Nomeação
03 julho 2024 às 07h15
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Sistema de Segurança Interna pode vir a ser “Agência”. Governo em contrarrelógio para escolher novo dirigente

Nas próximas duas semanas o secretário-geral do Sistema de Segurança Interna será substituído. O facto de o Governo não ter renovado a comissão de serviço do diretor nacional da PJ, que caducou no passado dia 19, está a alimentar a tese de que Luís Neves pode substituir o diplomata.

O Sistema de Segurança Interna (SSI) empoderou-se. Tem quase 200 funcionários, centraliza o mais completo sistema de informações para a cooperação policial internacional e tem um “mini-SEF”, a Unidade de Coordenação de Fronteiras e Estrangeiros (UCFE), que articula o trabalho das forças de segurança nestas matérias e centraliza toda a informação relativa às entradas e saídas em território nacional.

Apesar de não haver qualquer referência ao SSI no Programa do Governo, a possibilidade de este se transformar numa “Agência de Segurança Nacional” (ANS), com autonomia financeira, tem vindo a ser ponderada e o anterior Executivo já tinha ouvido argumentos em defesa desta nova configuração, os quais, sabe o DN, foram reforçados à nova tutela pelo próprio secretário-geral desta estrutura, algo que gostaria de deixar como legado.

O embaixador Paulo Vizeu Pinheiro, que assumiu o cargo em julho de 2021, completa neste mês os três anos da sua comissão de serviço e já entrou em contagem decrescente para a sua saída. Segundo o decreto de nomeação publicado em Diário da República, no dia 16 terá de se apresentar no novo posto como Representante Permanente de Portugal junto do Tratado do Atlântico Norte - DELNATO, em Bruxelas.

O diplomata tem apenas duas semanas para entregar as várias “pastas” que gere ao seu sucessor, mas ainda não é conhecida a decisão do primeiro-ministro, Luís Montenegro, que tutela diretamente o SSI, em relação a quem será o novo “superpolícia”.

Nos corredores da segurança interna têm corrido alguns nomes - o do atual presidente da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, Duarte da Costa, que escreveu no DN um artigo de opinião sobre o que pensa ser um conceito de segurança nacional; o do ex-diretor nacional da PSP, Luís Farinha, são alguns exemplos -  mas nada se confirmou até agora e o Governo começa a estar em modo de contrarrelógio para encontrar um “herdeiro”.

Ministra da Justiça mantém mistério

Várias fontes do setor consultadas pelo DN confirmaram que o anterior primeiro-ministro, António Costa, tinha manifestado inicialmente a sua preferência pelo diretor nacional da Polícia Judiciária (PJ), Luís Neves, uma personalidade que atrai apoio da maior parte dos outros dirigentes das forças de segurança, serviços de informações e outras entidades que configuram o SSI (ver organograma em baixo). 

O facto de o atual Governo não ter renovado a comissão de serviço a Luís Neves, a qual caducou no passado dia 19 de junho, está a alimentar a tese de que este histórico da PJ pode ser forçado a substituir Vizeu Pinheiro.

Confrontada pelo DN sobre o significado deste impasse, fonte governamental que acompanha o processo respondeu um lacónico “isso é pura especulação do Tal & Qual”, referindo-se a um artigo deste tabloide a conjeturar que o Governo queria “tramar” o diretor da PJ, obrigando a sair da direção daquele corpo superior de polícia de investigação criminal.

Numa recente entrevista ao Observador, a ministra da Justiça, Rita Júdice, também não dissolveu o mistério: “Ainda não terminámos essa análise. Eu e o Sr. primeiro-ministro temos andado um pouco desencontrados. Encontramo-nos em reuniões de Conselho de Ministros, que não é o sítio certo para esses balanços. Estamos em diálogo e em breve será tomada uma decisão”, respondeu quando questionada sobre a continuidade de Luís Neves ao comando da PJ.

Na verdade, a Judiciária vive um momento inédito, comparando com outros organismos públicos, em que com a consolidação de recursos e com o maior número de sempre de inspetores  (que só podem estar motivados e empenhados no seu trabalho, tendo em conta o aumento do seu Suplemento de Missão de 400 para 1026 euros), se esperam resultados sem precedentes no combate à criminalidade grave e complexa.

A PJ foi ainda a instituição a encontrar uma solução para um dos maiores problemas com a extinção do SEF,  o destino profissional dos inspetores da polícia de fronteiras, integrando estes nos seus quadros.

Caderno de encargos. Desafios

Quem quer que seja o escolhido (ou escolhida) para comandar o SSI / ASN ficará com um “caderno de encargos”  extenso e difícil, para cujo sucesso a dependência financeira da Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros não ajuda.

Um exemplo recente foi o processo de contratação de fornecimento de equipamentos para o novo sistema de controlo digital e biométrico de fronteiras - as designadas Smart Borders.

