FC Porto
17 janeiro 2024 às 07h00
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Villas-Boas avança no Dragão. “Parece que não parte um prato, mas parte a louça”

Há três anos que prepara a candidatura à presidência do FC Porto, que será hoje apresentada. Há quem o considere um visionário. Outros temem a inexperiência. Amigos descrevem pessoa “calculista, ponderada, obstinada”. Com Pinto da Costa partilha a “determinação e a aversão ao Benfica”. Divide-os a personalidade.

Acabava de sagrar-se campeão nacional pelo FC Porto quando anunciou, contrariando os astros e os entendidos, a intenção de uma passagem meteórica pelo futebol. “Dez, doze anos, e chega”. Assim foi. Exatamente à medida do fulgor inicial. Da Académica de Coimbra, em 2009, ao Olympique de Marselha, em 2021, vão exatamente os 12 anos “intensos” no campo. Previstos e gizados com método.

André Villas-Boas não fala ao acaso. “Super calculista, super ponderado, super obstinado”, afirma Gonçalo Magalhães. O melhor e mais antigo amigo é testemunha do esmero e cautela na preparação da próxima etapa. Medindo cada passo, estudando cada pormenor, preparando dossiers, observando o trabalho dos melhores. Aprendendo com especialistas a recuperar clubes da bancarrota sem comprometer a conquista de títulos. Em Barcelona, em Londres, na Alemanha. “Há três anos que não faz outra coisa senão trabalhar para ser presidente do FC Porto”, diz Gonçalo.

Os amigos interrogam-no: o que o faz avançar? “Tem tudo - dinheiro para ele, para os filhos e para os netos. Uma vida boa”. Lembram-lhe o lamaçal que tem sido o dirigismo desportivo. “Está escrito”, responde-lhes. Como se acreditasse no destino, quando na verdade crê apenas nele próprio. “Sempre quis ser presidente do FCPorto, sempre fez tudo para ser presidente do FC Porto”. A apresentação da candidatura à presidência do clube, marcada para hoje, é a primeira página do guião. Escrito por ele, para lá das emoções próprias do futebol.

É ingrato traçar o perfil do candidato. Villas-Boas evita falar de si. Pede reserva aos amigos. “Deixe-me primeiro falar com ele”, dizem os contactados. Exceção concedida, Gonçalo não esconde que a teimosia é o maior defeito do amigo. E o perfecionismo, um traço relevante de personalidade que o leva a reagir mal quando uma ordem sua não é cumprida com o detalhe que pede. “Quando treinou o FC Porto meteu na cabeça que não podia falhar. Entregou-se de alma e coração. Obsessivamente. Obstinadamente. Dormia e acordava a pensar na equipa. Foi um desgaste inacreditável”. 

Em novembro, como adepto, a ver o FC Porto-Barcelona no Dragão. (MIGUEL PEREIRA/GLOBAL IMAGENS)

Um desgaste traduzido num campeonato sem derrotas e nas conquistas da Supertaça, da Taça de Portugal e da Liga Europa, onde o FC Porto alcançou o maior número de vitórias de um clube português numa competição europeia. “Uma máquina de jogar futebol”, escrevia-se da equipa nos jornais estrangeiros. Aos 33 anos, Villas-Boas trazia o 25.º campeonato ao FC Porto com sabedoria e equilíbrio improváveis nessa idade. Aliou irreverência e controle, rasgo e disciplina. “Contem com esse André na presidência do FC Porto”, garantem os amigos. Embora outros, menos aliados, critiquem “o projeto”, temendo “a juventude” e “a inexperiência” do homem que se propõe substituir Pinto da Costa. Após essa época perfeita ao serviço dos portistas, e recém-considerado um dos melhores treinadores do mundo pela IFFHS, é contratado em junho de 2011 pelo Chelsea graças a uma indemnização e um salário milionários, mas seria despedido oito meses depois, em março de 2012, acusado de falta de pulso num balneário de estrelas, embora tenha contribuído para o percurso do clube na Liga dos Campeões, conquistada em maio desse ano pelo seu sucessor, o italiano Roberto di Matteo. Seguir-se-iam sete anos de raríssimos êxitos desportivos e novos salários chorudos, tendo como maior sucesso em campo nesse período o título de campeão russo de 2o14-2015 pelo Zenit de São Petersburgo.

Com Pinto da Costa partilha a “determinação, e a aversão ao Benfica”. Divide-os a personalidade: “O André não precisa do dinheiro do clube, nem de usar o FC Porto. Não entrará nas guerras norte-sul. Será um presidente muito diferente”, diz Luís Themudo, outro amigo. “Ao André pode comprar-se um carro em segunda mão. É um homem sério, íntegro, solidário com aqueles que precisam”.

