CPI das Gémeas
20 setembro 2024 às 23h50
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Respostas de Costa e de secretária comprometem Lacerda Sales

Ex-secretário de Estado vai voltar a ser chamado pelo Chega para esclarecer contradições. “A verdade vence sempre”, disse Carla Silva, que se considera um “bode expiatório”.

A audição da antiga secretária de Lacerda Sales na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) às gémeas luso-brasileiras tratadas com o medicamento Zolgensma, durante a qual Carla Silva disse ser “um bode expiatório” do ex-secretário de Estado da Saúde, que a responsabilizou pela marcação da consulta inicial das crianças no serviço de Pediatria do Hospital de Santa Maria, levou o líder do Chega, André Ventura, a anunciar nesta sexta-feira que voltará a chamar Sales a responder aos deputados, pois o seu testemunho inicial foi “flagrantemente posto em causa”.

Numa sexta-feira que arrancou com a divulgação das respostas de António Costa à CPI, nas quais o antigo primeiro-ministro, que respondeu por escrito às perguntas dos deputados, disse que “os membros do Governo são politicamente responsáveis pelos seus atos e omissões e, consoante a situação concreta, por atos e omissões de quem está sob a sua direção ou tutela”, bem como que “um secretário de Estado não tem competência para marcar consultas”, Lacerda Sales ficou na mira da maior parte dos deputados, e em particular do Chega. André Ventura disse que o ex-governante voltará a ser chamado, depois de na sua audição, a 17 de junho, já então arguido por suspeitas de prevaricação e abuso de poder, ter dito à CPI que se recusava a ser um bode expiatório, negando ter falado do caso com Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa e Marta Temido.

As respostas escritas de Costa, que Ventura considerou insuficientes, ao ponto de o Chega requerer “mais esclarecimentos” do futuro presidente do Conselho Europeu - e que vá “fisicamente” à CPI - também estão na base do pedido de uma nova audição ao ex-secretário de Estado da Saúde, “se necessário potestativamente”, o que sucederá se o pedido for reprovada pela maioria dos deputados da comissão. Mas realmente decisivas, como disse ao DN o líder partidário, foram as declarações de Carla Silva.  

Numa audição que terminou com a antiga secretária de Lacerda Sales a dizer que “a verdade vence sempre”, Carla Silva repetiu várias vezes que, em todo o processo que levou ao tratamento das gémeas luso-brasileiras, realizado em 2020, no Hospital de Santa Maria, nunca fez “nada que o secretário de Estado não soubesse ou que não me tivesse pedido”. E isto desde que Lacerda Sales teve uma reunião com o também arguido Nuno Rebelo de Sousa, filho do Presidente da República e responsável pela Câmara Portuguesa de Comércio de São Paulo, que intercedeu pelos pais das duas luso-brasileiras com atrofia muscular espinhal, doença neurodegenerativa que levou a que fossem submetidas a um tratamento que custou quatro milhões de euros ao Serviço Nacional de Saúde.

Apesar de Lacerda Sales não ter sido colocado em conhecimento na mensagem de correio eletrónico que enviou à diretora de Pediatria do Hospital de Santa Maria, Ana Isabel Lopes, a pedir um avaliação médica das gémeas, que já haviam sido diagnosticadas no Brasil, Carla Silva garantiu aos deputados que nunca fez nenhuma comunicação à revelia do então secretário de Estado ou do seu chefe de gabinete. E que recebeu indicações de Sales para contactar Santa Maria, que conhecia bem, por ter trabalhado, até ir para o Governo, justamente no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte.

Numa audição em que a exigência de não aparecer na emissão da ARTV - “tenho de proteger a minha imagem ao máximo”, justificou - não evitou que estivesse visível por alguns segundos, o que motivou um pedido de desculpas do presidente da CPI, Rui Paulo Sousa, Carla Silva disse, em resposta à bloquista Joana Mortágua, que “temos um secretário de Estado a negar qualquer intervenção e a levantar suspeições em relação a mim”. Quando lhe foi perguntado, pelo socialista João Paulo Correia, se estava zangada com Lacerda Sales, a antiga secretária limitou-se a dizer “não vou responder a isso”, mas relatou que, “já depois de o caso estar mediatizado”, foi contactada pelo ex-governante. Este ter-lhe-á dito que precisava de lhe fazer uma pergunta, sugerindo que se encontrassem nos jardins da Assembleia da República, tendo ela respondido que poderiam falar junto ao Ministério da Saúde. Não obteve resposta e tal encontro nunca se concretizou.

Elogiada por vários deputados ao longo da audição, Carla Silva ouviu o social-democrata António Rodrigues destacar a “coerência” que demonstrou, acrescentando ter ponderado requerer a sua acareação com Lacerda Sales, mas que tal “seria inútil” quando está em causa um ex-governante que “atira, a torto e a direito, para cima dos outros as suas responsabilidades”.

Costa à espera do MP e da CPI

Das 61 respostas escritas a outras tantas perguntas dos deputados integrantes da CPI, tendo o grupo parlamentar do PS sido o único a não fazer nenhuma, António Costa respondeu a 16 com um “não”, a uma com um “sim” - admitiu ao Livre que conhece Nuno Rebelo de Sousa - e em 11 casos entendeu ter esclarecido as questões em respostas anteriores. Mas, além da admissão de que os membros do Governo são “politicamente responsáveis” por atos e omissões dos tutelados, o que implicaria Lacerda Sales mesmo que a sua secretária tivesse agido por livre iniciativa, disse ter confiança de que “o inquérito aberto pelo Ministério Público e os trabalhos da CPI permitam apurar plenamente os factos”. E guardou para então uma “resposta conclusiva” sobre se o Estado e o Serviço Nacional de Saúde foram lesados em quatro milhões de euros, na medida em que o seguro dos pais das crianças poderia custear o Zolgensma. E “se, e em que medida, algum membro do Governo teve, ou não, qualquer intervenção e ajuizar se essa eventual intervenção é, ou não, merecedora de censura política e/ou criminal”.

Disse ainda que só tomou conhecimento do caso das gémeas ao ser noticiado pela TVI, tendo “naturalmente” procurado saber se tinha havido intervenção do seu gabinete ou de algum membro do Governo”. E negando ter falado com Marcelo Rebelo de Sousa, Lacerda Sales e Marta Temido sobre o assunto, acrescentou “não ter motivo para duvidar” que a então ministra da Saúde não teve conhecimento prévio.