Reações à entrevista de Lucília Gago
09 julho 2024 às 11h49
Atualizado em 09 julho 2024 às 14h04
Leitura: 18 min

BE quer PGR a explicar "campanha orquestrada" contra MP. Ventura diz que se quer passar ideia de que há "uma nova PIDE"

Para a IL, a PGR terminou "com teoria do golpe de Estado" ao anterior Governo. Já o líder parlamentar do BE defendeu que Lucilia Gago deve esclarecer a quem se referia quando falou numa "campanha orquestrada" contra o MP. Líder do Chega afirmou que a entrevista mostrou que a justiça se sentiu condicionada.

O presidente da Iniciativa Liberal considerou esta terça-feira que a procuradora-geral da República terminou "com a teoria do golpe de Estado" ao anterior governo e defendeu que política e justiça devem entrar numa "fase nova de respeito mútuo".

"Eu creio que esta entrevista [à RTP] termina com a teoria do golpe de Estado. A senhora procuradora explicou os motivos pelos quais o famoso parágrafo da política portuguesa foi incluído, são motivos razoáveis e, portanto, eu creio que aqueles que se empenharam na teoria do golpe de Estado, fazendo artigos de jornais, tentando condicionar a opinião pública, terminaram com esta entrevista essa atividade, porque já ninguém acredita nessa teoria do golpe de Estado", defendeu.

Rui Rocha falava aos jornalistas no parlamento, numa reação à entrevista que a procuradora-geral da República, Lucília Gago, deu à RTP na segunda-feira à noite.

O líder liberal referia-se ao parágrafo do comunicado do Ministério Público divulgado em novembro do ano passado, que revelava a existência de uma investigação ao então primeiro-ministro e que levou à demissão de António Costa.

Rui Rocha considerou que "António Costa não continuou em funções como primeiro-ministro porque não quis, foi uma decisão pessoal, e o mesmo António Costa, com uma investigação que ainda está em curso pelos mesmos factos, quis ir para o Conselho Europeu".

"Portanto, são decisões pessoais de António Costa, porque senão aquilo que impediria continuar no governo deveria impedir, com a investigação em curso, estar a candidatar-se ao Conselho Europeu", defendeu.

O presidente da IL disse também compreender que a procuradora-geral da República, "quando fala da campanha orquestrada, tenha tido esta tentação de responder a estas questões, falou da intervenção pouco sensata do Presidente da República, falou também das palavras pouco sensatas da senhora ministra da Justiça". 

"Eu percebo essa tentação, preferiria que nós entrássemos numa fase em que política e justiça não estão neste tipo de diálogo, e, portanto, eu creio que quer os políticos, quer os representantes da Justiça, têm de entrar numa fase nova de cooperação e de respeito mútuo", defendeu.

Rui Rocha disse também que a procuradora "demorou tempo demais a dar esta entrevista", considerando que se poderia "ter poupado alguma animosidade na discussão" se estes esclarecimentos tivessem sido dados mais cedo

BE quer PGR a explicar "campanha orquestrada", PCP e Livre dizem que audição na AR mantém pertinência

Já o líder parlamentar do BE defendeu que a procuradora-geral da República, Lucilia Gago, deve esclarecer a quem se referia quando declarou, em entrevista à RTP, que há uma "campanha orquestrada" contra o Ministério Público.

"A senhora procuradora diz que há ex e atuais responsáveis políticos e governativos que estão a dirigir uma campanha contra o Ministério Público. Quem são? De que forma é que essa campanha se traduz? De que forma é que há condicionamento à atuação do Ministério Público? Qual é o condicionamento? Como é que ele se expressa? Eu creio que essa frase não pode ficar no vazio e a senhora procuradora deve traduzi-lo, porque se isso acontecer, é grave e pode até constituir um crime", defendeu Fabian Figueiredo, em declarações aos jornalistas, no parlamento.

Fabian Figueiredo considerou que é "uma acusação grave" que deve ser esclarecida, e adiantou que questionará a procuradora no parlamento, quando for realizada a audição prevista, ainda sem data marcada.

Fabian Figueiredo lembrou que o requerimento do BE para ouvir Lucília Gago visa a apresentação do relatório de atividades do MP [Ministério Público] de 2023, e criticou o facto de o documento ainda não estar finalizado, realçando que "devia estar pronto em maio", o que fará com que "provavelmente a procuradora só possa ser ouvida em setembro".

Pelo PCP, o deputado António Filipe considerou que a entrevista dada à RTP "peca por tardia" mas não substitui ou retira pertinência à audição no parlamento.

"Esta entrevista não anula a necessidade da audição parlamentar, até porque há aspetos que não foram abordados sequer, designadamente a questão do segredo de justiça, e há outros que vale a pena procurar dilucidar melhor, designadamente a questão de saber se não há um limite para que qualquer cidadão seja submetido a escutas telefónicas, ou se o cidadão pode estar permanentemente sob suspeita e até quando", elencou.

