Estreia da semana
19 setembro 2024 às 00h07
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'As Três Filhas' - O quarto do pai

Três filhas cuidam de um pai à hora da morte. 'As Três Filhas', de Azazel Jacobs, é um bom filme de atrizes e a última palavra na matéria dos melodramas de famílias disfuncionais. Estreia-se amanhã na Netflix.

Dentro do nicho dos filmes sobre famílias disfuncionais e com rivalidade fraternal parece ter havido um impasse. O cinema americano costuma fazer desses pequenos dramas uma coleção de desfiles de personagens neuróticas, com muitos berros, lágrimas, reconciliações e tudo o resto que o catálogo carrega. Pois bem, neste filme Azazel Jacobs não retira os berros, as lágrimas e as reconciliações, mas sabe ser honesto em não querer  ser “inovador” ou surpreendente. Aliás, o twist  da história é não ter twist: His Three Daughters  é o que mostra logo - um drama de família que é uma sessão de terapia de neurose pura e dura.

As irmãs do título estão reunidas no apartamento de Nova Iorque de seu pai, um idoso viúvo acamado e à espera da morte no quarto ao fundo. As três obviamente não se dão bem, cada uma a lidar com a sua crise psicológica.
Katie, a mais velha é a controladora, é ela quem está a cuidar de todos os detalhes da morte que aí vem, em especial de detalhes sobre o funeral e a forma como os cuidados paliativos são efetuados. Depois, no meio, Rachel, a filha não-biológica, alguém que parece viciada em erva e em apostas desportivas, mas é a única que dá apoio real ao pai em casa. Por fim, Christina, a que vive mais longe, a conciliadora, mas que demonstra estar sempre à beira de um ataque de nervos.

Nestes dias antes da inevitável hora da partida vão tentando gerir as suas diferenças, mas, ao mesmo tempo, celebrar as memórias de um pai que amam muito. O dispositivo é quase todo sustentado através de discussões num só décor: a sala de estar. Jacobs tira partido da beleza das pequenas coisas: uma porta entreaberta, um momento para yoga... Estrutura com tempos de teatro, sobretudo amplificada por intermédio de um texto que permite que as palavras tenham um peso que não se esvai.

Desta forma, é um filme aberto às possibilidades do palco, mas sem nunca retirar os processos do cinema e aí há que brindar à forma como a fotografia em décor  fechado faz coisas mágicas e como a música de Rodrigo Amarante embala tudo… 

Não é vaidade de atrizes...

À partida, com uma premissa destas, poderíamos estar perante um daqueles projetos pequenos feitos para a vaidade das atrizes, mas neste caso é diferente, mesmo quando as três filhas (filhas, antes de irmãs…) dão papéis saborosos às atrizes. E Jacobs não desperdiça a oportunidade: dá-lhes todo o holofote. Sem medos, este é também um filme de atrizes. Um trabalho a três onde todas se equilibram. 

Alguma da imprensa americana está a ir ao céu com a interpretação de Natasha Lyonne, é ela quem se destaca com a personagem mais exuberante. Uma felicidade reencontrar a atriz de But I’m a Cheerleader e da série Poker Face a poder dar uso ao seu carisma de ruiva acintosa. 

Trata-se de uma presença que nos desestabiliza no bom sentido. Mas também há o regalo de ver Elizabeth Olsen longe dos registos da Marvel. Se há aqui propensão para superpoderes, serão os da normalidade. O seu lado pacificador tem uma tonalidade que remete para uma certa escola teatral à Neil LaBute.

E é igualmente impossível não nos curvamos perante Carrie Noon, atriz que é mais conhecida pelo trabalho na nova vida da saga Os Caça-Fantasmas, mas que é no cinema indie que tem mostrado talento, em especial em O Ninho, de Sean Durkin. Uma atriz sem receio de não ir pelos caminhos mais fáceis no turbilhão de emoções do estereótipo da mulher forte que, afinal, é bem vulnerável.
As três juntas, na suas implicações constantes, irritam? Sim, mas é uma daquelas irritações que compensa. Compensa e recompensa. 

O que é isso?!

Neste cinema que vive da angústia real, a realização de Jacobs é também engenhosa no contorno ao facilitismo da manipulação das emoções. Chega a ser realmente seca, mesmo quando surgem momentos deveras comoventes. As Três Filhas é para ver de olhos molhados, enquanto o anterior Plano de Fuga (2020) era para ser visto com sorriso cínico, em parte devido ao enorme trabalho de Michelle Pfeiffer. O caso de um cineasta atento e sensível ao material apetecível da neurose feminina. David Byrne perguntaria: “Neurose feminina, qu’est-ce que c’est?”