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Sociedade
21 setembro 2024 às 00h02
Leitura: 7 min

Mapa que identificou zonas de maior risco e exigia atuação de autarquias nunca entrou em vigor

A Carta de Perigosidade de Incêndio Rural foi criada em 2021, mas os municípios pediram a suspensão, que ia até final deste ano. Três quartos dos hectares ardidos desde domingo coincidem com estas áreas.

O texto do Decreto-lei nº 82/2021, de 13 de outubro estipulava, no artigo 41.º: “A cartografia de risco de incêndio rural compreende a carta de perigosidade de incêndio rural e a carta de risco de incêndio rural.” O objetivo era classificar “em cinco classes” - muito baixa, baixa, média, alta e muito alta - todo o território continental em função do perigo de incêndio. No entanto, esta Carta de Incêndio Rural nunca saiu da gaveta, após contestação dos autarcas. A suspensão vigoraria até ao final deste ano, e, admitia o anterior Governo, prendia-se sobretudo com as “restrições a nível de edificação e de realização de atividades culturais, desportivas ou outros eventos”. 

A carta foi concebida pelo Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), apoiado pelo Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente (GEOTA). E, apesar de não estar em vigor, há um dado que salta à vista: as áreas a vermelho e laranja (ou seja, com maior risco) correspondem aos concelhos mais afetados pelos incêndios que lavraram nas zonas norte e centro desde o passado domingo.

Segundo dados provisórios a que o DN teve acesso, arderam, no total, 118 223 hectares no país. Destes, 57 208 (ou 48,4%) arderam em zonas classificadas com uma perigosidade estrutural “muito alta”. Em zonas classificadas com perigosidade “alta”, as chamas assolaram 29 170 hectares - o que corresponde a 25,1% do total de área ardida no país. Ou seja: 73,5% de todo o território que ardeu desde domingo está localizado em zonas de alta ou muito alta perigosidade de incêndio.

Por exemplo: a área que ardeu em Peso da Régua (Vila Real) estava, na totalidade, naquilo a que a Carta de Perigosidade  classifica como “área prioritária de prevenção e segurança” (APPS). Mais abaixo, em Guimarães (Braga), 97,8% da área ardida encontrava-se em APPS. E em Lamego (Viseu), 97,3% da área ardida estava englobada por esta classificação.

Estas áreas prioritárias, sabe o DN, têm de ser incluídas nos programas sub-regionais até ao final do ano, com base na Carta de Perigosidade  e só dizem respeito a áreas de classe alta e muito alta. Só a partir daí a classificação produz resultados.

Infografia DN

Perante a contestação dos autarcas, que apontavam limitações à lei, sobretudo em relação à possibilidade de as Comissões Sub-regionais de Gestão Integrada de Fogos Rurais adaptarem as APPS à realidade de cada território, o Governo decidiu alterar o decreto original. Com isto, as Comissões Sub-regionais passaram a poder fazer essa adaptação. Passou a ser também possível priorizar as ações de proteção contra incêndios rurais. A Associação Nacional de Municípios Portugueses elaborou a metodologia e a Comissão Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais aprovou-a.

Mas, ainda assim, os autarcas continuam a contestar a carta. A 4 de junho deste ano, a Comunidade Intermunicipal da Região de Leiria propôs que o documento seja suspenso por mais um ano (isto é, até final de 2025). Em alternativa, defendiam os municípios, devem ser aplicados os planos autárquicos de defesa contra incêndios. Em declarações no final de uma reunião na ANMP, o autarca da Marinha Grande atacava a Carta de Perigosidade. “Tenho algumas zonas industriais que não podem crescer e, se não puderem crescer, matam a Marinha Grande, que tem uma indústria muito tecnológica, com um nível de desenvolvimento muito grande”, apontava então Aurélio Ferreira. Isto, disse, vai “matar” o desenvolvimento do concelho.

A Comunidade Intermunicipal da Região de Leiria já tinha ido mais longe e, no passado, pediu a revogação desta ferramenta, destinada a auxiliar no planeamento das medidas de prevenção e combate a incêndios, definindo, por exemplo, restrições às atividades nos espaços rurais.

Em 2022, foi também criada uma Comissão Sub-regional de Gestão de Fogos Rurais na região, cujos trabalhos foram suspensos por decisão maioritária e justificada com a “necessidade de clarificação dos meios financeiros para reforçar as ações de gestão integrada da floresta na Região de Leiria e pela conformação da Carta de Perigosidade  com os planos municipais e risco de incêndio rural”. Como medida intermédia até à revogação da carta, os autarcas pediam “a prorrogação da vigência dos planos municipais de defesa da floresta contra incêndios até 31 de dezembro de 2025”.

Florestas de eucalipto foram as que mais arderam

Segundo os dados a que o DN teve acesso, há ainda outro indicador que se destaca. Desde domingo até sexta-feira, 29,47% da área ardida eram florestas de eucalipto. Do total de 118 223 hectares afetados pelas chamas, 34 841 eram deste tipo de árvore.

Os matos foram o segundo tipo de povoamento que mais ardeu: 23,49% (ou 27 771 hectares), seguindo-se as florestas de pinheiro bravo (20,01%, ou 23 660 hectares).

Os dados indicam ainda que as “zonas húmidas” foram as menos afetadas, com apenas 8 hectares a serem queimados.

Que limitações são aplicadas em zonas de alto risco?

São várias as limitações impostas às APPS. Entre restrições ao uso do fogo -- como a realização de fogueiras para recreio ou lazer --, há ainda proibições impostas, por exemplo, à circulação nos espaços florestais.

Além de ser proibido fazer queimadas, é também proibida, entre outras, a utilização de maquinaria e equipamento que possa causar ignições, como motosserras ou rebarbadoras. Uma das ações feitas nos últimos dias pelas autoridades, numa freguesia de Valongo, foi, aliás, devido a esta proibição. Quatro funcionários da junta de freguesia foram constituídos arguidos, após terem utilizado uma roçadora com disco, que depois provocou um incêndio florestal.