Residências
25 julho 2024 às 07h16
Leitura: 10 min

Faltam 75 mil camas para estudantes do Ensino Superior em Portugal

Crise na habitação veio agudizar oferta e preço do alojamento estudantil. O preço médio por quarto atingiu em julho 397 euros, um aumento de 4,5% num ano. Plano nacional prevê 18 mil camas até 2026 e decorre a ritmo lento. Promotores internacionais estão a aproveitar a oportunidade, mas longe de responder à procura.

O Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior Público arrancou esta segunda-feira e deu início a um complexo processo para milhares de alunos que ficarão deslocados de casa nos próximos anos académicos: a procura de alojamento. E, como em tudo o que se refere atualmente à habitação em Portugal, a oferta no mercado é muito reduzida e os preços são elevados. O número de camas disponíveis no país em arrendamento formal rondará os 35 mil para um universo de 110 mil estudantes deslocados do Ensino Superior público.

Os dados disponibilizados na página eletrónica do Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior (PNAES) permitem concluir que a oferta cobre apenas 32% das necessidades, sendo precisas pelo menos mais 75 mil camas. A situação assume uma maior gravidade quando se estima existirem mais de 40 mil alunos carenciados nas universidades públicas portuguesas e, por isso, com acesso prioritário às residências do Estado. Mas estas só dispõem de 15 939 camas (PNAES/ junho 2024). Uma resposta que não chega nem para metade dos estudantes elegíveis.

Com estas (poucas) opções públicas, as famílias são obrigadas a estudar a oferta no setor privado. Isto apesar de o custo do alojamento ser o fator que mais pesa na decisão para mais de 83% dos pais de um estudante deslocado, diz um relatório sobre esta temática divulgado ontem. Aliás, para cerca de dois em cada cinco encarregados de educação, a primeira opção de habitação é descartada por questões de preço, aponta o Estudo Ómnibus.

O plano nacional, lançado em 2018, e que prevê a introdução de mais de 18 mil camas a preços regulados até 2026, um pouco por todo o país, num investimento global de 445,7 milhões de euros, está quase todo ainda por concretizar e pouco deverá aumentar a oferta pública no ano letivo que se aproxima. Aliás, o número de camas disponível está inclusive reduzido.

Infografia Vítor Higgs

Mais procura e menos oferta

A última atualização do ponto da situação do PNAES, datada de 18 de junho deste ano, revela que apenas 12 projetos, num total de 1124 camas, estão concluídos. Em curso, estão 40 empreitadas (12 referentes a novas construções, dez de adaptação de edifícios com alteração de uso, cinco fruto de aquisição de imóveis para nova utilidade e 13 de renovação de residências já existentes), que englobam 5555 camas. 

Neste ponto, há a sublinhar a existência de 2550 camas, que estão suspensas de oferta pública devido à requalificação em curso do edificado. Estão também adjudicadas 52 empreitadas, com 7965 unidades de alojamento (das quais 2788 são intervenções em residências exis- tentes). Ainda em fase de projeto estão 3459 camas.

Feito o retrato da oferta pública, a plataforma de Inteligência Artificial especializada em imobiliário Alfredo.pt  revela que este mês estavam a ser anunciados 5666 quartos privados para arrendamento no país (os dados estão em constante atualização), entre residências universitárias privadas e unidades disponíveis em apartamentos.

Também aqui a resposta do mercado é diminuta, sendo que a análise da Alfredo.pt  baseia-se na recolha de fontes públicas de informação, como portais imobiliários e sites  de agências do setor. Segundo a plataforma, o preço médio por quarto atingiu em julho 397 euros, o que traduz um aumento de 4,5% na análise dos últimos 12 meses.

Este mercado acaba disputado pelos mais de 110 mil alunos deslocados do Ensino Superior público, mas também por estudantes das instituições privadas e por estrangeiros, o que eleva a procura potencial para mais de 175 mil camas.

Este movimento acaba por estar muito centrado nas principais cidades do país, onde também se encontra uma maior quantidade de cursos, impulsionando o preço dos quartos. Em Lisboa, o custo médio de um quarto para estudantes ascende a 480 euros, mas pode atingir 700 euros (dados de julho). No Porto, o valor médio é de 385 euros, embora existam anúncios a exigir 600 euros. Em Faro, os proprietários reclamam um preço médio de 350 euros, com o máximo a atingir 493 euros (ver infografia).

