Política
03 janeiro 2024 às 18h00
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António Costa queria participação nos CTT para contornar problemas da privatização

Finanças tinham ordem para comprar até 2% da empresa, para não ser obrigatória a comunicação à CMVM. Despacho não foi público para “não pressionar o preço”, explicam ao DN duas fontes que acompanharam o processo.

O Governo de António Costa estava a estudar a possibilidade de uma entrada no capital dos CTT para combater o que era visto no Executivo como o “pecado original” da privatização da empresa que englobou a venda de todos os ativos do correios e não apenas a concessão, fazendo com que na prática fosse impossível concessionar o serviço a outro privado. Duas fontes que estiveram na altura envolvidas no processo desencadeado pelo Governo asseguram ao DN que a ideia nunca foi a de controlar os CTT.


“Houve interesse em ter posição na empresa, mas não de tomar o controlo da empresa”, admite ao DN um dos responsáveis pela operação, explicando o contexto em que foi tomada essa decisão. “Era uma preocupação na altura porque se estava a renegociar o contrato de concessão no contexto da pandemia”, diz a mesma fonte, contando que essas negociações estavam a ser “muito difíceis” e que “o Governo não tem alternativas” a concessionar o serviço postal, precisamente porque a privatização dos CTT englobou todos os seu ativos, incluindo a sua rede de postos de atendimento e toda a infraestrutura inerente.


A negociação do novo contrato estava, aliás, a ser tão dura que em janeiro de 2022 era notícia a assinatura de um acordo provisório com os CTT para estender a concessão que tinha terminado em 2021. De resto, o contrato acabou por ser renegociado por ajuste direto e oficializado em fevereiro de 2022. “Os CTT ficaram com a concessão porque não há alternativa”, reconhece quem esteve no Governo a acompanhar este dossiê. 


A ordem que foi dada pelo Governo num despacho que “não foi público nem tinha de ser público para não pressionar o preço no mercado” era para adquirir até 2% dos CTT, uma participação financeira que não obrigaria a comunicação à CMVM. A compra foi feita em bolsa “aos preços de mercado” e, nessas condições, só foi possível comprar 0,25%. Na Galp, por exemplo, o Estado detém 7,48%.


Com 0,25% a posição é absolutamente residual. “É nada”, assume um ex-governante. Mas o que chegou a estar em cima da mesa foi aumentar “paulatinamente” essa participação para ter um pé dentro da empresa. O problema era que anunciar que o Estado estava comprador poderia fazer disparar os preços. “Nestas coisas, o Estado tem uma dificuldade adicional que é, depois de anunciar a comprar e disparar o preço, não poder recuar, por ficar mal visto”, explica quem esteve dentro deste dossiê.

Presidente da Anacom defende participação do Estado nos CTT


Segundo dados avançados pelo Correio da Manhã, os CTT motivaram uma média de 79 queixas por dia no primeiro trimestre de 2022, num total de 7,1 mil  participações sobre a falta de qualidade do serviço prestado.


Em dezembro, João Cadete de Matos, presidente da Anacom, defendia em entrevista à Lusa a participação do Estado nos CTT e lamentava, como regulador, não ter tido instrumentos para contrariar a degradação do serviço. “Ainda é mais grave quando temos ouvido da administração dos CTT pouca, poderia às vezes [dizer] quase nenhuma, disponibilidade para corrigir a situação”, afirmava então Cadete de Matos, dizendo ser incompreensíveis as queixas da empresa segundo as quais os critérios são exigentes de mais, quando estão em vigor há anos. 


“Verificamos que a empresa tem sido lucrativa ao longo dos anos e, portanto, não há razão para que uma empresa lucrativa e, de facto, com uma remuneração dos seus acionistas, que tem sido muito positiva, não faça não só o investimento em termos de modernização da empresa, mas na contratação e na remuneração dos carteiros e dos outros trabalhadores da empresa para garantir a qualidade de serviço”, atacava Cadete de Matos.


Segundo o que o DN apurou junto de três fontes do Governo, o processo de aquisição de uma participação do Estado nos CTT foi dirigido pelo Ministério das Finanças - sem qualquer participação do Ministério das Infraestruturas, que então era tutelado por Pedro Nuno Santos - e por decisão de António Costa.


Pedro Nuno fora da decisão


Ao contrário do que chegou a ser dito, a decisão não fez parte de qualquer acordo nem com o PCP nem com o BE. Mariana Mortágua, coordenadora do BE, fez o desmentido de viva voz, afirmando à Lusa que “não tinha conhecimento dessa operação de compra”. 


“Essa questão nunca foi colocada em cima da mesa pelo PCP”, asseverou ao DN uma fonte que esteve nas negociações entre o Governo e a esquerda para a aprovação do Orçamento do Estado para 2021 (que viria a ser chumbado pelo BE).


O PSD veio, através de Hugo Soares, pedir esclarecimentos a Pedro Nuno Santos, criticando a “grande nebulosa e obscuridade” em torno do processo.

Contactado pelo DN, o líder do PS não esteve disponível para fazer comentários.

margarida.davim@dn.pt