À medida que o ouro subia este ano para o seu preço mais alto de sempre - segunda-feira, dia 20 de maio, chegou aos 2445 dólares (cerca de 2252 euros) por onça troy (aproximadamente 31,10 gramas -, Xena Lin juntou-se ao frenesim fazendo compras mensais de “contas” de ouro, pedaços semelhantes a seixos do metal precioso.
Para Lin, uma funcionária administrativa de 25 anos do sul da China, as contas de 80 dólares (aproximadamente 75 euros), suficientemente pequenas para caberem na ponta de um dedo, eram uma maneira acessível de entrar na excitação do ouro sem gastar muito em joias, barras ou moedas. Ela já se tinha envolvido em investimentos em ações no passado, mas disse que comprar ouro, especialmente dessa forma divertida, a inspirou a continuar a investir. “Ainda estou a trabalhar arduamente para economizar mais”, disse Lin.
Muitas vezes considerado um investimento seguro em tempos de turbulência geopolítica e económica, o preço do ouro disparou em resposta à invasão da Ucrânia pela Rússia e à guerra na Faixa de Gaza. No entanto, a subida do ouro para máximos revelou-se mais resiliente e durou mais tempo, por causa da China.
Os consumidores chineses migraram para o ouro à medida que a sua confiança nos investimentos tradicionais, como imobiliário ou ações, diminuiu. Ao mesmo tempo, o banco central do país aumentou constantemente as suas reservas de ouro, ao mesmo tempo que reduziu as suas participações em dívida dos EUA. Os especuladores chineses estão a atirar lenha para a fogueira apostando que ainda há espaço para valorização.
A China já detinha uma influência considerável nos mercados do ouro, mas a influência do país tornou-se mais pronunciada durante esta última corrida altista, um aumento de quase 50% no preço global desde o final de 2022. Continuou a atingir novos patamares, apesar dos factores que tradicionalmente tornam o ouro um investimento comparativamente menos atraente: taxas de juro mais elevadas e um dólar americano forte.
No mês passado, os preços do ouro subiram mesmo depois de a Reserva Federal ter sinalizado que manteria taxas de juro mais elevadas durante mais tempo, e continuou a valorizar-se mesmo com o dólar a subir face a quase todas as principais moedas do mundo neste ano.
Hoje, há um sentimento crescente de que o mercado do ouro já não é governado por factores económicos, mas sim pelos caprichos dos compradores e investidores chineses.
“A China está inquestionavelmente a impulsionar o preço do ouro”, afirmou Ross Norman, CEO da MetalsDaily.com, uma plataforma de informação sobre metais preciosos com sede em Londres. “O fluxo de ouro para a China passou de sólido a uma torrente absoluta.”
O consumo de ouro no país aumentou 6% no primeiro trimestre em relação ao ano anterior, segundo a Associação de Ouro da China. Isso veio logo após um aumento de 9% no ano passado.
O investimento em ouro tornou-se mais atraente à medida que os investimentos tradicionais se tornaram fracos. O setor imobiliário da China, destino das poupanças da maioria das famílias, continua em crise. A confiança dos investidores nos mercados bolsistas do país não regressou totalmente. Uma série de grandes fundos de investimento destinados aos ricos ruiu após apostas fracassadas no mercado imobiliário.
Com poucas alternativas melhores, o dinheiro fluiu para fundos chineses que negociavam ouro e muitos jovens começaram a colecionar contas de ouro em pequenas quantidades.
Os comerciantes online estão a vender agressivamente contas de ouro. No Taobao da Alibaba, uma das maiores plataformas de comércio eletrónico da China, um comerciante vendeu contas de ouro numa transmissão ao vivo, uma mistura da Home Shopping Network e da Amazon. As minúsculas contas vêm em cinco formatos, incluindo um que lembra um amendoim e outro que lembra um dióspiro.
Kelly Zhong, professora em Pequim, começou a comprar ouro em 2020, no início da pandemia. Ela acumulou mais de 1 quilograma em barras de ouro, mas também investiu no metal através de fundos negociados em bolsa. Ela disse que se inspirou num velho ditado: “Jade em tempos prósperos, ouro em tempos difíceis”.
À medida que sentia que o mundo se tornava mais caótico, Zhong aumentou as suas reservas, apostando que os preços do ouro só subiriam. Ela parou de comprar, mas não está pronta para vender. Não vê razão para isso. A economia chinesa ainda está em dificuldades e nem o imobiliário nem as ações parecem ser um investimento sólido. “O dinheiro tem de ir para algum lugar”, diz a professora.
Outro grande comprador de ouro na China é o banco central do país. Em março, o Banco Popular da China aumentou as suas reservas de ouro pelo 17.º mês consecutivo. No ano passado, o banco comprou mais ouro do que qualquer outro banco central do mundo, acrescentando mais às suas reservas do que o fez quase nos últimos 50 anos.
Pequim está a comprar ouro para diversificar os seus fundos de reserva e reduzir a sua dependência do dólar americano, há muito considerado a moeda mais importante para manter em reserva. A China tem vindo a reduzir as suas participações no Tesouro dos EUA há mais de uma década. Em março, a China tinha cerca de 775 mil milhões de dólares em dívida dos EUA, abaixo dos cerca de 1,1 biliões de dólares em 2021.
Quando a China aumentou as suas participações em ouro no passado, comprou internamente utilizando o yuan, disse Guan Tao, economista-chefe global do BOC International em Pequim. Mas desta vez, disse ele, o banco está a utilizar moedas estrangeiras para comprar ouro – reduzindo efetivamente a sua exposição ao dólar americano e a outras moedas.
Muitos bancos centrais, incluindo a China, começaram a adquirir ouro depois de o Departamento do Tesouro dos EUA ter tomado a rara medida de congelar as participações em dólares da Rússia no âmbito das sanções impostas a Moscovo. Outros aliados americanos impuseram restrições semelhantes às suas moedas.
Guan disse que as sanções abalaram a “base de confiança do atual sistema monetário internacional” e forçaram os bancos centrais a proteger as suas reservas com participações mais diversas. “Podemos ver que esta onda de ascensão do ouro pode ser diferente do passado”, disse ele.
Embora Pequim esteja a comprar ouro, o metal representa apenas cerca de 4,6% das reservas cambiais da China. Em termos percentuais, a Índia detém quase o dobro das suas reservas em ouro.
A combinação de compras agressivas a retalho por parte dos consumidores chineses e compras do banco central atraiu o interesse de especuladores nos mercados de Xangai, que apostam que esta tendência irá continuar. O volume médio de negociação de ouro na Bolsa de Futuros de Xangai mais que duplicou em abril em relação ao ano anterior.
“Eles estão a nadar com a maré”, disse Norman do MetalsDaily. “A China está agora a dominar o mercado do ouro.”
Para Lin, comprar contas de ouro é satisfatório, diz, porque parece uma compra frívola, mas na verdade ela está a investir o seu dinheiro numa coisa em que possa tocar. E acrescenta que vai continuar a comprar mais contas.
“O preço do ouro está sempre a subir e a descer, mas o aumento está dentro do que eu posso suportar, então acho que está tudo bem”, afirmou.