Preços a subir

Igor Borrego, senior director  da Capital Markets da CBRE Portugal, lembra que o país registou um “crescimento sustentado do número de estudantes do Ensino Superior em torno de 4% ao ano nos últimos três anos” e os alunos estrangeiros “cresceram 6,2% ao ano”.

Neste quadro, o responsável é categórico em afirmar que existe “um défice muito grande de alojamento estudantil em Portugal” e Lisboa é uma das capitais europeias com menor número de camas por estudante. Segundo revela, “o rácio em Lisboa é de 2,7%, bastante inferior a Londres, Paris ou Madrid, com 26%, 14% e 5,1% respetivamente”. E mesmo incluindo o número de camas em carteira, “o rácio é de apenas 3,2%”.

As residências privadas, que somam atualmente cerca de 9650 camas em operação em Portugal, ganharam espaço no mercado de alojamento para estudantes. Segundo Igor Borrego, é esperada a abertura de novos projetos para o ano académico 24/25, que irão acrescentar cerca de 1150 novas camas em Lisboa e Porto. Mas esta oferta é ainda diminuta e concentrada nas duas principais cidades do país, e onde estão também os maiores operadores deste segmento imobiliário - o Porto absorve 39% do stock de camas e Lisboa detém 36%. 

Como frisa André Vaz, head of Living & Alternative Investment da JLL Portugal, “uma vez que o número de estudantes tem vindo a aumentar consecutivamente nos últimos 12 anos, principalmente de estrangeiros, e a oferta apesar de maior não acompanha esse crescimento, as residências apresentam taxas de ocupação perto dos 100% e um crescimento de rendas bastante robusto”.

A crise de habitação no país veio agravar o problema da oferta. Como sublinha Ana Gomes, partner e head of New Business & Alternatives da Cushman & Wakefield, “impacta o mercado de alojamento para estudantes, porque estes têm cada vez menos hipóteses de encontrar apartamentos que possam partilhar a um custo mais acessível”. Com este enquadramento, a opção das residências privadas tornou-se “ainda mais premente”. “Os níveis de procura continuam superiores à oferta”, frisa a responsável.

Esta dinâmica reflete-se necessariamente nos preços. E este produto imobiliário concebido a pensar nos estudantes não é para todas as carteiras. Segundo Igor Borrego, as rendas mensais no Porto variam entre os 475 e os 950 euros, e em Lisboa entre os 650 e os 1500 euros. Em Coimbra, podem ir dos 300 aos 850 euros e na Covilhã entre 350 e 565 euros. São valores que incluem todas as despesas com água, luz, internet, ginásio, salas de estudo, salas de cinema, segurança, limpeza de áreas comuns, entre outras comodidades, lembra.

André Vaz admite existir ainda margem para “alguma subida das rendas, uma vez que o stock existente e o pipeline  previsto para os próximos anos não conseguem responder de todo à procura existente”. Para o consultor da JLL, o valor das residências de estudantes continua a ser atrativo face ao mercado de arrendamento residencial tradicional.

Oportunidade para os privados

Este segmento imobiliário tem despertado o interesse de vários promotores internacionais, como a Milestone, LIV Student, Xior, Livensa Living, Odalys, Collegiate, The Nine, Beyoo ou Andy. A CBRE tem “conhecimento de vários investidores que estão ativamente à procura de oportunidades para aquisição de terrenos para construir novas residências”, com foco principal em Lisboa. 
Igor Borrego lembra que a operadora internacional Xior adquiriu recentemente uma residência de estudantes no Campo Pequeno, em Lisboa, num negócio onde o preço atingiu o maior valor por cama alguma vez pago em Portugal.

O investimento privado em alojamento para estudantes não vai parar. “É um setor com indicadores operacionais muito fortes”, com “muito espaço para crescer” e “yields  atrativas face a outras classes de ativos” imobiliários, diz André Vaz. É um produto que está a viver “um período de grande dinamismo desde o seu desenvolvimento em 2018-2019, mesmo tendo em conta as diferentes contrariedades que têm acontecido nos últimos anos - covid, guerras, inflação e aumento das taxas de juro”, frisa ainda.

sonia.s.pereira@dinheirovivo.pt