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16 outubro 2024 às 07h00
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RTP quer financiamento de 54 milhões de euros para saídas voluntárias e Plano Estratégico

Empresa pede ao Estado pagamento da dívida de 14 milhões de euros através de um aumento capital social para cobrir custos com 250 saídas voluntárias. Financiamento de 40 milhões de euros à banca e venda de património entre as medidas propostas ao Governo.

O plano para a saída voluntária de até 250 trabalhadores em situação de pré-reforma na RTP só avança se o Governo der luz verde ao financiamento para cobrir os custos com as indemnizações, que ascendem aos 20 milhões de euros. Neste sentido, o conselho de administração da empresa apresentou ao Executivo uma proposta para a liquidação da dívida do Estado em falta no valor de 14,29 milhões de euros, no âmbito do subfinanciamento do serviço público prestado até 2003, apurou o DN. A decisão, recorde-se, ditada pela Comissão Europeia em 2006 e reforçada em 2011, ditou o pagamento por parte do Estado de 26,69 milhões de euros.

Deste montante foram subscritos dois aumentos de capital: um no valor de 10,4 milhões de euros, em 2017, e outro de dois milhões de euros, em 2022. Encontra-se ainda pendente a realização do remanescente de 14,29 milhões de euros e é exatamente através desta fatia em falta que a RTP pretende tapar parte do buraco criado com a eventual saída de mais de duas centenas de trabalhadores. A RTP conta atualmente com um quadro de 1809 colaboradores com uma média etária de 52 anos. Este programa, que prevê a contratação de um novo trabalhador com perfil digital por cada duas saídas, integra o Plano de Ação para os Media, apresentado na semana passada pelo Governo.

Na altura, o ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte assegurou que o operador público irá ser ressarcido através “de um modelo de compensação que não está ainda definido”. Mas a RTP antecipou-se e fez chegar, no passado mês de setembro, uma lista de propostas à tutela que visam estancar o rombo nas contas provocado não só pelas saídas, mas também pelo corte progressivo da publicidade comercial que resultará na perda de 21 milhões de euros em receitas até 2027.

A RTP tinha inicialmente traçado um teto máximo de 80 saídas dos quadros, com um impacto estimado de cinco milhões de euros. Foi o Executivo que instou a administração a ir mais longe de forma a cortar despesa com a massa salarial. Contudo, se não for previamente definido um mecanismo para custear os 20 milhões de euros destas saídas, a RTP dará um passo atrás e voltará ao plano A. As negociações entre o Governo e a RTP prosseguem e, a haver entendimento, este plano só deverá ver a luz do dia no próximo ano. 

Empréstimo de 40 milhões de euros e venda de património

No plano entregue ao ministério dos Assuntos Parlamentares, em resposta às medidas apresentadas para a RTP, e a que o DN teve acesso, a empresa pede também autorização para contrair um empréstimo de médio e longo prazo, com condições atualizadas, negociado no valor de 40 milhões de euros a oito anos para a liquidação do atual empréstimo de curto prazo, contraído no valor de 15,9 milhões de euros.

Este financiamento visa ainda sustentar os objetivos de investimentos definido no Plano Estratégico 2024-2026. orçado em 24,1 milhões de euros. Só a modernização de estúdios e sistemas irá custar à RTP 18,8 milhões de euros. A proposta de crédito já está desenhada junto da banca e a RTP aguarda agora o sim da tutela para poder prosseguir com o financiamento.

A venda de património sem utilização é outra das vias que a RTP sugere para encaixar mais verbas. No documento que está agora a ser negociado com Pedro Duarte, é pedido o parecer positivo à venda de terrenos e instalações não produtivas e cuja manutenção anual custa à empresa pública cerca de 200 mil euros. Noutra das medidas enumeradas propõe a racionalização de custos com conteúdos, com decisões de aquisição que privilegiem as plataformas digitais, mais económicas. 

Aumento da contribuição audiovisual

Foi uma batalha perdida logo no início das conversações com a tutela. Ainda antes de o Plano para os Media ser aprovado em Conselho de Ministros e de ter sido apresentado dias mais tarde publicamente, a RTP debateu-se pelo aumento do valor da contribuição audiovisual (CAV), atualmente fixado em 2,85 euros, montante ao qual acresce uma taxa de IVA de 6%. A CAV, que é cobrada através da fatura da eletricidade, representa a principal fonte de financiamento da rádio e da televisão públicas, com um peso de 80% nas receitas - sendo os restantes 20% provenientes de receitas comerciais. Em 2023 valeu 190,1 milhões de euros à RTP, valor que irá aumentar em 6,2 milhões de euros no próximo ano, conforme previsto na proposta do Orçamento do Estado para 2025 (OE2025).

A RTP sugeriu uma atualização da CAV à taxa de inflação com o objetivo de mitigar as perdas anuais de sete milhões de euros que irão resultar do travão à publicidade, mas Pedro Duarte não tardou em refrear as expectativas.

“A CAV tem aumentado em termos absolutos de forma significativa por meio do crescimento do número de utilizadores de energia. Prevemos que esse aumento vá acontecer no próximo ano também. O encargo em cima dos contribuintes não será maior”, garantiu durante a conferência de imprensa, realizada na semana passada, a propósito da apresentação do pacote de medidas para a comunicação social. Dias mais tarde a proposta do OE2025 confirmou que, pelo menos no próximo ano, os consumidores de eletricidade não irão desembolsar mais para financiar a RTP.

A empresa pública prevê atingir receitas de 233 milhões de euros este ano (235 milhões de euros em 2023) e estima despesas de 223 milhões de euros. Os custos com pessoal, que incluem as equipas operacionais de produção e distribuição de conteúdos e as equipas de suporte e corporativas, são os que mais pesam na fatura da empresa (44%). Seguem-se os custos de grelha (35%), que incluem as aquisições de programas não produzidos pela RTP, abarcando a produção independente, e o fornecimentos de serviços externos (17%), que abrange áreas técnicas de suporte operacional e tecnológico, energia, segurança, e limpeza.

Redução da publicidade travada

O aumento da CAV não foi o único pedido do conselho de administração da RTP a bater na trave. O Executivo definiu o fim da publicidade comercial nas grelhas da RTP, atualmente de seis minutos por hora, implementando uma redução de dois minutos por hora em 2025 e 2026. Em paralelo, a redução do tempo dedicado à publicidade comercial deverá ser compensada com espaços de promoção de eventos e iniciativas culturais. 

Já a RTP fez uma contraproposta e pediu a redução gradual do tempo de publicidade de seis minutos por hora para três minutos, ou seja, um minuto por ano entre 2025 e 2027. Também aqui Pedro Duarte foi inflexível .

Ainda assim, e apesar das linhas vermelhas, nada está definido. O diálogo entre a tutela e a RTP irá prosseguir com o novo contrato de concessão de serviço público como meta e, até lá, poderá haver espaço para recuar. O ministro dos Assuntos Parlamentares admitiu estar aberto a “corrigir” o plano de 30 medidas para os profissionais da comunicação social.

A verdade é que os desígnios do Executivo para a RTP não foram recebidos com ânimo nem pelos partidos da oposição nem pelos trabalhadores, anunciantes e profissionais do audiovisual. Hoje serão ouvidos no Parlamento o Conselho de Opinião e o Conselho de Administração da RTP.