Manifestações dividiram Lisboa
26 outubro 2024 às 19h16
Leitura: 12 min

Milhares pediram em Lisboa justiça por Odair. Chega diz que fará "a revolução" 

Manifestação organizada pelo movimento Vida Justa reuniu pessoas de diferentes culturas e etnias. Protesto do Chega a favor da polícia juntou entre duas a três centenas de pessoas.

O sentimento de dor juntou este sábado milhares de pessoas na Avenida da Liberdade, em Lisboa, para pedir "justiça" por Odair Moniz, o homem baleado esta semana por um agente da PSP, numa manifestação considerada histórica pela união das várias comunidades.

Organizada pelo movimento Vida Justa, a iniciativa conseguiu reunir pessoas de diferentes culturas e etnias, que desfilaram cerca de uma hora e meia entre o Marquês de Pombal e a Praça dos Restauradores, num percurso marcado por gritos de protesto, sendo a principal palavra de ordem "justiça para o Odair".

Empunhando bandeiras vermelhas do Vida Justa, bem como de Cabo Verde (país de origem de Odair Moniz), os manifestantes também gritaram "Violência policial, violência cultural", "os bairros unidos jamais serão vencidos" e, em crioulo cabo-verdiano, "Nu sta junta, Nu sta forti [Nós estamos juntos, nós estamos fortes]".

Na Praça dos Restauradores, várias pessoas depositaram flores no monumento onde estava uma fotografia de Odair Moniz, além de vários participantes na manifestação terem discursado.

Entre as intervenções, pediram-se aplausos para a "união histórica" alcançada na iniciativa, com o presidente da Associação Moinho da Juventude, da Cova da Moura (Amadora), Jacklison Duarte, a deixar um pedido: "Unidos, juntos e organizados podemos ouvir a nossa voz."

O mesmo responsável disse ainda que "nem todos os carros queimados foram queimados pela gente do bairro".

Cláudia Simões, cidadã que acusou um agente da PSP de a agredir, numa paragem de autocarro na Amadora, em 2020, também falou no palco improvisado para dizer que passou "pelo mesmo sistema" de violência policial.

"Somos castigados e ainda saímos do tribunal como criminosos. Espero que este processo não passe em branco como o meu", afirmou, salientando que a polícia trata as pessoas de alguns bairros "como lixo".

A manifestação, onde estiveram algumas pessoas de cara tapada, terminou cerca das 18:00 com um minuto de silêncio.

Ventura alega que o querem prender e afirma que o Chega fará "a revolução"

O presidente do Chega, André Ventura, alegou este sábado que o querem prender e afirmou que, aconteça o que acontecer, o seu partido fará "a revolução" para pôr fim ao "sistema dos últimos 50 anos".

André Ventura discursava num palco montado em frente à Assembleia da República, no fim de uma manifestação de apoio às forças de segurança convocada pelo Chega, que juntou entre duas e três centenas de pessoas e levou cerca de 45 minutos a percorrer um trajeto desde a Praça do Município, em Lisboa.

"É a revolução, a verdadeira revolução que nós queremos fazer em Portugal. Não há prisão que pare essa revolução, porque para prender a um eles terão de nos prender a todos e terão de nos pôr a todos na cadeia, a todos, a todos na cadeia", exclamou o presidente do Chega.

Manifestação do Chega! em defesa da Policia
FOTO: REINALDO RODRIGUES

Já no início desta manifestação, o presidente do Chega tinha alegado que o querem prender: "Nós temos um conjunto de vândalos a destruir o país todas as noites. Se quem acabar por ir para a prisão for eu, está tudo errado neste país, está tudo errado na democracia, está tudo errado no Estado de direito que defendemos." 

"Em todo o caso, vocês conhecem-me, eu penso que o país me conhece também, eu nunca na minha vida, nunca, fugi à minha responsabilidade", acrescentou.

André Ventura referiu que está a ser ameaçado "com processos", sem nunca se referir diretamente ao inquérito que a Procuradoria-Geral da República (PGR) abriu por declarações suas e do líder parlamentar do Chega, Pedro Pinto, que corre no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) Regional de Lisboa, nem à queixa-crime que um grupo de cidadãos está a preparar por causa das mesmas declarações sobre a atuação da polícia.

"Não há ninguém, nenhum poder neste Estado nem nesta República, que nos parará. Ninguém parará este movimento. Nós somos a única salvação, a última salvação para Portugal", declarou, no palco em frente à Assembleia da República, ladeado por duas bandeiras nacionais em grande formato.

O presidente do Chega colocou o seu partido como estando fora da "classe política" e opondo-se ao "sistema dos últimos 50 anos" de democracia em Portugal: "Eles têm 50 anos do lado deles, nós temos a revolução do nosso lado, nós somos os novos, nós somos os inovadores, nós somos o espírito novo deste século, nós somos a novidade, nós somos a revolução, nós somos a transformação."

A manifestação do Chega foi convocada como contraponto a outra realizada à mesma hora em Lisboa para reclamar justiça pela morte de Odair Moniz, o homem que morreu baleado pela PSP na segunda-feira na Cova da Moura, na Amadora.

