto é superior ao número de vagas no Ensino Superior público o que permite a existência do Ensino Superior privado que está concentrado nestas regiões. No Interior, devido à baixa densidade populacional, não só os alunos são em número inferior às vagas, mas além disso têm grande tendência em escolher uma instituição do Litoral. Esta tendência vai continuar a acentuar-se no futuro na sequência da quebra demográfica.

O que deve ser feito para inverter essa tendência?

Uma forma de evitar a perda de alunos do interior seria, eventualmente, a criação de uma instituição universitária de grande prestígio, o que exige um investimento substancial e continuado. Mas continuava a haver a questão do futuro emprego, pelo que mesmo os diplomados dessa instituição dificilmente ficariam na região. Na verdade, o problema de fundo é que Portugal é um país claramente desequilibrado, com uma enorme concentração de recursos em Lisboa e também no Porto. É um problema estrutural e, tal como no caso dos incêndios, sem se atacar o problema de fundo nada se resolve. As políticas que o Ministério implementou há alguns anos, de limitar as vagas em Lisboa e Porto para forçar os alunos a ir para o Interior são um disparate pois os alunos não estão dispostos a essa deslocação e ou não continuam estudos ou vão para uma instituição privada, pois apesar do valor das propinas compensa não ter os encargos de uma deslocação.

Outros dados

3728. Ficaram ainda por ocupar 3728 lugares, que poderão ser disponibilizados na 3.ª fase do concurso nacional de acesso ao Ensino Superior. O prazo para a apresentação da candidatura à 3ª fase iniciou-se no dia 21 de setembro e decorre até ao dia 24 de setembro.

38% das vagas sobrantes da 2ª fase do concurso nacional de acesso ao Ensino Superior são de Instituições de ensino localizadas no interior do País. Politécnicos de Bragança e de Viseu são os que têm mais lugares por ocupar. Cursos de Engenharia e tecnologias em geral têm 1329 vagas sobrantes.

82.5% Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, recolhidos nos Censos 2021, 82.5% dos portugueses vivem nas regiões do Litoral, onde estão, também, 71% dos edifícios. Os cinco municípios com maiores densidades populacionais, em 2021, eram a Amadora, seguida do Porto, Odivelas, Lisboa e Oeiras.