De José Mourinho, com quem trabalhou no Chelsea - e que dele dissera “é os meus olhos e os meus ouvidos no campo rival”, - herdou a “obsessão pelo jogo”. É, porém, “mais polido, mais fino, menos vaidoso”, diz o amigo Bernardo Flores, procurando confirmar que o futebol não reconheceu a Villas-Boas o carisma, a arrogância e a veia conflituosa do special one. Mas frisa que no banco, apesar da timidez, pode ser intempestivo, capaz do confronto verbal. Igualmente ousado, igualmente metódico. “E até mais sofisticado tecnicamente”, defendem alguns. “Ter sido adjunto de Mourinho foi fundamental. Devo-lhe muito, mas ele também me deve muito”, disse em 2010. Na tomada de posse como treinador do FC Porto rematou o assunto: “Clone de Mourinho, eu? Quanto muito sou clone de Bobby Robson - tenho ascendência inglesa, o nariz grande e gosto de vinho”. Mourinho só bebe água. O sangue britânico está no rosto sardento, no cabelo arruivado. “E no sentido de humor”. Ou na ausência dele. “Fica picado quando se fala do Benfica ou quando se faz um reparo ao seu visual”, conta Bernardo Flores. Fato e camisa azuis ou calças caqui e camisa branca poderiam sugerir os pergaminhos aristocráticos da família.

A 17 de outubro de 1977 nascia no Porto Luís André de Pina Cabral e Villas-Boas, bisneto por varonia do 1.º visconde de Guilhomil, título criado por D. Carlos I em 1890, informa a Wikipédia e confirma o brasão suspenso numa parede da residência paterna. Bernardo Flores e André conheceram-se no colégio do Rosário, “escola católica, inspirada no Espírito de Fé e Zelo das religiosas do Sagrado Coração de Maria”. Tinham, Bernardo e “Cenoura” - “ainda hoje registo o número de telefone dele sob esse nome” - apenas 12 anos.

Em 2010, com Pinto da Costa, na apresentação como técnico portista. (RICARDO JUNIOR/GLOBAL IMAGENS)

“Lembro-me de um rapaz introvertido, com muita vergonha, porém…”. Ri. “O André parece que não parte um prato, mas parte a louça toda”. Um dos “disparates” preferidos destinava-se a prolongar os intervalos entre as aulas, desligando as campainhas que ‘chamavam’ para o período seguinte. Alunos sofríveis, sobretudo a matemática, a amizade crescia em passeios de bicicleta no Porto ou numa quinta da família de André, em Guimarães. E em gostos comuns. “Podemos mesmo falar de paixão por carros, motas, motores, velocidade”. Incutida pelo pai de André, engenheiro e industrial, em cuja fábrica trabalharam os dois adolescentes - “no verão, como castigo pelas fracas notas”.

Aos 16 anos, desiludido pela fraca utilização de Domingos Paciência na equipa portista, Villas-Boas escreve uma carta ao treinador de então do FC Porto, Bobby Robson, de quem era vizinho, a explicar como e porquê deveria recorrer mais vezes ao avançado português (a quem viria a ganhar a Liga Europa, em 2011, era então Domingos o treinador do Sp. Braga). A ousadia rendeu-lhe um convite para trabalhar no clube a criar estatísticas para o britânico.

Terminado o 12.º ano, o curso de Letras e a vontade de ser jornalista ficaram esquecidos. Nos anos 90, para o adolescente contavam os carros e as motas, da Fórmula 1 ao todo-o-terreno, de tal forma que se tornaria, mais tarde, num colecionador de carros de exceção, do Ferrari do poster que exibia na parede do quarto desde miúdo a um Lamborghini Miura. E o futebol, modalidade de que foi praticante “raçudo, voluntarioso, valente”, porém “tecnicamente fraquinho”.

Por influência de Robson e de Mourinho, adjunto do inglês à época, foi para Lilleshall, em Inglaterra, fazer o curso de treinador. Começava aí a história. “Há um lado de sorte. Mas ele conquistou a sorte”, diz Gonçalo Magalhães, convencido de que a presidência do FC Porto não fugirá ao amigo ambicioso. Mas, e se perder? “Quando vai ao chão, refugia-se na família. Não iria ser fácil. Mas aposto que voltaria à carga. Perante a adversidade, não desiste”.

Em novembro de 2023, no contexto de uma polémica assembleia geral do FC Porto, a residência de Villas-Boas foi alvo de vandalismo e um colaborador seu foi atacado. No Instagram, o agora candidato denunciou as intimidações. A mulher e os três filhos, duas raparigas e um rapaz, não estavam em casa. “Até podem mandar a casa abaixo. Nada demoverá o André”, diz o amigo mais antigo.