O deputado comunista disse ter consciência de que "os problemas da Justiça não começam e acabam na atuação do MP" e rejeitou comentar a acusação de "campanha orquestrada" de Lucília Gago, dizendo que terá oportunidade de esclarecer esta afirmação no parlamento "se quiser e se lhe for perguntado".

Sobre esta acusação, o deputado Paulo Muacho do Livre rejeitou "que esteja em causa uma campanha orquestrada para pôr em causa o Ministério Público", realçando que da parte do seu partido o desejável é um reforço do papel do MP, "autónomo e independente".

"Mas isso não significa que o Ministério Público e a procuradora-geral estejam acima de prestar explicações ao país e acima também de prestar explicações aos deputados e ao parlamento. É precisamente por isso que, na sequência desta entrevista, entendemos que ainda se justifica mais esta audição que foi pedida à procuradora aqui no parlamento", considerou.

Em entrevista a jornalista Vitor Gonçalves, na segunda-feira à noite, na RTP, Lucília Gago afirmou: "Há de facto uma campanha orquestrada por parte de pessoas que, enfim..não deveriam ... uma campanha orquestrada na qual também se inscrevem um conjunto alargado de pessoas que têm atualmente ou tiveram no passado responsabilidades de relevo na vida da nação"

Ventura diz que se quer passar ideia de que há "uma nova PIDE" para perseguir políticos

O presidente do Chega, André Ventura, afirmou que a entrevista da procuradora-geral da República mostra que a justiça se sentiu condicionada e considerou que se quer passar a ideia de que há "uma nova PIDE".

Em declarações aos jornalistas no parlamento, o líder do Chega disse que quando a procuradora-geral da República se referiu à existência de uma "campanha orquestrada" contra o Ministério Público "significa que os próprios membros sentiram que o poder político se juntou ou se articulou para causar pressão, dano, para tentar condicionar a justiça".

"A justiça sentiu-se condicionada, sequestrada", insistiu, considerando que tanto os agentes da Justiça como os políticos "têm de tirar consequências".

Lembrando declarações do Presidente da República, que considerou "maquiavélico" ter sido aberto um inquérito para investigar o caso das gémeas no dia em que António Costa se demitiu do Governo, ou o manifesto por uma reforma da justiça, Ventura defendeu que a procuradora "tem alguma razão quando diz que há uma campanha orquestrada contra quem investiga".

Sobre as escutas, André Ventura referiu que "não é o Ministério Público sozinho que interfere em escutas prolongadas" e que para acontecerem é necessária a "intervenção de múltiplos magistrados, nomeadamente juízes de instrução".

"Significa que os indícios que existem estão lá, são fortes, porque a lei assim o exige, e merecem ponderação. Se começamos a dizer que para os políticos não, criamos uma sociedade em que políticos não podem ser investigados, mas todos os outros podem", salientou.

"Isto sim é uma campanha orquestrada por todos para passar a ideia de que há uma espécie de uma nova PIDE, uma nova polícia política que anda atrás de políticos", alegou.

O presidente do Chega considerou que "finalmente caiu a ideia" de que o parágrafo do comunicado do Ministério Público que levou à demissão do anterior primeiro-ministro tenha "sido feito com propósito político".

André Ventura disse que Lucília Gago explicou que "a lei é igual para todos" e "ninguém está acima da lei" e que quando alguém é referenciado, "o Ministério Público tem de abrir um inquérito e era o que mais faltava não comunicar ao país e dar a entender estar a proteger alguém".

Segundo Ventura, foi isso que aconteceu no caso de António Costa, e a sua demissão foi um "ato pessoal e político".

O líder do Chega disse também que Lucília Gago "já podia ter falado há mais tempo" e reiterou que na audição no parlamento faz sentido a procuradora "se vier ao parlamento falar do relatório de atividades, dos meios que faltam para exercer a sua função e da independência do Ministério Público".

Em entrevista à RTP na segunda-feira à noite, a procuradora-geral da República afirmou que nunca ponderou demitir-se, defendeu que há "uma campanha orquestrada" contra o Ministério Público (MP) e considerou "indecifráveis e graves" as declarações da ministra da Justiça sobre pôr "ordem na casa" no MP.

Lucília Gago disse também que o inquérito no âmbito da 'Operação Influencer' que visa o ex-primeiro-ministro "ainda decorre", e negou qualquer "cuidado especial", indicando que António Costa foi tratado como qualquer outro face a uma denúncia ou suspeita de crime.

PAN acusa Lucília Gago de falta de autocrítica e de não ter estado à altura do cargo

A porta-voz do PAN, Inês Sousa Real, acusou a procuradora-geral da República de ser incapaz de fazer uma autocrítica do seu mandato e considerou que Lucília Gago "não esteve à altura do desafio que lhe foi colocado".

