Presidenciais
27 julho 2024 às 23h50
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Oposição lidera sondagens na Venezuela, mas será que a votação vai ser livre e justa?

Há 11 anos no poder, Maduro tenta reeleição e avisou para “banho de sangue” se perder. Edmundo González, o seu principal adversário, acredita que mesmo com “truques” do regime a vitória não lhe vai escapar.

A oposição venezuelana, unida em torno da candidatura do ex-diplomata Edmundo González, chega às presidenciais deste domingo com a esperança de pôr fim a 25 anos de “revolução bolivariana” - primeiro com Hugo Chávez e desde que ele morreu, há 11 anos, com Nicolás Maduro. A oposição surge à frente das sondagens, mas a dúvida é saber se as eleições vão ser livres e justas - em 2018, cerca de 50 países recusaram reconhecer a reeleição do presidente por considerarem que a votação tinha sido uma farsa. Maduro pediu aos eleitores para “pensarem bem” no seu voto e alertou para um “banho de sangue” se perder, o que para muitos foi visto como uma ameaça.

“Pensem bem, pela vossa família, os vossos empreendimentos, o vosso comércio, a vossa empresa, o vosso trabalho, quem dos 10 candidatos garante a paz e a estabilidade da Venezuela”, afirmou o presidente no comício de final de campanha, em Caracas. “Estou preparado para uma grande vitória e sei que o nosso povo vai voltar a dá-la. Não puderam connosco e não poderão nunca, e no domingo vamos demonstrá-lo aos fascistas, ao imperialismo”, referiu.

Para Maduro, estas eleições vão decidir se na Venezuela “haverá pátria” ou se o país se vai converter numa nova “colónia”. Vão decidir se “haverá paz” ou se “vai acabar a tranquilidade”, com o presidente a colocar-se como garante da estabilidade diante dos 21 milhões de eleitores. Para o vice-presidente do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), Diosdado Cabello, é claro que a oposição “nunca” irá governar o país. “Isso nunca irá acontecer. Tenham a certeza de que é assim”, disse aos jornalistas.

Nos últimos 11 anos, Maduro tem procurado manter o legado de Chávez - a eleição decorre no dia em que o falecido presidente faria 70 anos. Mas com o ex-chefe da diplomacia e antigo vice-presidente no poder a Venezuela mergulhou numa crise económica e social, de hiperinflação e escassez de alimentos, medicamentos e outros produtos básicos, levando 7,7 milhões de venezuelanos (22% dos 34 milhões de habitantes) a sair do país. E muitos mais admitem seguir o mesmo caminho caso Maduro seja reeleito este domingo.

Apesar de ter as maiores reservas de petróleo do mundo (estimadas em 300 mil milhões de barris), as sanções norte-americanas ao setor, aprovadas para pressionar o regime, fizeram cair a produção (de um pico de 3,5 milhões de barris diários chegou a estar só nos 400 mil barris). Sendo o petróleo a base da economia venezuelana durante os governos de Chávez (quando o “ouro negro” estava em alta nos mercados), Maduro culpou o “imperialismo” pela crise. Mas esta já vinha de antes das sanções - tinha começado mesmo ainda quando El Comandante estava no poder.

As sanções não tiveram quaisquer efeitos no Executivo, que prosseguiu ao longo dos anos o desmantelamento das instituições democráticas - assumindo o controlo da Assembleia Nacional, da Comissão Nacional Eleitoral, do Poder Judiciário e a liderança militar - e a repressão. A Venezuela está a ser investigada pelo Tribunal Penal Internacional por crimes contra a humanidade nos protestos de 2017.

A hora da oposição?

As eleições deste domingo representam o maior desafio para o PSUV, no poder desde 1999. As sondagens, cuja credibilidade é questionada por um ou outro lado, consoante as previsões de resultados, colocam a Plataforma Unitária Democrática (PUD), de González, com cerca de 60% das intenções de voto. Maduro não vai além dos 30 pontos nas estimativas mais positivas. Outros oito candidatos, que também estão no boletim de voto, têm percentagens residuais.

