Tentando descolar da imagem racista e xenófoba, Ventura aproveitou o facto de na primeira noite ter tido dois brasileiros (um deles racializado) a discursar para garantir que não há xenofobia no Chega. Deu Marcus Santos, dirigente do Chega do Porto, brasileiro e negro, como exemplo dos imigrantes de bem, que respeitam os valores nacionais, por oposição aos que “vêm obrigar as nossas mulheres a usar burcas pelas cidades” e que associou ao tráfico humano e ao terrorismo. “O que eu gostaria era que todos os portugueses tivessem este amor à bandeira que o Marcus e outros como ele têm”, declarou, para se referir ao brasileiro que bateu continência à bandeira nacional quando saiu do palco.
O discurso de Ventura serviu ainda para marcar outra fronteira: uma que separa o Portugal de 2024, que associa ao Chega, e o de 1974, ano da Revolução, que colou a Pedro Nuno Santos, acusando-o de querer voltar ao PREC. E não hesitou sequer em revisitar uma ferida aberta dos tempos da Guerra Colonial, pondo-se do lado dos antigos combatentes e atacando a decisão do governo de apoiar com 34 milhões de euros um museu em Angola. “São uns traidores, põem dinheiro em quem matou portugueses e sangue português, são traidores da nossa memória e da nossa pátria”, atacou.
De resto, também está apostado em passar a ideia de que as eleições se vão jogar entre o Chega e o PS, para contrariar o discurso de voto útil na AD de Luís Montenegro. E acenou com o “trio dos horrores”, que, em seu entender, seria um governo com Pedro Nuno Santos, Paulo Raimundo e Mariana Mortágua no Conselho de Ministros.
Neste primeiro discurso, André Ventura não falou de saúde nem de escola pública, mas falou para professores e idosos (a quem prometeu pensões mínimas no valor do salário mínimo em seis anos), para jovens (afirmou como “desígnio” o regresso dos que emigraram) e forças de segurança, a quem garantiu aumentos salariais. Tudo isto sem se comprometer com números nem contas, mas admitindo que será preciso “cortar muito” para cumprir as promessas e dando como único exemplo de corte os tais 400 milhões de euros que disse servirem hoje para promover a ideologia de género.
Se alguns vaticinavam um Chega mais moderado, a previsão falhou. Ventura apresenta-se como “alternativa” e “candidato a primeiro-ministro”, mas isso não implica qualquer moderação. E isso foi visível em várias intervenções. Numa delas, a deputada Rita Matias apresentou-se contra as casas de banho mistas, levantando a sala. Noutra, o militante Rui Cruz, que escreveu uma moção com o ex-militante do PSD António Pinto Pereira a pedir um código de ética, nem hesitou em apresentar-se como defensor do fascismo. “Sou pai, sou avô e… sou fascista”, declarou.
“Não podemos permitir que terroristas entrem no país e criem aqui as suas raízes”, defendeu o deputado Filipe Melo, enquanto a vice-presidente Patrícia Carvalho usou o seu exemplo como dirigente para tentar provar que o Chega não é machista e atacou “as manas Mortágua”, que acusa de apoiarem uma “imigração islâmica” que põe em causa os direitos das mulheres e que as “obriga” a “usar véu”.
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