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Sociedade
12 novembro 2024 às 00h01
Leitura: 9 min

Sindicato diz que secretária de Estado ignorou greve do INEM ao atirar negociação para 2026

Comissão Parlamentar da Saúde de hoje tinha um ponto na agenda: OE2025. Mas vai ser marcada pelo impacto da greve dos técnicos, que terá resultado, pelo menos, em 11 mortes, por falta de socorro. Oposição quer explicações. SETPH diz que enviou pré-aviso para gabinetes do PM, Saúde, Finanças e Trabalho.

No dia 30 de outubro, quando deram início à greve às horas extraordinárias, os técnicos de emergência pré-hospitalar manifestaram-se em frente à Assembleia da República para denunciarem o estado a que o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) chegou. A palavra usada durante a última semana foi a de “colapso” e ontem mesmo o vice-presidente do Sindicato dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (STEPH), voltou a usá-la em conversa com o DN. “Um colapso que não é de hoje, não foi de ontem, mas que se iniciou há uma década”, disse Rui Cruz. Aliás, sublinha, em anos anteriores o STEPH “já tinha denunciado situações graves por falta de resposta”, mas “nada aconteceu”. O impacto da greve foi o que se viu. Já há 11 mortes suspeitas de terem ocorrido por falta de socorro. O Ministério Público e a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde já as estão a investigar e a Oposição no Parlamento quer respostas.

Hoje, na audição da Comissão Parlamentar da Saúde, marcada para a discussão do OE2025 na especialidade, a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, vai ser pressionada para explicar o que aconteceu e de quem é a responsabilidade. Ao DN, Rui Cruz diz que o pré-aviso de greve foi enviado para os gabinetes da tutela da Saúde, para os gabinetes do primeiro-ministro  e dos ministros das Finanças e do Trabalho, e também para a Assembleia da República, mas a única resposta que receberam foi do gabinete da secretária de Estado da Gestão da Saúde, Ana Cristina Tomé. “Dizia mais ao menos isto:  não havia disponibilidade para negociar as nossas condições de trabalho, nem a valorização da carreira em 2024, nem em 2025, só em 2026”, relembra.

Esta resposta fez com que se sentissem, “mais uma vez, ignorados e foi quando decidimos avançar para a greve e enviámos a convocatória para quem tinha de ser”. E, nos dez dias seguintes, os representantes dos trabalhadores, nomeadamente o seu sindicato,  não foram contactados por ninguém da Saúde, nem por alguém do Governo que se tivesse mostrado preocupado com o protesto e que aceitasse recebê-los.  Esse contacto chegou já com uma semana de greve e já com o impacto que os próprios técnicos sabiam que um “protestos destes iria ter”, mas tudo isto foi ignorado por todos.

O STEPH acabou por ser recebido pela ministra da Saúde, na passada quinta-feira, dia 7, altura em que  assinou um protocolo de negociação com os técnicos, que suspenderam de imediato a greve. Ana Paula Martins chamou este dossiê para o seu gabinete, desautorizando a secretária de Estado Ana Cristina Tomé. Só que, neste entretanto, ficou a saber-se que os recursos humanos  do INEM “não definiram serviços mínimos para o dia 4 de novembro, quando a greve às horas-extra coincidiram com a greve da Administração Pública.

Para Governo, "cenário de demissões não está em cima da mesa"

Segundo o sindicato, nesse dia havia menos 10 pessoas a atender chamadas, que se foram avolumando, e foi assim que “começaram a perceber o impacto da greve”. Na terça-feira, dia 5, a ministra fala pela primeira vez do assunto e assume aos jornalistas que o Governo foi surpreendido com tal impacto e quando já se falava, pelo menos, em quarto mortes por falta de socorro atempado.

O DN perguntou ao Ministério da Saúde se, ao fim de uma semana de se conhecer o impacto da greve, e depois do comunicado do STEPH no domingo à noite, não estavam a ser pensadas demissões e se a própria secretária de Estado da Gestão da Saúde e o  presidente do INEM não tinham colocado os cargos à disposição, mas não obteve resposta. Fonte do Governo garantiu até que “o cenário de demissões não está em cima da mesa”.

Recorde-se que no comunicado enviado às redações, o STEPH explicava que a atual Ministra da Saúde “é a primeira governante a assumir um compromisso escrito de implementação de medidas e soluções”.

“Pela primeira vez, em muito tempo, assistimos a uma aparente vontade política na resolução estrutural e definitiva dos constrangimentos há muito existentes.” Lembrando até que nos Governos PS, “durante os anos de 2021, 2022 ou 2023, esta estrutura sindical denunciou de forma incessante várias ocorrências em que as falhas no socorro tiveram desfechos trágicos para vários cidadãos”. Rui Cruz afirma que foram “recebidos pela ministra Marta Temido e pelo ministro Manuel Pizarro, mas  após essas reuniões nada aconteceu”.

Mas, hoje, no Parlamento, o PS vai exigir à ministra “explicações e responsabilidades sobre a falha do Sistema de Emergência Pré-Hospitalar e as consequências que essas provocaram na vida de muitos cidadãos”, disse ao DN o deputado João Paulo Correia. Os socialistas querem saber que medidas tem, afinal, “o Governo para o INEM quando este não fez parte do Plano de Emergência, nem sequer do OE”. O líder do Chega, logo na semana passada, pediu a demissão da ministra; o Bloco de Esquerda e o PCP também. Rui Rocha da IL defendeu também que é uma situação que carece de explicações da ministra.


Alertas de sindicato ao Governo começaram em junho

Assim que o Governo tomou posse, o STEPH pediu uma reunião à nova tutela. A reunião aconteceu em junho. “Fomos recebidos pela secretária de Estado da Gestão da Saúde, Ana Cristina Tomé, a quem fizemos um relato da crise que se atravessava devido à escassez de recursos e sobre as nossas condições de trabalho. A sr.ª secretária ficou a saber que, nos últimos anos, perdemos mais de 500 elementos e que há postos do INEM em que alguns técnicos trabalham quatro meses sem folgar para assegurar o trabalho, e com a hora extraordinária a ser paga a cinco euros”, destaca Rui Cruz. 

A reunião criou expectativas aos trabalhadores e a quem os representa e, a partir daqui, surgiu a ideia de que se iria avançar com um protocolo de negociação. Mas dois dias depois desta surge “o caso dos helicópteros”, em que o anterior presidente do INEM, Luís Meira, e  a tutela trocam acusações sobre quem deixou, afinal, passar o prazo do concurso para a contratação do Serviço de Emergência Aérea. Ao fim de dois dias, o presidente do INEM pede a demissão por “quebra de confiança”. A ministra anuncia novo presidente, Vítor Almeida, que acaba por recusar o cargo por não lhe terem sido dadas as condições que pretendia. É então que nomeia o médico-militar Sérgio Dias Janeiro, em julho. 

O STEPH aguardou “uma resposta da tutela até agosto e setembro, mas não nos foi dito nada. Foi então que enviámos um e-mail a alertar de novo a secretária de Estado para o colapso do INEM e para uma eventual greve”, recorda Rui Cruz. A resposta foi atirar a negociação para 2026. Rui Cruz assume que os técnicos tiveram sempre “a noção do impacto que teria uma greve na emergência hospitalar, mas muita gente a ignorou”. Apesar de não mais ter falado no assunto, desde o dia 5, Ana Paula Martins vai ter de dar hoje explicações aos deputados e, à tarde vai visitar as instalações do INEM onde, na semana passada, colocou enfermeiros a receber chamadas do CODU e onde foi instalado um sistema de triagem automática para atender os utentes.  

Com Artur Cassiano