Depois de ter boicotado as eleições de 2018, a oposição procurou desta vez unir-se em torno de uma única candidatura. A vencedora das primárias da PUD foi a veterana María Corina Machado, mas a ex-deputada do Vamos Venezuela, de origem portuguesa, foi proibida de participar nas eleições após uma condenação por alegada fraude. Impedida de se inscrever oficialmente na corrida, optou por apoiar o ex-embaixador, de 74 anos, que tinha conseguido passar as barreiras do governo e já tinha lugar no boletim de voto. Apesar de o candidato ser González, Corina Machado foi a grande movimentadora de multidões durante a campanha.

A oposição comprometeu-se a trabalhar para a “democratização” da Venezuela, com González e Corina Machado, além de todos os partidos que fazem parte da PUD, a assinarem o documento denominado O Espírito do 28 de Julho. Este diz que o “triunfo” nas eleições deste domingo “abrirá as portas a um período de democratização que exigirá virtudes pessoais e cívicas”, pelo que vão procurar “forjar um clima anímico, político e social que o facilite e que contribua para o bem comum”.

A oposição manifestou o seu compromisso com a “recuperação” da liberdade de expressão, de pensamento, de movimento, de investir e de “viver sem o medo da perseguição”, assim como a promoção de uma “unidade firme e duradoura que representa fielmente os desejos de democracia e prosperidade” e de “uma dinâmica política de acordos que fortaleçam” a democracia.

“Depois de este longo período de destruição, é preciso que todos os cidadãos entendam que a tarefa é hoje, aqui e agora, que há que trabalhar arduamente e colocarmo-nos ao serviço da construção do país que merecemos. Não é para um futuro distante e impreciso, é para agora”, acrescentaram no documento.

Na cerimónia de assinatura do texto, Corina Machado disse aos jornalistas que “nunca o regime esteve tão débil como está agora”, confiante de que o presidente saberá que “é do seu próprio interesse facilitar um processo de transição ordenada”. O presidente brasileiro, Lula da Silva, mostrou-se preocupado com o aviso de “banho de sangue”, alegando que “Maduro tem de perceber que se ganhas, ficas, se perdes, sais”.

 Já González mostrou-se convencido de que vai ganhar e de que será o próximo presidente. “Todas as pesquisas de opinião que conhecemos dão-nos uma vitória cómoda e ampla. Nem que façam alguns truques vão conseguir colmatar a lacuna que existe entre a nossa candidatura e a candidatura oficial. Não é possível que nos tirem este triunfo”, defendeu.

EPA/HEN

Nicolás Maduro
O herdeiro de Hugo Chávez

Ex-chefe da diplomacia e vice-presidente de Hugo Chávez, Nicolás Maduro assumiu a presidência da Venezuela após a morte de “El Comandante” em março de 2013. Tinha sido nomeado por ele como seu sucessor, numa altura em que Chávez já estava doente. Concorre a um terceiro mandato, depois de ter sido eleito em abril de 2013 e reeleito em 2018, em eleições consideradas não democráticas por mais de 50 países e boicotadas pela oposição, alvo de repressão. O ex-motorista de autocarros e dirigente sindical, de 61 anos, é casado com a “primeira combatente” Cilia Flores.

Edmundo González
O ex-diplomata desconhecido

María Corina Machado (também na foto) venceu as primárias da oposição, mas foi impedida de concorrer às eleições por alegada fraude. A oposição da Plataforma Unitária Democrática acabou por unir-se em torno da candidatura do antigo diplomata Edmundo González, de 74 anos, que era praticamente desconhecido e conseguiu passar no crivo das autoridades eleitorais. Foi embaixador na Argélia e na Argentina (neste último país já durante a presidência de Hugo Chávez) e defende uma “transição democrática pacífica”. É casado, tem dois filhos e quatro netos. 

EPA

susana.f.salvador@dn.pt