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Política
19 setembro 2024 às 00h01
Leitura: 8 min

SIRESP entra na fase crítica dos fogos sem liderança há quatro meses

Polémico sistema de comunicação de emergência entrou na fase crítica de incêndios a ser liderado por vogais da direção. Mas sucessor de Paulo Viegas Nunes não será nomeado para já. Os incêndios no norte e centro já fizeram cinco mortos e quase 150 feridos.

Foi no final de março que o brigadeiro general Paulo Viegas Nunes deixou a presidência da SIRESP, S.A., a empresa que gere a rede de comunicações de emergência do Estado. Mas desde então o seu sucessor ainda não foi anunciado e o cargo de gestão da rede está a ser partilhado por vogais civis, sem experiência na matéria.

Apesar desta situação e da entrada no período crítico de incêndios, a nomeação do presidente da empresa, que é responsabilidade dos ministérios da Defesa e da Administração Interna, ainda não aconteceu. Tudo porque, ao que o DN apurou, o Governo aguarda os resultados de uma auditoria pedida ainda pelo anterior Executivo à Inspeção-Geral de Finanças (IGF) à anterior gestão da empresa. Só depois de conhecido o desfecho dessa análise (que se foca, entre outros, nas contas da SIRESP, S.A.) é que o Governo nomeará o sucessor de Paulo Viegas Nunes -- que, entretanto, regressou a funções militares e tomou posse como chefe de gabinete do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas.

Ainda assim, a rede de comunicações de emergência do Estado tem sido utilizada durante os incêndios que continuam a assolar o país desde domingo. E, apesar de fonte no terreno ter apontado ao DN que esteve sem SIRESP “durante 30 horas”, quer a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), quer o Ministério da Administração Interna (MAI) negaram falhas no sistema “nos diferentes teatros de operações”, apesar do “número elevado de solicitações”.

Fonte do MAI adiantou ainda ao DN que o vazio no cargo de presidente “não afeta” a operacionalidade, porque a empresa “tem um conselho de administração em funções”.

Rede tem histórico de falhas em alturas críticas

Não obstante o desmentido destas alegadas falhas recentes, o Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP) tem um histórico de problemas.

Em junho de 2017, por exemplo, durante os incêndios de Pedrógão Grande (que provocaram 66 mortos e mais de 250 feridos) as chamas destruíram as antenas de comunicações e o SIRESP foi imediatamente abaixo. Isto significou que bombeiros e outras autoridades deixaram de conseguir comunicar entre si. O problema resolveu-se depois de uma operadora de telecomunicações ter colocado no terreno carros equipados com antenas móveis.

Outro caso, em 2013, resultou na morte de dois bombeiros em Carregal do Sal. “Se o sistema funcionasse, os gritos de um dos intervenientes para tentar alertar aquela equipa não seriam gritos, seriam comunicações via rádio. E os meios aéreos também não tinham contacto, não tinham forma de alertar aquela equipa”, explicou o presidente da Associação de Proteção Civil, João Paulo Saraiva. O caso foi conhecido após uma reportagem da TVI, transmitida em janeiro de 2014, onde se denunciavam falhas na rede SIRESP.

O próprio João Paulo Saraiva afirmou, em reação aos incêndios de Leiria (2022), que a rede “falha todos os dias” e não apenas em situações pontuais. Também aí o Governo negava a existência de problemas na rede. Nessa altura, a secretária de Estado da Proteção Civil, Patrícia Gaspar, dizia não ter havido falhas. “Foi, digamos, um teatro de operações de grande complexidade, com muitos operacionais, estamos a falar de centenas de operacionais, em que houve, em determinados momentos, uma má utilização dos equipamentos de rádio”, explicava a então governante.

Meios espanhóis reforçados no combate ao fogo

Com a Região Norte e Centro do país a serem fustigadas pelos incêndios desde a madrugada de domingo, o dia de quinta-feira ainda se prevê “de elevada complexidade”,  segundo o comandante nacional da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC).

No último ponto de situação que fez, pelas 20.00 horas desta quarta-feira, o responsável anunciou ainda que, perante as dificuldades que se adivinham, haverá um “reforço operacional” dos meios espanhóis que já se encontram em Portugal no combate às chamas.

Recusando para já fazer um balanço da área ardida (que o observatório europeu Copernicus já aponta para mais de 106 mil hectares nos últimos dias), André Fernandes anunciou ainda que, até então, os incêndios tinham vitimado 150 pessoas, entre cinco mortes e 145 feridos. Houve ainda outros dois óbitos - de uma idosa, em casa, e de um homem na via pública -- que, explicou, não são contabilizados por serem vítimas indiretas dos fogos.

Ainda esta quarta-feira, o presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, António Nunes, pediu a demissão dos responsáveis pela coordenação técnica operacional, após a morte de três bombeiros. Segundo o dirigente (que falava no funeral dos operacionais), o sistema de coordenação falhou.

Os incêndios em números

Mais 100 mil hectares ardidos desde domingo
Em apenas quatro dias, desde domingo, a área ardida em Portugal Continental ultrapassava, ao início da tarde de quarta-feira, os 106 mil hectares, segundo o sistema europeu Copernicus. O cenário infernal destes dias fez com que a área ardida no total do ano tenha chegado já aos 139 mil hectares, fazendo de 2024 o terceiro pior ano dos últimos dez no que respeita a incêndios, apenas atrás de 2016 e 2017.

Cinco mortes e quase 150 feridos
A Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) contabiliza cinco mortos provocados pelos incêndios do norte e centro do país desde segunda-feira, realçando ainda a existência de 145 feridos, dos quais 12em estado grave. Houve outros dois óbitos em zonas de incêndios, mas por “doença súbita”, não sendo contabilizados como vítimas diretas dos incêndios, segundo o comandante da Proteção Civil, André Fernandes.

Três regiões concentram 71% da área queimada
As zonas mais afetadas pelas chamas localizam-se nas regiões de Aveiro, Tâmega e Sousa e Viseu-Dão-Lafões, que totalizavam ao início da tarde de quarta-feira 75 645 hectares de área ardida, 71% da área queimada em todo o território nacional desde domingo. A partir desta quinta-feira e sobretudo na sexta, segundo o IPMA, chegam pingos de esperança no combate aos fogos, com previsão de aguaceiros.

Há 74 incendiários presos
Setenta e quatro pessoas estão atualmente presas por crimes de incêndios florestais, informou a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, em resposta à Agência Lusa. Existem no Sistema Prisional 58 reclusos condenados e 16 outros preventivos a aguardar julgamento. A Polícia Judiciária disse na segunda-feira que já deteve pelo menos 29 pessoas por suspeitas de incêndio florestal em 2024.

Com Valentina Marcelino