Parlamento
02 maio 2024 às 22h32
Leitura: 6 min

Eliminação “hipócrita” de portagens volta a juntar PS e Chega contra a AD

Pedro Nuno Santos e André Ventura negam conluio, mas votos do partido mais à direita foram decisivos. Governo critica “irresponsabilidade” de oposição “que quer governar”.

Pouco mais de uma semana após viabilizar, com a abstenção, propostas de partidos de esquerda alternativas à do Governo para a redução do IRS, o Chega foi decisivo nesta quinta-feira para a aprovação do projeto de lei do PS que visa eliminar taxas de portagem nas autoestradas do Interior e Algarve (antigas SCUT). Os 50 eleitos do partido de André  Ventura juntaram-se aos socialistas e ao Bloco de Esquerda, PCP, Livre e PAN, apesar de ao longo do debate repetirem acusações de “hipocrisia”, “incoerência” e “populismo” aos autores do diploma, que baixa à Comissão Parlamentar de Economia, Obras Públicas e Habitação.

O projeto de lei do PS, que prevê a eliminação, a partir de 1 de janeiro de 2025, das taxas de portagem nas autoestradas originalmente criadas sem custos para o utilizador, e em outras “onde não existam vias alternativas que permitam uso em qualidade e segurança”, abrange a A4 (Transmontana e Túnel do Marão), a A13 e A13-1 (Pinhal Interior), a A22 (Algarve), a A23 (Beira Interior), a A24 (Interior Norte), a A25 (Beira Litoral e Beira Alta) e a A28 (Minho, nos troços Esposende-Antas e Neiva-Darque), com um custo para os cofres públicos estimado em 157 milhões de euros pelos autores da iniciativa, que teve Pedro Nuno Santos como primeiro subscritor.

Depois da aprovação - que só teve votos contra do PSD e CDS-PP e abstenção da Iniciativa Liberal -, o Governo reagiu através do ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte, que criticou a “profunda irresponsabilidade orçamental” dos socialistas - horas após o seu homólogo das Finanças, Miranda Sarmento, ter denunciado mais de mil milhões em despesas extraordinárias desde que o Executivo de António Costa entrou em gestão -, estimando um impacto da ausência de cobrança de portagens em 180 milhões de euros no primeiro ano, elevando-se a 1,5 mil milhões de euros até ao fim dos contratos com os concessionários. “É muito importante que os portugueses percebam com clareza até onde quer ir o PS”, disse o governante, lançando uma série de perguntas ao maior partido da oposição. Referindo-se à convergência com o Chega, inquiriu se “não há critério nos conluios parlamentares” e o que impede o segundo e o terceiro partidos mais votados nas legislativas - juntos têm 128 deputados, contra 80 dos dois grupos parlamentares da Aliança Democrática (AD) - de assumirem que pretendem governar o país.

Isto apesar de Pedro Duarte garantir que o Governo de Luís Montenegro “está mais empenhado do que nunca” em “melhorar a qualidade de vida dos portugueses”, o que “é bem mais importante do que jogadas políticas”.

Antes reagira André Ventura, que apontou o desfecho da votação como “uma prova da enorme incapacidade de legislar” da AD, acusando PSD e CDS-PP de “adiarem sine die o benefício para o cidadão comum” decorrente da progressiva “abolição definitiva de todas as portagens” nas autoestradas portuguesas. Dizendo que o Governo de Luís Montenegro esteve “mais uma vez do lado errado da História”, ao excluir-se de um consenso alargado em prol de “zonas abandonadas e desconsideradas”, o líder do Chega também não poupou críticas ao PS, que “transmite uma enorme hipocrisia ao país” ao propor algo que chumbou sucessivas vezes ao longo dos oito anos de governação de António Costa.

Por seu lado, Pedro Nuno Santos defendeu que o PS não foi além daquilo que inscreveu no programa com que foi a votos a 10 de março, vangloriando-se de, “na oposição, conseguir fazer mais do que o PSD no Governo”. E, perante a questão de saber se estava confortável com o facto de o projeto de lei ter sido aprovado devido aos votos do Chega, disse que “não há nenhuma coligação negativa”, pois não houve qualquer entendimento.

Numa sessão plenária em que foram chumbados um projeto de lei do Bloco de Esquerda (pelo fim das portagens na A22, A23, A24, A25, A28, A29, A41 e A42, e reversão para gestão pública), um projeto de lei do PCP (mesmos fins, juntando a A4 e a A13) - tal como projetos de resolução do Chega, da Iniciativa Liberal, do PAN e um conjunto do PSD e CDS-PP, para “a redução gradual e financeiramente responsável de portagens no interior e nas grandes áreas metropolitanas” -, intervieram vários ex-governantes socialistas. Ana Mendes Godinho reduziu a “questiúncula do passado” uma pergunta do deputado liberal Mário Amorim Lopes sobre o nome do primeiro-ministro que introduziu portagens nas SCUT [José Sócrates], enquanto o ex-secretário de Estado Jorge Botelho ouviu acusações de “hipocrisia e demagogia puras” vindas do PSD. Em silêncio ficou Ana Abrunhosa, que enquanto ministra da Coesão Territorial, afastara há poucos meses a abolição das portagens.