Governo e media
08 outubro 2024 às 23h14
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Montenegro defende “valorização” dos jornalistas mas dá entrevista à ex-jornalista Avillez

No dia em que falou da necessidade de valorizar a profissão de jornalista, PM deu uma entrevista, num espaço de informação, a Maria João Avillez, que não possui carteira profissional desde 2008. O desempenho de funções de jornalista sem título habilitante é crime, como lembra a presidente da Comissão da Carteira.

“O primeiro-ministro diz de manhã que os jornalistas fazem perguntas encomendadas, e à noite dá uma entrevista que as pessoas pensam que é feita por uma jornalista que viemos a saber que não tem carteira profissional de jornalista.”

É com esta frase e notória perplexidade que Luis Filipe Simões, o presidente do Sindicato dos Jornalistas, reage ao saber pelo DN que Maria João Avilez, que esta terça-feira entrevistou o primeiro-ministro, Luís Montenegro, no Jornal da Noite da SIC (com o oráculo a identificá-la como "jornalista"), não possui carteira de jornalista há 16 anos.

“Estamos a falar, e é importante que isso se diga, de um espaço informativo, não de uma entrevista num espaço que não é de informação; é num telejornal, que as pessoas identificam, e muito bem, com um espaço reservado a jornalistas. São os jornalistas que lá devem estar, nas entrevistas, não alguém que não tem uma carteira profissional”, lembra o sindicalista. “Parece-me completamente evitável que na SIC, que tem excelentes jornalistas, esta entrevista seja feita por uma não jornalista. Não é normal e é sobretudo evitável.”

Luís Filipe Simões chama ainda a atenção para a questão legal: “Os atos jornalísticos têm de ser feitos por jornalistas. Existe a figura da usurpação de funções”.

Também a presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), Licínia Girão - que, questionada pelo DN, confirmou que Avillez não possui o título desde 2008 -, exprimiu o seu espanto, vincando que, de acordo com a lei do Estatuto de Jornalista, “é condição do exercício da profissão a habilitação com a respetiva carteira, sendo a violação desta norma uma contraordenação, podendo também configurar um crime de usurpação de funções (artigo 358º do Código Penal). Sempre que a CCPJ identifica um caso desta natureza tem o dever de desencadear os procedimentos necessários para analisar a situação."

Já Ricardo Costa, diretor de informação da SIC, espanta-se no sentido inverso: “Não percebo a questão, nem eu nem ninguém.” E prossegue: “Para enquadramento, só no site da CNN, onde esteve entre 2021 e 2023, vejo entrevistas da Maria João Avilez feitas a Horta Osório, ao papa, a Pedro Adão e Silva, a Montenegro, a Rui Moreira, a Carlos Costa e a Isabel Soares. Ela faz isto desde 1974/75.”

O facto de a lei portuguesa impor que para exercer funções de jornalista se possua um título habilitante, e de a entrevista ao primeiro-ministro ter sido integrada no telejornal da SIC, não tendo a estação esclarecido que foi conduzida por alguém que não é jornalista, não mereceu comentários do responsável pela informação da SIC. 

O DN também quis ouvir o Conselho de Redação da SIC, que assegurou estar atento à questão mas não poder pronunciar-se publicamente “antes de discutir o assunto com a profundidade necessária e com os devidos interlocutores, nomeadamente a direção de informação”.

Numa entrevista em 2007 ao Jornal de Negócios, Maria João Avilez referiu-se à carteira profissional de jornalista, por a CCPJ lhe ter ordenado que entregasse o título por considerar que tinha feito publicidade para o Banco Privado (a lei determina que a publicidade e o exercício do jornalismo são mutuamente incompatíveis) como “a merda da carteira”: “Não teve importância nenhuma. Foi mais uma manifestação exuberante de invejazinha. (…) Eu sei o que são reveses e não os confundo com uma merda de uma carteira.” Na mesma entrevista, a ex-jornalista garantiu: “Voto no PSD. Quase sempre, nem sempre.”