Em declarações na Assembleia da República, Inês Sousa Real lamentou que Lucília Gago "não tenha sido capaz de fazer uma autocrítica de todos estes anos de mandato quando claramente alguma coisa tem falhado para que sucessivamente e durante a sua direção haja escutas telefónicas abusivas e que claramente não têm nada a ver com os processos bem como depois uma fuga dessas mesmas escutas para a opinião pública".

"Isto é uma falta de capacidade crítica que não se compreende", acusou.

A deputada única do PAN considerou que a procuradora-geral da República "não esteve à altura do desafio colocado".

Sousa Real defendeu que se "o Ministério Público falha deve efetivamente pedir desculpa seja quem for o cidadão alvo dessas investigações ou denúncias abusivas", depois de a PGR ter recusado a ideia de que deva um pedido de desculpas ao antigo primeiro-ministro António Costa, caso o inquérito venha a ser arquivado, assim como o MP "não deve qualquer pedido de desculpas a qualquer outro cidadão".

A porta-voz argumentou ainda que na entrevista Lucília Gago demonstrou uma "incapacidade de gestão e de articulação com quem a nomeou, com críticas ao Presidente da República, ao ex-primeiro-ministro [António Costa]".

A deputada única sublinhou a importância do apelo que já fez ao primeiro-ministro, Luís Montenegro, no último debate quinzenal, no qual propôs a audição do próximo procurador-geral da República no parlamento para que este apresente a sua agenda para a Justiça e para o Ministério Público aos deputados.

"É fundamental que Montenegro responda ao repto que o PAN lançou", insistiu.

Citando declarações da procuradora-geral na entrevista, Inês Sousa Real realçou que "ninguém está acima da lei", o que inclui "a PGR e o MP" e considerou que Lucília Gago deve explicar no parlamento "o que tem falhado" e que meios são necessários para as investigações judiciais.

Funcionários judiciais acusam PGR de "sacudir a água do capote"

O presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ) acusou esta terça-feira a procuradora-geral da República (PGR) de "sacudir a água do capote" para os oficiais de justiça em processos mediáticos que geraram críticas ao Ministério Público (MP).

Lucília Gago considerou em entrevista à RTP1, a primeira desde que assumiu o mandato como PGR em 2018, que "causa indignação e sobressalto" haver cidadãos detidos que não são interrogados devido à paralisação dos funcionários judiciais, em alusão ao caso que investiga suspeitas de corrupção na Madeira, no qual os três arguidos ficaram cerca de três semanas detidos até conhecerem as medidas de coação.

"Assisti à entrevista completamente incrédulo, para não usar outra expressão. Não corresponde minimamente à verdade e a PGR devia saber isso. Os meus colegas - quer nessa operação, quer nas outras duas que mencionou, a Operação Influencer e a operação com a claque do FC Porto -, estiveram muito além do horário de trabalho para garantir que os prazos não eram ainda mais alargados", afirmou à Lusa António Marçal.

Para o líder do SFJ, Lucília Gago "perdeu uma oportunidade" de denunciar publicamente a falta de oficiais de justiça para prestarem apoio aos magistrados do MP nos inquéritos e de responsabilizar o poder político por essa situação.

"O que a PGR fez foi imputar a responsabilidade a quem dá o melhor e muito além do que está profissionalmente obrigado a fazer. Tentou sacudir a água do capote para o elo mais fraco, que são os oficiais de justiça. Falhou e faltou à verdade", vincou.

António Marçal criticou ainda a PGR por, no seu entender, fazer "uma sugestão" ao poder político para a introdução de uma "limitação do direito à greve dos oficiais de justiça", quando traçou um paralelismo com os hospitais e disse que não era admissível alguém deslocar-se e não ver o seu problema resolvido, apesar das greves.

"É intolerável e não se aceita em pleno século XXI. Em vez de vir defender a instituição que representa, veio fazer ainda mais ruído", observou, sublinhando: "Acho que foi uma fuga para a frente e que não tem nada para comunicar. E comete mais um erro crasso, porque as greves foram validadas nos termos em que estão a ser feitas por um tribunal superior".

Segundo o líder sindical, Lucília Gago teve "um ato falhado" na defesa pública do MP.

António Marçal criticou também o momento escolhido para a entrevista na televisão, antes de vir a comparecer no parlamento para prestar esclarecimentos, e a forma como Lucília Gago reagiu a algumas críticas que lhe foram feitas ao longo dos últimos meses.

"A PGR não é responsável por nada, não tem culpa de nada. Quando esteve calada, alimentou este ruído; agora que fala, vem ainda trazer mais ruído e não defender aquilo que era importante defender, que era a instituição MP e que é crucial num estado de direito democrático para que a justiça funcione corretamente", sentenciou.