Segurança
23 julho 2024 às 10h00
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Criminalidade em Lisboa. “As pessoas acabam por achar que não vale a pena queixarem-se”

Na zona da Mouraria repetem-se os assaltos, os consumos de droga a céu aberto, agressões, uma tentativa de violação e um homicídio. O presidente da junta pede ajuda à CML, à PSP e ao governo.

"Por que é que há vendedores ambulantes, no Martim Moniz, em pleno dia, a vender charros e ninguém faz nada?” A questão foi colocada por um dos muitos trabalhadores daquela zona da Baixa, Paulo Nuno Silva, que partilha preocupações com outros funcionários e moradores, durante uma sessão pública, promovida no hotel Mundial, pela junta de freguesia de Santa Maria Maior (JFSMM), sob o mote Estado de Alerta - Insegurança em Santa Maria Maior. O DN teve acesso a alguns dos depoimentos prestados nessa sessão.

“Vivo na Mouraria há 24 anos. Neste último ano, o sítio onde moro já foi alvo de assaltos por duas vezes. Eu e os meus vizinhos reforçámos a segurança em nossas casas, pusemos alarme e reforçámos a entrada do prédio”, conta Maria João Correia.

“Quando os assaltos aconteceram, de imediato, quando demos por isso, contactei as autoridades. O que me dizem é que nada pode ser feito, porque o assalto já tinha ocorrido, não conseguem ter provas”, lamenta esta moradora, que tem uma filha pequena e acrescenta: “Neste último ano, a insegurança é insustentável. A minha filha fica assustada com situações de violência que acontecem na rua”.

Segundo os relatos dos moradores, a situação parece estar a atingir proporções nunca vistas, apesar de a PSP, num comunicado emitido no último domingo, garantir que em Santa Maria Maior “tanto a criminalidade geral como a criminalidade violenta e grave diminuíram, comparando com o período homólogo do ano transato”. Ainda assim, uma mulher foi assassinada, no dia 31 de maio, na Rua do Benformoso.

Carlos Manuel tem 84 anos e já foi agredido no beco onde mora, desde sempre, “por um indivíduo que estava a urinar por baixo da minha janela. Fui ter com ele, agrediu-me”. Mas há mais: “Também já houve uma tentativa de violação de uma turista lá no beco, assaltos, a casas e não só, e [o tráfico de] droga é um corrupio. Até chegaram a levar um colchão para se prostituírem lá no beco”, dá conta o octogenário. 

Ana Monteiro, 68 anos, já foi vítima de uma tentativa de assalto em plena luz do dia. “Vivo há 49 anos perto do hospital de São José e nunca vi a minha cidade como está agora. Tive uma tentativa de assalto às cinco da tarde, na praça da Figueira”.

Eunice Garcia, moradora no Beco de São Marçal, recorda os tempos em que o beco “era sossegado”. “Agora, para sair de casa tenho os drogados à porta. Há uma semana estava a tentar ligar para a polícia partiram-me o telemóvel. Sou assaltada duas a três vezes por semana. Ainda há 15 dias fiquei sem nada!”.

Atento à situação está Miguel Coelho, presidente da JFSMM. Apesar de não contestar as estatísticas da PSP, tem uma explicação para elas. “As pessoas já não fazem tantas queixas. Ainda há dias estive com uma senhora que quis fazer queixa e ligou para o112. Levou, logo ali, um raspanete que não era ao 112 que devia ligar, que era para a divisão. Da divisão dizem que é na esquadra, e nisto as pessoas acabam por achar que não vale a pena queixarem-se”, alerta o autarca.

E, de facto, em 2022 houve um inquérito à população da cidade,  a pedido da câmara municipal (CML), que concluiu que apenas 40% das pessoas que foram vítimas de crimes em Lisboa (pessoais, a viaturas e residências) participaram à polícia. 

Perante os relatos de insegurança, Miguel Coelho propôs, à CML, por exemplo, uma rede de videovigilância. O autarca relata, ainda, que a JFSMM pede “apoio à PSP e ao governo e  já ofereceu instalações para a polícia voltar para esta zona e anda há uma data de anos a tentar oferecer um carro para patrulhamento”, não tendo tido até agora “qualquer feedback”.


Com Valentina Marcelino