No desfile do Chega, que decorreu de forma pacífica, as palavras de ordem mais repetidas foram "polícia sim, bandidos não" e "o lugar do ladrão é na prisão", mas também se gritou "Ventura, Ventura" e "Portugal é nosso".

No seu discurso, de vinte minutos, André Ventura reiterou a mensagem, já transmitida aos jornalistas no início, de que o Chega quer mostrar que há "outro país" além do que se manifestava "a um quilómetro ou dois" dali.

O presidente do Chega dividiu o país em "dois lados", um que está com "a bandidagem", com "as minorias e os coitadinhos" e "sempre contra a polícia e contra a autoridade", e outro que apoia as forças de segurança.

"A toda a bandidagem deste país, nós temos uma mensagem: o vosso país acabou, o vosso país morreu", disse.

Ventura sustentou que "estava tudo contra" o Chega e que os seus apoiantes compareceram "sem medo" e, "se for preciso", são "muito mais" do que os "do outro lado".

A encerrar a manifestação, ouviu-se o hino nacional e a canção dos Da Vinci "Conquistador". Pelas 17:00, os manifestantes estavam a desmobilizar e ao microfone pedia-se que quem se dirigisse à baixa de Lisboa procurasse "não arranjar confusão", depois de uma semana em que o Chega esteve no centro de várias polémicas.

A frase do líder parlamentar do Chega, Pedro Pinto, que suscitou um inquérito da PGR e uma queixa-crime de cidadãos foi dita na quarta-feira na RTP3, sobre as forças de segurança: "Se calhar, se disparassem mais a matar, o país estava mais na ordem".

Estão também em causa afirmações do presidente do Chega feitas na terça-feira, aos jornalistas, sobre o polícia que baleou Odair Moniz: "Nós não devíamos constituir este homem arguido, nós devíamos agradecer a este polícia o trabalho que fez".

"Nós devemos agradecer-lhe, devíamos condecorá-lo", reforçou Ventura. 

BE, Livre e PCP exigem "justiça e paz" na manifestação em Lisboa contra violência policial

Representantes do BE, Livre e PCP estiveram este sábado presentes na manifestação em Lisboa contra a violência policial, onde defenderam um combate às desigualdades e a todas as formas de discriminação.

Os três partidos, que se fizeram representar na manifestação convocada pelo movimento Vida Justa, para exigir justiça para Odair Moniz, homem baleado por um agente da PSP, na segunda-feira, defenderam medidas para combater os problemas estruturais que estão na base do descontentamento de quem vive na periferia de Lisboa.

Os representantes dos partidos defenderam um apuramento rápido dos factos que estiveram na base da morte de Odair Moniz e que sejam atribuídas responsabilidades.

"Portugal não pode continuar a tratar os bairros da periferia de Lisboa como tem acontecido, onde falta tudo. Falta a presença do Estado social, falta a escola, falta o hospital", disse o deputado do BE Fabian Figueiredo, em declarações aos jornalistas.

Para o deputado, Portugal é um "país onde a igualdade perante a lei não existe em todos os seus territórios" e onde ser negro "significa ter mais dificuldades de acesso ao ensino superior, significa ganhar menos, significa fazer trabalhos que envolvem mais esforço físico", referindo que há "uma história sobre a violência policial em Portugal".

"Não é culpa dos agentes de polícia individualmente, é do modelo de policiamento que está errado", notou, acusando ainda a contramanifestação convocada pelo Chega, que começou à mesma hora, noutro ponto de Lisboa, de ser "contra a polícia", ao querer instrumentalizar aquela força de segurança.

Também o vereador da Câmara de Lisboa e ex-eurodeputado comunista João Ferreira salientou que a manifestação convocada pelo Chega não defende os polícias.

"Os direitos dos polícias defendem-se assegurando-lhes meios, fazendo-lhes valer os seus direitos e defendendo também os direitos democráticos da população. Não é fazendo apologia à violência ou o incitamento à violência", apontou.

Para haver "justiça e paz", defendeu João Ferreira, é necessário "um combate muito firme e consequente às desigualdades e às injustiças sociais, às exclusões e a todas as discriminações", considerando também ser importante avançar-se com um outro modelo de policiamento, assente na prevenção e com o envolvimento das comunidades.

A líder do grupo parlamentar do Livre, Isabel Mendes Lopes, também apontou para os problemas estruturais, constatando que se está perante uma desigualdade "sistémica e que dura há muitas dezenas de anos".

"Sistematicamente as pessoas dos vários bairros de que estamos aqui a falar não são ouvidas, não são incluídas nos processos de decisão e temos bairros que são votados à periferia pelas condições que existem, porque não têm espaço público de qualidade, não têm parques infantis, não têm sistemas de transportes e, portanto, na verdade, são pessoas que são votadas também elas à periferia", notou.

Para Isabel Mendes Lopes, é crucial ouvir as pessoas que vivem nesses bairros e, "sobretudo, não dando eco a quem quer dividir e a quem incentivar o discurso de ódio, nomeadamente responsáveis eleitos e que estão na Assembleia da República".