Festival despede-se com nostalgia dos anos 90
14 julho 2024 às 05h35
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Pearl Jam mostraram estar Alive 

Quinteto está bem e recomenda-se (aos fãs) numa noite marcada pelo tom político e pela presença do Presidente da República no concerto. Antes, The Breeders fizeram a conexão perfeita com os anos 90.

Que melhor festival para os Pearl Jam darem prova de vida? O festival com o nome de uma canção sua e que já os tinha recebido com tapete vermelho em três ocasiões? O grupo de Seattle regressou em grande, por fim, aos lançamentos discográficos com Dark Matter, mas a digressão europeia foi brevemente interrompida devido a doença não especificada entre os membros do grupo. Apesar de já terem reatado os concertos em Barcelona e Madrid, a curiosidade era grande para saber em que medida os músicos se encontravam,e como os novos temas soariam ao vivo. Perante os seus fãs, a prova foi passada com distinção ao ponto de Eddie Vedder e companhia saírem do palco com o público a cantarolar/gritar "I'm still alive". 

Ao iniciar o concerto de quase duas horas com um gole numa garrafa de vinho, Eddie Vedder mostrou-se tão em casa como mais tarde quando deambulou com um cachecol da seleção portuguesa, ou quando tentou, em mais de uma ocasião, falar em português para lá do "obrigado“, embora reconhecendo o mal que soava ("uma merda", disse, para aplauso geral).

Não tendo parado de elogiar uma e outra vez o público e Portugal (as praias da Ericeira, Cascais e a ligação do teclista havaiano Boom Gaspar com o nosso país), e de brindar aos presentes, não obstante Vedder mostrou algumas dificuldades em articular-se e até foi traído pela memória ao situar o primeiro concerto em Portugal quando começaram a tocar com Gaspar há 23 anos (foi antes, em 1996). Correu melhor quando cantou.

Terceiro dia do NOS Alive, Pearl Jam no Passeio Maritimo de Alges em Oeiras.
Álvaro Isidoro / Global Imagens

Numa sábia dosagem de clássicos com temas novos (por exemplo, ao iniciarem o concerto com Daughter, passando depois para os novos Dark Matter e React, Respond para de seguida recuperarem Animal pela primeira vez na digressão), os Pearl Jam geriram um público que estava rendido de antemão: nos temas antigos era frequente a multidão à frente do palco abafar a voz de Vedder. Às novas composições, a reação geral também foi entusiasta.

O cantor, que há dias contou ao público espanhol ter passado por uma experiência extrema de saúde, e que voltou no fim do espetáculo a aludir aos momentos difíceis vividos recentemente, não transpareceu problemas com a voz nem falta de energia, em sintonia com a banda.  

Jeff Ament, Matt Cameron, Eddie Vedder e Stone Gossard, dos Pearl Jam. (Álvaro Isidoro / Global Imagens)

Além da homenagem a Gaspar, o vocalista destacou o desempenho do baterista Matt Cameron quando elogiou o novo disco -- a crítica internacional também o colocou ao lado do melhor do grupo --, e o guitarrista Mike McCready. Nos primeiros concertos em Portugal, em Cascais, e aparentemente esquecidos por Vedder, Cameron ainda não fazia parte da banda nem McCready aplicava solos de minutos (guitarra às costas incluída), para encanto de alguns e enfado de outros.  

Tendo entre a assistência o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, o chamado encore (na verdade, uma segunda parte) arrancou com Eddie Vedder a denunciar a gravidade do momento político no mundo e em especial nos Estados Unidos, tendo exprimido o desejo de se "livrar do cancro“ e sarar as feridas do seu país nas eleições presidenciais de novembro. Decerto não estaria a par do aparente atentado a Donald Trump, que acontecera pouco antes. O intróito foi para recuperar o clássico de John Lennon, Imagine.

O cunho político e as covers que por norma fazem parte dos concertos dos Pearl Jam foram reforçados por Rockin' in the free world, de Neil Young, antes do culminar com a canção com a letra mais indecifrável, Yellow Ledbetter, e uma despedida em apoteose. Para os fãs, o quinteto (septeto em concerto) está vivo. E recomenda-se. 

Férteis Breeders

Kim Deal, uma inspiração para gerações de admiradores. (Álvaro Isidoro / Global Imagens )

Num festival, o reconhecimento do público em relação a quem se apresenta em palco roça por vezes a crueldade. Por exemplo, neste mesmo palco, há uns anos, vimos uma lenda como o referido Neil Young ser ignorada nas primeiras filas por quem queria ver um grupo de quem já ninguém se recorda, e que ia atuar posteriormente. Ou, na sexta-feira, os Smashing Pumpkins de Billy Corgan e James Iha receberam mais reconhecimento de Win Butler, o líder dos Arcade Fire, do que da assistência.

Calhou às irmãs Kim e Kelley Deal e às suas The Breeders tocarem antes dos Sum 41 quando a lógica ditaria que, tal como Neil Young, deveria estar a encabeçar o cartaz. Afinal, o grupo não só se afirmou na sequência da saída de Kim Deal dos Pixies (que influenciaria todo o movimento grunge) como na época teve mais sucesso comercial.
 
Indiferentes a estas considerações, as The Breeders, que mantêm o trio de guitarras e voz desde o início, na viragem dos anos 80 para os 90, apresentaram-se com a simplicidade do sorriso eterno de Kim, a disfarçar a já respeitável idade, o groove e as suas melodias instantaneamente reconhecíveis num emaranhado sónico agridoce. 

Vindas de outro festival, em Madrid, seguiram o mesmo alinhamento com que tinham tocado há menos de 24 horas, baseado quase na totalidade nos dois primeiros álbuns, Pod e Last Splash. Uma receita de sucesso -- afinal foram estes os seus momentos altos na carreira.

Vestida como uma funcionária administrativa, Kim Deal não liderou um grupo burocrático, embora incapaz de surpreender. Exceto para quem as desconhecia de todo ou quem não suspeitava que para a despedida seria  brindado uma versão de Gigantic. Como no tema gravado no primeiro álbum dos Pixies também aqui foi cantado e tocado na guitarra baixo por Kim (tendo trocado de papéis com a baixista Josephine Wiggs para a ocasião), despedindo-se da melhor forma de uma cidade em que o grupo apenas tinha atuado na sua primeira vinda a Portugal, há mais de duas décadas.

cesar.avo@dn.pt