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Dinheiro
06 novembro 2024 às 00h33
Leitura: 8 min

Portugueses estão a poupar mais para a reforma e aplicações nos PPR disparam 60%

Famílias colocaram 1148 milhões de euros em Planos Poupança Reforma (PPR) até setembro, mais 400 milhões de euros do que há um ano. Por dia entraram 4,2 milhões de euros em novas aplicações. Já os resgates caíram 26% nos primeiros nove meses.

Depois da corrida aos resgates dos Planos Poupança Reforma (PPR) no último ano, motivada pelo regime excecional que permite o reembolso sem penalizações para fazer face aos custos com o crédito à habitação, as famílias voltaram a engordar as poupanças destes instrumentos financeiros nos últimos meses.

Entre janeiro e setembro, o valor da produção dos seguros PPR totalizou 1148 milhões de euros, uma subida de 60% face ao período homólogo, de acordo com os dados da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) cedidos ao DN. Contas feitas, foram alocados mais 433 milhões de euros nestes produtos de poupança de longo prazo quando comparado com os primeiros nove meses de 2023. Ou seja, por dia entraram 4,2 milhões de euros em novas aplicações.

Para o economista da Deco Proteste, António Ribeiro, é claro que se verifica um cenário de regresso à poupança de longo prazo destinada à reforma. “Por um lado, a situação da crise da inflação está a estabilizar e, por outro, há uma maior consciência da importância desse mealheiro de longo prazo destinado à reforma”, aponta.

O especialista recorda que a criação, no final de 2022, de três medidas excecionais de resgate dos PPR, que vigoram até ao final deste ano, motivou a retirada de dinheiro dos PPR, gerando uma perda de interesse na poupança de longo prazo.

“As famílias que estavam em maior aperto financeiro procederam ao resgate, logo em 2023, e poderão até ter ficado sem essas reservas. Naturalmente, este ano, além de uma consciencialização maior de que estariam a eliminar estas reservas, terá havido maior ponderação na decisão de resgatar ou não. Além disso, o problema que gerou essas dificuldades financeiras, a elevada inflação, foi sendo controlado ao longo deste ano”, justifica.

Resgates caem 26%

Se, por um lado, o investimento nos PPR está a acelerar este ano, os resgates seguem uma trajetória de abrandamento. Os dados da ASF indicam ainda que nos três primeiros trimestres de 2024 as famílias portuguesas retiraram destes produtos cerca de 657 milhões de euros, o que representa uma quebra de 26% quando comparado com o acumulado de janeiro a setembro de 2023. Ainda assim, o resgate destas poupanças está 14% acima do mesmo período de 2022.

O arrefecimento desta tendência explica-se também pelas regras impostas aos reembolsos antecipados que, nas exceções relacionadas com o crédito à habitação, ditam que o resgate sem penalizações com o propósito de pagar prestações do empréstimo da casa à banca só se aplica a entregas feitas até ao final de 2022, enquanto que, para amortizar o crédito, a medida só é válida para entregas até 27 de junho de 2023.

“Por outro lado, os juros começaram a descer este ano e as perspetivas são de que continuem a aliviar nos próximos meses, o que acabou por dar alguma tranquilidade aos mutuários e aliviar a sensação de urgência, diminuindo, consequentemente, o recurso a estas medidas excecionais.”, acrescenta ainda Sérgio Cardoso, do Doutor Finanças.

O especialista considera que as medidas foram positivas por terem permitido às famílias reduzir os encargos imediatos e, nalguns casos, antecipar o fim dos contratos de crédito, mas alerta para o outro lado da moeda. “O risco é usar estas poupanças e não continuar a poupar. Isto porque todos os dados disponíveis nos mostram que, se não criarmos uma poupança a pensar no futuro, quando entrarmos na reforma vamos ter menos rendimento de um dia para o outro. Se queremos manter o nosso nível de vida e ter uma segunda vida ativa tranquila, precisamos de assegurar poupanças e não estarmos dependentes dos apoios estatais”, defende.

Já o economista da Deco Proteste alerta que foram muitas as famílias que ficaram sem o mealheiro de longo prazo para a reforma para fazer face ao aumento da inflação e, neste sentido, defende um aumento dos bene- fícios fiscais para tornar a poupança de longo prazo atrativa.

“Poderia voltar a ser criada uma dedução específica apenas com esse fim, em vez de estar em conjunto com despesas de Educação e de Saúde, como atualmente sucede”, indica, sustentando-se nas previsões da Comissão Europeia para as pensões de reforma em Portugal, que apontam para um corte superior a 60% face ao último salário, já para 2050.

“É cada vez mais importante que as gerações em idade ativa criem voluntariamente um complemento à pensão de reforma. E os PPR são um produto adequado”, adianta ainda.

Famílias estão a poupar mais

Os números corroboram o quadro de que as famílias estão a colocar mais dinheiro de lado. Os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) indicam que a taxa de poupança dos portugueses atingiu os 9,8% no 2.º trimestre do ano, um avanço de 0,6 pontos percentuais face ao trimestre anterior, à boleia de um aumento de 2,2% do rendimento disponível bruto.

O economista António Ribeiro elucida que o aumento dos salários e alguns apoios sociais estão a contribuir para o aumento do rendimento disponível das famílias e, consequentemente, da parcela destinada à poupança. Mas assume também que os portugueses “estão habituados a apertar o cinto nos momentos difíceis”.

“Em 2002, a taxa de poupança chegou a 13,9%, quando o país sofreu a primeira crise do euro, em 2009, na crise do Subprime, atingiu 11,6% e, mais recentemente, o período da pandemia de covid-19, em 2020, os níveis de poupança atingiram 13,8%”, recorda.

Apesar de olhar para os dados mais recentes com otimismo, alerta que a taxa de poupança dos portugueses está ainda abaixo da média da Zona Euro que, conforme indicam as últimas estatísticas do Eurostat, se fixou em 15,7% entre abril e junho. O problema, defende, está nas políticas salariais.

“Apesar das subidas, continuamos com uma economia baseada em baixos salários. Não é possível melhorar significativamente os níveis de poupança quando o rendimento das famílias mal chega para pagar as contas. Além disso, as justificações de que as pessoas gastam demasiado ou estão a viver acima das suas possibilidades já não é aceitável, especialmente quando assistimos à elevada subida dos preços em produtos básicos, bastante superiores aos do crescimento dos salários”, indica.

Tópicos: PPR, poupança, Inflação