Lisboa
21 setembro 2024 às 00h07
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Um jardim que é casa de tanta gente

Um espaço de más memórias que nos últimos anos esteve vetado ao abandono e vedado ao público está agora de portas escancaradas. Os Jardins do Bombarda são agora espaço para estar, relaxar, comer, trabalhar e até para viver.

Danylo e Lita, Ana e André, Marta e tantos outros. Gente que faz deste novo espaço de Lisboa a sua casa. Estamos nos Jardins do Bombarda, renascidos precisamente numa parte do antigo Hospital Miguel Bombarda, bem no centro da cidade, em Arroios, lugar que acolhe agora o Largo Residências. Local de más memórias, onde a vizinhança se recorda de “ouvir os urros ou os suicídios a partir dos muros”, é agora espaço de cultura e comunidade, onde se ouve o vento a bater nas folhas das árvores, pássaros a chilrear, talheres a bater nos pratos, gente que conversa e música.

A esplanada no pinhal, junto ao restaurante do espaço. FOTO: Leonardo Negrão

Dois jovens ucranianos, Danylo e Lita, integram a banda Litá Folk, que faz folclore ucraniano, e estão a ensaiar sentados numa mesa ao fundo de uma das inúmeras novas casinhas que nasceram nas últimas semanas naqueles jardins. Vivem atualmente nas Residências Refúgio – cujo objetivo é apoiar a inclusão de pessoas em situação de refúgio -, instaladas no antigo hospital de dia do Bombarda, agora recuperado.

Os ensaios de Danylo e Lita, que integram a banda Litá Folk. FOTO: Leonardo Negrão

Marta Silva, da direção artística do Largo Residências, não vive ali, mas tem lá passado muitas horas nos últimos meses, desde que o movimento teve de mudar de morada outra vez. Mas já lá vamos... Antes, vamos continuar o passeio pelos até há pouco vedados Jardins do Bombarda.

A entrada faz-se pelo n.º161 da Avenida Gomes Freire, numa das portas daqueles enorme muros brancos agora decorados com pinturas de flores coloridas. Logo à entrada, uma loja de arte que vende obras dos residentes. E, no cimo das escadas, à esquerda, um pinhal e as suas sombras, com mesas e cadeiras para estar. Há um bar e há um restaurante, onde a comida do mundo tem feito sucesso.

Volta não volta, à sexta-feira, André Brandão tem de ligar para clientes a avisar: “Amanhã há cachupa”. Ele e a amiga Ana Dionísio, ambos angolanos, são os proprietários do Bambi Bambi e quiseram trazer para aqui uma experiência gastronómica diversificada. Já habituados às tradicionais “sentadas” angolanas que faziam em alguns domingos no restaurante que tinham anteriormente - o Homie's, em Santa Apolónia -, fazem agora uma espécie de festival de comidas do mundo nos Jardins do Bombarda, tentando sempre honrar a cultura portuguesa. Assim, tanto há arroz de marisco e pato confitado com puré de batata, como chorba, “uma sopa argelina deliciosa”, beringela assada em cama de humus, feijoada à brasileira ou moamba de galinha. “É o nosso cartão postal”, diz André Brandão, que sugere duas especialidades de múcua, o fruto do imbondeiros: em mousse ou em sumo. Aos domingos, o dia mais concorrido devido às muitas famílias que já descobriram o espaço, há churrasquinho.

O restaurante Bambi Bambi. FOTO: Leonardo Negrão

Ali perto, encostado às residências artítisticas – um T0 e um T1 destinados a acolher artistas -, o Cabana Snack Bar é alternativa para uma bebida fresca. Espaços onde estar ou por onde circular são muitos. Ainda na área do pinhal, há um telheiro cujas paredes estão agora todas coloridas, graças ao trabalho desenvolvido em atividades de colagem abertas ao público. E ao lado, um tanque transforma-se de acordo com os limites da imaginação: local de conversas, espaço de leitura e até mini campo de futebol.

Os Jardins Românticos poderão ser a escolha para quem quer namorar, mas também para a realização de eventos privados.

Nas extremidades dos jardins, encontram-se áreas mais recatadas, destinadas sobretudo ao usufruto dos projetos permantes ligados ao Largo Residências e que são, atualmente, mais de 30. Projetos relacionados com as artes, a cultura, o design, a inclusão e até a comunicação – é ali que está a Rádio Olissipo - que ali encontraram uma casa. Ainda há estruturas modulares em construção, já há um palco, mas falta reconstruir o forno comunitário e transformar aquele que foi um armazém e salão de festas do Hospital Miguel Bombarda na sala-estúdio Valentim de Barros, uma homenagem ao bailarino que passou quase 50 anos internado no edifício.

Não é certo por quanto tempo aqui vai ficar o Largo Residências, movimento que quer contribuir para o desenvolvimento local, através da concretização de actividades culturais e negócios sociais e do envolvimento e integração comunitária. Nascido há quase 15 anos no Intendente, passou os últimos dois no Quartel Largo Cabeço de Bola, onde vão agora ser construídas habitações para arrendamento acessível. “Tivemos que transpôr todo o ecossistema que tínhamos para aqui”, diz Marta Silva, consciente de que a permanência ali está condicionada ao que será o projeto futuro para o antigo hospital, local classificado como património classificado. Até que tenham de fazer de novo as malas, vão usufruir ao máximo dos Jardins. Até porque, como diz, “é um crime público manter este património fechado”.