E lembra um estudo que coordenou para quantificar os verdadeiros impactos de um aeroporto no Montijo com aviões a sobrevoar a área protegida.
"Esses estudos revelam que os impactos são muito maiores do que aqueles que tinham sido detetados", dando argumentos ao ICNF para a decisão que agora tomou, diz, explicando que ao contrário do que sugeria o EIA a população de maçarico-de-bico-direito não seria afetada entre 0,5 a 5% mas sim em pelo menos 68%.
"Ter um aeroporto em que as aeronaves iriam sobrevoar uma área protegida é algo de contrassenso".
E com um aeroporto no Montijo, segundo o proposto, "as aeronaves iriam sobrevoar a área protegida" mal saíssem da pista, a uma altitude de 200 metros, produzindo níveis de ruído que iriam afetar as aves.
José Alves, binóculos ao peito, mostra à Lusa na zona da Ponta D´Erva os bandos de maçaricos, mas não é só deles que fala quando explica a avifauna do estuário. Como a dar-lhe razão milhares de patos (pato-trombeteiro, Spatula clypeata) levantam voo, assustados por um carro, e pousam num campo mais longe. Em abril também eles levantarão voo para outros campos, na Rússia.
E um aeroporto em Alcochete? "Há de ter outros problemas", considera.
Mas a localização Montijo, garante, "é muito má".
Em 2020 milhares de neerlandeses juntaram-se para a contestar (assinando numa petição). Mais uma vez em causa o maçarico-de-bico-direito, a ave nacional dos Países Baixos. Eram 200 mil no passado e hoje são 66 mil exemplares.
Apesar do decréscimo, a ave tem um estatuto apenas de "quase ameaçada", mas José Alves acredita que se a tendência de declínio se mantiver poderá passar para o estatuto de ameaçada.
A Reserva Natural do Estuário do Tejo abrange mais de 14 mil hectares e engloba lezíria, esteiros, mouchões sapais ou salinas. O próprio ICNF reconhece que a sua grande importância se relaciona com a avifauna, incluindo o maçarico, também chamado milherango.
José Alves sobe várias vezes a uma espécie de torres de observação, na verdade comportas para regular a água nos campos de arroz. É neles que os maçaricos descansam agora, onde comem o arroz que sobrou das colheitas para aguentarem o regresso a casa.
Há bandos ao longe, aponta. Mas também outras aves, conhece-as de cor, ali uma água pesqueira (Pandion haliaetus), acolá um abibe (Vanellus vanellus), mais ao longe um pequeno grupo de íbis (plegadis falcinellus).
"De um modo geral estas espécies de aves aquáticas, e particularmente aves limícolas (das zonas húmidas), estão em declínio", pela perda de habitats, pela pressão urbana sobre as zonas húmidas.
É por elas mas também pelos habitats, que foram considerados importantes e designada zona protegida, que o estuário não pode ter um aeroporto, justifica o biólogo.
"Se nas zonas protegidas podemos construir aeroportos, que vão ter efeitos negativos nessas zonas, então fora delas podemos fazer tudo o que quisermos. Eu sou da parte da população portuguesa que acha que é importante preservar a biodiversidade".
E o estuário do Tejo, alvo de todas as proteções, diz o responsável que o é também de todas as pressões, da urbanística à recreativa ou à utilização dos recursos.
Na zona dos arrozais, que começa a ser trabalhada a partir de março, quando as aves já foram embora, não se nota a pressão, não fosse uma avioneta passar algumas vezes, voos de treino do aeródromo ali ao lado. Não perturbam as aves? Claro que perturbam, responde.
Sem o avião ouve-se o bater metálico de um antigo moinho de vento para tirar água, ouvem-se as aves, veem-se ao longe as torres de uma cimenteira junto a Vila Franca de Xira, as nuvens a parecerem fumo que sai das chaminés.
Num dos campos de arroz descansam 15 mil maçaricos-de-bico-direito. A presença humana, excecionalmente, não parece incomodá-los.
A ave é desde este mês objeto de um programa de conservação que envolve Portugal, Países Baixos, Alemanha e Gâmbia, no valor de 15 milhões de euros, a sete anos, o "LIFE Godwit Flyway".
Em Portugal o apoio vai servir para recuperar habitats e sistemas hídricos e para gerir os arrozais.
Tudo isso e o chumbo de um aeroporto por causa de um passarinho? José Alves sorri. "Mais do que um passarinho é uma bandeira, é uma declaração de Portugal a dizer que dá valor à biodiversidade".
Texto de Fernando Peixeiro, jornalista da agência Lusa