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Dinheiro
18 outubro 2024 às 07h00
Leitura: 7 min

Juros do BCE devem cair para 3% ou menos no final do ano e depois descer mais

Depois de terem atingido máximo histórico de 4%, BCE decidiu, em junho, iniciar a descida de taxas de juro e agora quer acelerar ritmo por causa do perigo de desinflação em demasia e da ameaça de estagnação prolongada da Zona Euro. Para já, Lagarde rejeita falar em risco de recessão generalizada.

As famílias e as empresas, sobretudo as mais endividadas, da Zona Euro, vão sentir mais algum alívio nos juros a pagar ao banco e, aparentemente, essa redução de encargos até pode acontecer mais depressa do que se julgava.

Ontem, quinta-feira, 17 de outubro de 2024, o Banco Central Europeu (BCE) avançou com a terceira redução de taxas de juro deste ano, menos 0,25 pontos percentuais, para 3,25%, com vários analistas a antever igual corte para 3% ou até menos no final deste ano (há quem aposte já em meio ponto percentual). E depois prosseguir o alívio, com mais alguns cortes ao longo de 2025, até a taxa de referência (depósito) estabilizar em 2%. Lá para setembro do ano que vem, provavelmente.

Ontem, na conferência de imprensa que se seguiu à reunião de política monetária, que decorreu em Ljubljana, Eslovénia, Christine Lagarde, a presidente da instituição, explicou que o BCE ainda não conseguiu domar a inflação como deseja (quer que esta fique ancorada e estável no médio prazo nos 2%), mas admitiu que também começam a surgir dificuldades mais sérias e profundas na atividade económica, que podem puxar para baixo (e até demasiado) a cadência dos preços, podendo esta ficar até aquém do referido limite de 2%, isto é, resvalar para um nível demasiado baixo, o que é indesejável para o banco central.

Lagarde disse que a inflação vai tender a subir nos próximos tempos por causa de efeitos de base no cabaz da energia, por exemplo, o que justifica que o ambiente de juros continue a ser "restritivo", mas que tal impulso tenderá a desvanecer.

A ideia de fundo agora é que a economia está de tal forma a assimilar o impacto das subidas de juros do passado recente que é preciso agir com mais cautela para não sabotar uma retoma numa Zona Euro que está há demasiado tempo, anos já, virtualmente estagnada e ameaça por cenários recessivos, como na Alemanha, o maior país da moeda única.

Uma das formas, viu-se ontem, é descer os juros gradualmente para não complicar ainda mais a situação em países de grande calibre. Além da Alemanha, outros começam a inspirar cuidados, como França ou Itália.

"As taxas de juro foram novamente reduzidas porque o BCE achou que pode fazê-lo, não porque necessariamente tivesse de o fazer", observa Carsten Brzeski, economista-chefe do grupo financeiro ING, sediado nos Países Baixos.

"A decisão de reduzir as taxas em 0,25 pontos percentuais [p.p.] apenas cinco semanas após o último corte, e com pouquíssimos dados económicos disponíveis desde então, sugere que o BCE deve ter ficado muito mais preocupado com as perspetivas de crescimento da Zona Euro e até com o risco de a inflação ficar abaixo do objetivo", acrescenta o economista.

"Na nossa opinião, ter apenas um pouco mais de dados já não é uma barreira para reduzir taxas. Mesmo que Lagarde e a sua equipa evitem fornecer orientações futuras, parece que o BCE passou de uma lógica de cortes de taxas ligados a novas projeções macro trimestrais para começar a considerar reduções em todas as reuniões. E parece-nos que o seu objetivo é levar as taxas de juro para níveis neutros o mais rapidamente possível", observa o economista-chefe.

O nível "neutral" de taxas de juro do BCE é cerca de 2%. Os mercados monetários projetam que este valor possa ser obtido em setembro do ano que vem. Portanto, depois do corte de ontem, outros se seguirão. Mais um em dezembro (0,25 pontos ou até 0,5 pontos) e depois mais alguns até se alcançar os tais 2%.

Lagarde foi questionada sobre o renovado risco de recessão que paira outra vez sobre a Alemanha e se tal não significa um perigo para a Zona Euro como um todo. A resposta foi: "De acordo com as informações que temos neste momento, não vemos uma recessão na Zona Euro".

Seja como for, mesmo sem recessão, a economia europeia, a Zona Euro como um todo, está a ter muita dificuldade em sair da estagnação, que já dura há mais de dois anos, desde o início de 2022.

França, a segunda maior economia do euro, está a preparar um Orçamento do Estado fortemente restritivo, prevendo-se cortes a fundo na despesa pública e um grande aumento de impostos, por exemplo.

O crescimento da economia europeia está fraquíssimo, estagnado, mesmo. Há escassas semanas, em setembro, esperava-se que o BCE descesse taxas de juro mais devagar e, eventualmente, só no final deste ano. Já não é assim.

Este ciclo de redução dos juros tenderá a reanimar o consumo privado (pois dilata o rendimento disponível das famílias), a incentivar o investimento empresarial e a dinamizar o setor exportador na medida em que juros mais baixos podem, num primeiro momento, fazer desvalorizar o euro, tornando as exportações europeias mais baratas, por exemplo.

"Lagarde sublinhou que o BCE não vê a Zona Euro a caminhar para uma recessão, mas observou que as tensões comerciais representam um risco negativo óbvio para o crescimento, que o processo desinflacionista está no bom caminho e que as perspetivas de inflação foram afetadas pelas recentes surpresas negativas na economia", ou seja, a lentidão económica está, ela própria, a ajudar o BCE a desinflacionar, indicou Sven Jari Stehn, economista principal do Goldman Sachs, e mais quatro colegas de equipa, numa nota enviada aos clientes do banco.