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Sociedade
27 agosto 2024 às 00h00
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Martim Chichorro: “É urgente uma cartografia detalhada das nossas zonas com maior risco sísmico”

O geólogo refere que o evento de ontem veio confirmar que “toda a crosta a Ocidente e Sudoeste de Lisboa contempla várias falhas com potencial sísmico” que podem ter absorvido parte da rutura que gerou o Terramoto de 1755. E defende que a população não está devidamente educada sobre como agir perante sismos.

Este foi o maior sismo em Portugal Continental nos últimos  anos. Não se pode dizer que seja uma surpresa, porque sabemos estar inseridos numa zona de atividade tectónica (Placa Euroasiática), mas havia alguma indicação recente de que poderia estar para breve um sismo desta dimensão?

Pois, não foi nenhuma surpresa. Mas também nunca podemos sugerir essa possibilidade com exatidão. A atividade sísmica na crosta superficial é muito imprevisível, segue parâmetros que são difíceis de prever. O único e mais forte indicador é sabermos que estamos sobre uma zona de movimentação de placas tectónicas. Esta é uma zona estruturalmente complexa. Este evento veio provar que há uma série de falhas na zona ocidental da nossa costa e que essas falhas têm potencial sismogénico. E veio também alertar para a urgência em conhecermos melhor as características da crosta nesta região.

E este sismo traz novidades sobre o que conhecíamos do potencial de ameaça nesta região?

Ficámos a saber melhor que existe ali esta estrutura e percebemos melhor também o que terá acontecido no Terramoto de 1755. Para explicar um sismo como o de 1755, estamos a falar de uma área de rutura geológica que tem de ter tido dimensões brutais, de muitos quilómetros quadrados. Ora, num sismo de magnitude próxima de 9, calcula-se que essa rutura [que se conjetura ter originado na falha do Banco de Gorringe, a Sudoeste do Cabo de São Vicente, no oeste algarvio] se tenha transferido para outras falhas. E a falha que agora gerou este evento é forte candidata a ter absorvido parte da rutura transferida pelo Terramoto de 1755.

O que é que o epicentro (60km a Oeste de Sines) e o foco (cerca de 10 a 20km de profundidade) do sismo significam?

Dizem-nos que não podemos considerar apenas a zona do Cabo de São Vicente com potencial sísmico catastrófico, mas toda a zona que vem do Banco de Gorringe até Lisboa. Toda a crosta a Ocidente e Sudoeste de Lisboa é uma zona com várias falhas sismogénicas. E agora provou-se que uma dessas estruturas está ali, mais ou menos a 20km de profundidade, 60km a Oeste de Sines.

Essa cartografia da ameaça sísmica para Portugal não está ainda devidamente detalhada?

Não. E é urgente conhecer bem as características da nossa crosta sismogénica. E não conhecemos, porque estas especialidades de estudo da Geologia estão a morrer. A Falha de Santo André [na Califórnia] é a falha geológica mais estudada do mundo, com várias equipas e especialistas a estudarem aquela zona. Mesmo assim não se consegue prever quando e onde vai haver um terramoto, mas consegue-se dizer qual é a faixa com mais potencial sísmico. Nós, em Portugal, temos muitas falhas com potencial sísmico. Não só offshore (no mar), mas também continentais, como a da Vilariça e a de Benavente (Vale Inferior Tejo). E, no entanto, não temos uma equipa organizada para estudarmos a nossa crosta sismogénica.

Este sismo pode ser algum indicador para o futuro próximo? Devemos temer um sismo maior em breve?

Estamos a lidar com fenómenos complexos. Podemos pensar que o facto de ter havido aqui uma libertação de tensão nesta falha faz com que a probabilidade de rutura nos próximos tempos seja menor. Mas isso não significa que as tensões de energia em áreas adjacentes estejam dissipadas. É outra razão por que temos de conhecer bem as falhas que existem na região e as suas características. E mesmo assim, com tudo isso, os sismos de magnitude acima de 8 fogem de toda a previsibilidade, deixam de ser lineares, ninguém consegue controlar.

Acha que a população está suficientemente alerta e educada para o potencial sísmico que existe nesta zona da Península?

Não, não está. Se for ver alguns livros do Secundário, por exemplo, a fuga de zonas costeiras ainda não está suficientemente sublinhada. E não estou a falar do risco de colapsos estruturais. Isso é outro assunto. Estou a falar do risco de um tsunami, que pode ser catastrófico em Portugal. 

Quais são as zonas mais em risco de um evento catastrófico de grandes dimensões? É sobretudo Lisboa?

De São Martinho do Porto para baixo. Lisboa, Troia/Setúbal, Sines… outro sítio em que o risco é brutalmente assustador, se começar a pensar nisso, é o da Ria Formosa. E não existe sinalização desses perigos junto das populações, porque a cultura vigente ainda é a de que falar destas coisas é ser alarmista, quando o papel do Estado deveria ser informar devidamente os seus cidadãos. Não é um sismo de ma- gnitude 5 que nos vai afetar. Pode assustar, mas não vai fazer estragos. O que já nos afeta, sim, é saber que há nesta zona um potencial para sismos de grandes dimensões e para um tsunami de características catastróficas, não há outro termo.

E em relação ao estado dos edifícios em Portugal? Estão preparados convenientemente para risco sísmico? Tivemos recentemente alertas de que infraestruturas essenciais como os próprios hospitais não estarão preparados para resistir a um grande sismo…

Acho que nos últimos 30 anos o conhecimento aumentou substancialmente, a ponto de se projetarem as estruturas edificadas imaginando um máximo risco sísmico credível, que se situa pelos 7,5 na escala de Richter. Mas eu não sou engenheiro civil, não posso responder a isso com rigor. Agora, em relação às construções dos Anos 60 e 70 do século passado, e mais para trás, já não sei. E gostava que me elucidassem. Não podemos falar destas coisas só quando há estes pequenos eventos.

O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa já veio a público pedir um debate sobre as obras públicas e se estão ou não aptas a resistir a eventos sísmicos. Justifica-se esta intervenção ?

Justifica-se plenamente. O que acho uma pena é que o apelo tenha surgido apenas por causa deste evento de um sismo de 5,3. Tenho pena que que o país não tenha feito já essa reflexão em 1969, por exemplo, quando houve um terramoto bem mais impactante [7,3], e no qual morreu gente [13 pessoas].

Se lhe pedissem medidas imediatas a pôr em prática após este sismo, quais seriam?

No imediato, alertar todas as populações ribeirinhas e costeiras da zona sudoeste e do Algarve para que, quando sentirem um sismo durante 40 a 50 segundos, devem abandonar imediatamente a zona costeira, sem precisarem de estar à espera que seja a Proteção Civil a dizê-lo. Este só se sentiu durante uns 10 segundos, mas o do Japão em 2011, por exemplo, sentiu-se durante um minuto. Esse tempo significa que a rutura geológica se está a transferir para outras estruturas. Quanto mais demorado, mais potencialmente perigoso. E as populações costeiras devem saber que têm de sair imediatamente da zona. Além disso, aumentaria a investigação. Temos de conhecer as estruturas geológicas existentes nas zonas de maior potencial sísmico. Criar uma equipa própria de investigadores, especialistas, para fazer uma cartografia bastante completa do substrato geológico, sobretudo nas zonas de maior risco sísmico. Temos de deixar de brincar à ciência.