Temos ouvido em vários palcos diversos subscritores do Manifesto dos 50 por uma reforma na Justiça garantirem que este não é um ataque ao Ministério Público (MP). Mas é só coincidência que a maioria dos casos citados na discussão pública gerada seja apontada negativamente ao MP?
Não é coincidência. É pela oportunidade. Ou seja, se por acaso há um caso ou dois ou três que ganham relevo mediático, é natural que as coisas sejam focadas sobre isso. Agora, quem ler o Manifesto tem consciência de que há muito mais dentro do sistema de Justiça que merece a nossa preocupação.
E dentro do MP nós não confundimos todos os seus 1600 procuradores, mais os funcionários, etc., com um setor muito específico do MP. Generalizações são sempre de evitar. Há um conjunto de práticas, nomeadamente, ao nível da parte processual da área penal, que nos levantam sérias dúvidas e, neste caso, eu diria quase clara e determinada oposição.
Os argumentos que ouvimos contra o Manifesto foi primeiro de que o problema do MP é um problema de limitação de recursos, que é uma coisa que eu discordo. Há recursos, mas estão a ser mal geridos, na minha opinião. Em segundo lugar, tem a ver precisamente com as pessoas e eu não quero personalizar.
Pessoalmente, não tenho qualquer problema com o MP. A única vez que tive de ir a um processo de instrução após uma queixa, o MP comportou-se impecavelmente. Não tenho a mínima razão de queixa. Portanto, as coisas não são pessoais.
As críticas são em relação a certas práticas…
Exatamente. O que se põe em causa são práticas e são processos adotados e que estão, ou estavam, em fase de normalização. E nós não suportamos que isso possa ser normalizado. Quer dizer, se fosse um caso, uma situação em particular, com certeza que não existiria problema.
É que, pelo menos, no núcleo inicial que deu origem ao Manifesto, foi a prática reiterada de determinado tipo de procedimentos que diz isto é insuportável e não é só um problema de legalidade. Há aspetos em que há a prática de crime por parte da instituição, que, em princípio, deveria zelar pela legalidade dos procedimentos.
Mais do que isso, há preconceito e, acima de tudo, uma orientação que é de base política, eu diria quase que política ou ideológica. Porquê? Porque isso foi assumido, segundo creio, publicamente. Esta ideia de se querer transformar numa espécie de regulador ético moral da vida política. Eu acho que isto é uma ameaça.
É grave que alguém, em vez de se basear em factos e em procedimentos legalmente consagrados se esteja a orientar por preconceitos de ordem ética ou moral.
Um justicialismo?
Não sei o que é que se lhe pode chamar. Quer dizer, há várias formas. Eu julgo que o fenómeno não pode ser dissociado de duas coisas. Primeiro, de que há um problema político com a organização do MP e com o sistema de Justiça.
E é um problema político de responsabilidade política que tem de ser entendido como tal. Em segundo lugar, entendo que todos têm direito aos seus preconceitos. Não os podem é carrear para a apreciação que fazem de um processo de ação penal.
Portanto, nesse sentido, os meus receios, que já não são só receios, são certezas que me incomodam, é precisamente o facto de que alguns dos princípios básicos de funcionamento do Estado de Direito não estão a ser respeitados. É nesse sentido.
Poderiam dizer, bem, é um problema da lei, mas é mais do que isso, é da organização. É o problema do contexto em que as ações são desenvolvidas. É o problema também de uma generalização relativamente à ideia de que todos os políticos têm sempre rabos-de-palha, não é? E eu sinceramente não aceito isso.
Não posso aceitar isso. Neste momento estou aqui a exercer uma atividade política, não tenho vínculo partidário, sou militante do PSD, mas afastei-me da vida partidária. Não tenho cargos, não tenho nada. Sou um mero académico que faz investigação, mas não deixo de ser um cidadão que se preocupa com o funcionamento da democracia e, acima de tudo, com o futuro da democracia em Portugal e do Estado de Direito.
Mais importante que isso, com a ideia da liberdade. Toda a gente sabe que não há liberdades absolutas nas sociedades. Agora, no que diz respeito à liberdade relativa, vai até onde eu começo a sentir que a ação do Estado - e estou a falar do Estado em geral -, o sistema de Justiça e não só, vai cortar a minha própria liberdade.
Há uma coisa que é um contrato social que decorre da aceitação da minha limitação, da minha liberdade. Há outra coisa completamente diferente, que é eu sujeitar-me ou habituar-me à sujeição a regras que não são legalmente e em termos de princípios respeitadas.