As três primeiras horas de epopeia Horizon- Uma Saga Americana, de Kevin Costner foram mais um dos grandes acontecimentos de Cannes, edição 77. O western foi exibido na seleção oficial, fora-de-competição, e é o primeiro tomo de 5 filmes - o segundo, ainda com cenas para terminar estreia-se já em agosto em Portugal e no mundo inteiro. O que se viu aqui em Cannes é o que os portugueses vão ver em junho, um épico sobre os pioneiros na América: a odisseia de várias famílias que se querem instalar na pradaria perto do território dos índios.
Costner não cozinha este mosaico de personagens de forma linear. Estas três horas são para diluir a narrativa: acompanhamos uma viúva que é protegida por um coronel do exército americano, mas também uma caravana a chegar à fronteira, bem como o percurso de um vaqueiro que protege uma prostituta desamparada. Tudo é feito de uma maneira “antiquada”, sem pressas, nas calmas. Para o bem e para o mal, sente-se a pureza do gesto de documentar historicamente o Velho Oeste, com destaque para o ângulo das famílias dos índios. E, mais importante, o propósito é sentir-se o vagar do olhar. Um tempo nos antípodas do que se faz hoje, talvez mesmo no limiar de abdicar um conceito de continuidade. Ou seja, um realizador que nos quer colocar dentro de uma certa morosidade, de um tempo dos primórdios da América. Uma “lentidão” que vai fazer lembrar a muitos As Portas do Céus (1980), o falhanço comercial de Michael Cimino, também situado no Wyoming.
Trata-se de uma deliberação de pureza com o western de outros tempos, literalmente sem modernismos, mesmo quando incorpora uma cena de abuso sexual de uma mulher a um cowboy.
Paradoxalmente, numa entrevista a publicar em breve no DN, Costner lembra que tentou homenagear aqui John Ford, Preston Sturges e Lawrence Kasdan. “Esta América que mostro era quase um Jardim do Éden, algo que nunca ninguém havia visto. Há 200 anos tínhamos toda aquela vida selvagem, as pessoas vestiam-se com pele dos animais e viviam na natureza, o contrário da Europa, cheia de monumentos e com as ordens da monarquias. Mesmo assim, foram os europeus que tiveram coragem para atravessar o oceano e povoar estas terras com mais de 19 milhões de búfalos. Hoje paramos num semáforo, antes estas caravanas paravam 8 dias à espera que as manadas passassem...E, claro, esta América que está nesta epopeia vivia à custa da lei da bala, enquanto na Europa as pessoas já tinham a civilização. Era uma América em guerra com a tecnologia da altura: as armas”, explicou.
Nos EUA, estes capítulos vão ser lançados nas salas pela Warner, mas durante a feitura dos filmes não havia ninguém a mandar no destino desta grande produção paga com o dinheiro de Costner. “Não tive de prestar contas a ninguém!”, contou também, embora salientando que soube sempre ouvir os outros. Horizon não é nenhum Danças com Lobos mas está longe igualmente de ser um capricho de um dos nomes fortes da História do western americano...