Conforme o DN tinha noticiado, com a extinção do Serviço de Estrangeiro e Fronteiras (SEF) o processo atrasou, Portugal perdeu o financiamento europeu e o anterior Governo, já em fim de ciclo, a 22 de fevereiro passado, aprovou uma resolução de Conselho de Ministros autorizando extraordinariamente despesa até ao máximo de 25 milhões de euros e processos expeditos de contratação.

Foi o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, que, em declarações ao DN, assinalou que, devido ao atraso nesse processo - os testes às “fronteiras inteligentes” teriam de ser feitos em julho / agosto para que o novo sistema esteja operacional em outubro próximo, como definido pela Comissão Europeia.

“Em 29 de abril passado”, explicou o SSI em comunicado, “num ponto de situação apresentado ao ministro da Presidência atinente à contratação pública necessária para o efeito (note-se que o SSI ainda está dependente administrativa e financeiramente da Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros) alertou para a necessidade de Portugal cumprir as metas temporais de entrada em funcionamento do novo sistema e acervo Schengen das Smart Borders (compostas pela sucessão SES-ETIAS) sob pena de correr o risco de ser suspenso de Schengen”.

Apesar de alguma morosidade na efetivação dos contratos por parte da PCM, de acordo com o SSI “o pior cenário” já não está “em cima da mesa porque precisamente o SSI e o Governo” conseguiram “recuperar os atrasos verificados e cumprir o calendário estabelecido”.

Um incumprimento dos “novos regulamentos, do novo acervo Schengen, colocaria Portugal numa potencial situação de suspensão do direito da livre circulação de pessoas, obrigando à reposição de controlos internos, e impondo a necessidade dos demais Estados-membros que aplicam as regras e procedimentos das Smart Borders a proceder ao controlo de pessoas que circulariam de e para Portugal (art. 29.º do Código de Fronteiras Schengen)”, sublinhou o SSI.

Nas fronteiras, o novo secretário-geral terá também de garantir que nada vai falhar quando, em outubro, um ano depois de entrar em vigor o novo sistema, 50% do efetivo dos ex-inspetores do SEF, atualmente da PJ, que ainda estão nos controlos fronteiriços aéreos e marítimos der lugar à PSP e à GNR (em outubro de 2025 será a totalidade).

Existe, neste momento, alguma preocupação com a capacidade e formação destas forças de segurança para assumirem todas as linhas de controlo, da verificação de passaportes às inquirições de estrangeiros suspeitos.

O DN sabe que nos aeroportos, ainda há uma grande dependências da PJ, enquanto nos portos e terminais de cruzeiros a GNR tem descartado a especialização dos antigos profissionais do SEF.

Todo este novo sistema de controlo de fronteiras tem estado a ser  inspecionado por peritos da Comissão Europeia na “Avaliação Schengen”. Com um orçamento de um milhão de euros, o anterior Governo criou uma inédita Task Force especial para preparar e acompanhar a visita da equipa, mas a avaliação, iniciada no início de 2023 coincidiu com o processo de extinção do SEF e, por acordo de ambas as partes, acabou por ser adiada.

Demonstrar agora que o atual modelo de controlo de fronteiras, com as competências do SEF, dispersas por várias entidades, cumpre todas as exigências europeias é essencial para passar neste exame.

A UCFE, também começou a ultrapassar as dificuldades iniciais, principalmente a garantia de articulação na troca de informações com as forças de segurança nas fronteiras e com a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA).

Desde há cerca de um mês passou a ser chefiada por um oficial da PSP, o superintendente Pedro Moura (antigo chefe de Gabinete do diretor nacional da PSP), mas ainda há muito para consolidar nesta Unidade que conta com cerca de 50 funcionários, grande parte ainda do ex-SEF.

Pelo menos, em uma das matérias previstas nesta inspeção, a nota será, certamente, positiva: o Ponto Único de Contacto - Cooperação Policial Internacional que centraliza os diversos sistemas de informação policial, incluindo os Gabinetes da Europol e da Interpol (ver esquema abaixo).

Depois de um arranque polémico, por causa da transferência destes dois Gabinetes da PJ para o SSI, estando em causa matéria de investigação criminal a ficam sob uma tutela administrativa governamental, foi a diplomacia de Vizeu Pinheiro e de Luís Neves a salvar a face do país em relação ao PUC-CPI: ficou definido que seriam sempre chefiados por um inspetor da PJ. O que se concretizou.

O novo secretário-geral vai entrar em funções em pleno “verão IATA”, o período em que os aeroportos têm maior fluxo de passageiros.

Com problemas nos sistemas informáticos no controlo da segurança das fronteiras no aeroporto que têm sido reportados, e com a realização dos testes para as “smart borders”, será um desafio para o futuro dirigente deste cargo que exige low-profile, conhecimento das matérias, empatia e respeito dos e pelos parceiros das outras forças.