Entrevista DN/TSF
21 fevereiro 2024 às 14h37

André Ventura: "Se Bolsonaro fez algo para derrubar o jogo democrático, para mim merece condenação absoluta"

Líder do Chega diz que não se revê em tentativas de inverter o resultado de eleições, mesmo que possam ter partido de um seu aliado. Mas compara a "frustração" de alguns brasileiros face à eleição de Lula de Silva com aquela que sentiria caso José Sócrates fosse Presidente da República.

Como é que tem acompanhado a situação do Brasil, nomeadamente o facto de Jair Bolsonaro, que tem dado apoio ao Chega, estar agora a ser intimado devido à eventual participação no ataque à Praça dos Três Poderes?

Não gosto de ver. Sou um enorme adepto da democracia. Se Bolsonaro ou outro qualquer, meu aliado ou não, participou, tentou, se empenhou, fez algo para derrubar o jogo democrático, para mim merece condenação absoluta. Se isso aconteceu, é absolutamente condenável. Tenho as maiores dúvidas sobre a justiça brasileira, devo dizer, mas não estou lá e não vou fazer comentários sobre isso. Mas acho que o país se tornou praticamente numa ditadura e que o que quer que venha dali não vai ser bom para nenhum dos lados, mas isso não me inibe de dizer que se houve por parte de Jair Bolsonaro, da sua família, dos seus apoiantes, alguma tentativa de inverter o resultado das eleições ou de condicionar eleições ou até num golpe de Estado militar ou de outro tipo, isso é condenável e não me revejo absolutamente nisso.

Encontra paralelo com o que aconteceu nos Estados Unidos, no ataque ao Capitólio?

Há um mal-estar geral na nossa democracia porque muitas das Instituições não funcionam de forma imparcial, mas temos de saber lidar com isso de forma democrática e não de forma antidemocrática. Tenho-me queixado muitas vezes, quer do tratamento mediático, quer do funcionamento da justiça, mas faço a crítica no lugar certo, procurando convencer as pessoas de que há mudanças que têm de ser feitas. Pela força já percebemos que estas coisas não se resolvem e não é a cultura que queremos imprimir ao nosso país. Percebo a frustração de muita gente que sente que os poderes deixaram de dar resposta e que o jogo está viciado de baixo a cima. No Brasil, devem ter sentido ainda maior frustração ao verem Lula da Silva sair da prisão e regressar ao Palácio do Planalto. Eu sentiria o mesmo se visse José Sócrates chegar a Presidente da República. Se um dia visse que o meu país elegeu José Sócrates ficava frustrado e revoltado...

Acha que ganhava uma segunda volta das eleições presidenciais contra José Sócrates?

Honestamente, neste país, já não sei. Daria tudo o que tivesse e que não tivesse para ganhar, mas ele podia ganhar. E, se ele ganhasse, iria ficar revoltado e frustrado, mas não tinha como não aceitar os resultados que os portugueses decidiram. Ia tentar mostrar que ele é um bandido, que é corrupto, que é um mentiroso, mas ao fim do dia quem vota são os portugueses. Se o escolhessem, ficaria mais triste e deprimido, provavelmente teria de tomar medicação, mas isso tinha de me passar. Não podia pôr em causa todo o nosso processo democrático por causa disso. Acho que, felizmente, Portugal não está nessa situação e os Estados Unidos são um país suficientemente forte do ponto de vista institucional para garantir que as instituições funcionem, quer ganhe Donald Trump, quer ganhe Joe Biden. Quanto às nossas instituições, têm mostrado capacidade de resistência. Onde é preciso termos cuidado é na justiça, no sentido de garantir que consegue manter o seu estatuto de Independência. Ouvi com preocupação palavras de Rui Rio e de Ferro Rodrigues, que querem silenciar a justiça. Só garantimos instituições fortes se tiverem liberdade de ação. Com escrutínio democrático, mas com liberdade de ação. É muito preocupante o que o PS e o PSD podem estar a preparar-se para fazer à justiça.