Após uma das madrugadas mais intensas de troca de fogo entre Israel e o Hezbollah nos últimos 10 meses, ambos os lados deram como cumpridos os seus objetivos com perda mínima de vidas - três mortos do lado libanês, um do lado israelita - e parecem estar dispostos a evitar uma maior escalada da violência. Mas a tensão continua na região, após aquela que terá sido apenas a “1.ª fase” da resposta do grupo xiita à morte de um dos seus comandantes, com o primeiro-ministro israelita a deixar o aviso: “Não é o fim da história.”
Israel está há semanas em alerta para a retaliação do grupo xiita libanês à morte de Fuad Shukr num bombardeamento israelita, a 30 de julho, em resposta ao ataque que vitimou 12 crianças nos Montes Golã, ocupados três dias antes. Um ataque cuja responsabilidade o Hezbollah negou.
As Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) explicaram que o grupo xiita libanês estava a preparar-se para lançar o seu ataque, com milhares de lançadores de rockets preparados para disparar desde 40 posições. “Num ato de autodefesa para remover essas ameaças, as IDF atacaram alvos terroristas no Líbano, a partir de onde o Hezbollah planeava lançar os seus ataques”, indicaram num comunicado. Os bombardeamentos foram feitos por uma centena de caças.
O ministro da Defesa israelita, Yoav Gallant, alega que a capacidade de “remover a ameaça” minutos antes do ataque foi “muito bem-sucedida” e deixou “desorientado” o grupo xiita libanês - que é apoiado pelo Irão. De acordo com o ministro, não foram lançados metade ou até dois terços dos rockets que o Hezbollah planeava lançar. Um militar da Marinha israelita morreu e outros dois ficaram feridos, aparentemente quando a embarcação em que seguiam foi confundida com um alvo inimigo e atingida por um dos mísseis do sistema de defesa Iron Dome.
O grupo liderado por Hassan Nasrallah, que está envolvido numa troca de fogo quase diária com Israel desde o início da guerra em Gaza, tem uma versão diferente do que aconteceu. “Falar de como a resistência [o Hezbollah] iria lançar oito mil ou seis mil rockets e drones e que [Israel] frustrou isso... são alegações falsas”, disse o líder num discurso televisivo, alegando que foram destruídos apenas “dezenas de lançadores de rockets”.
Nasrallah revelou que o alvo central do grupo era a base de Glilot, sede da Mossad, que fica próximo de Telavive e a 110 km da fronteira com o Líbano. Segundo o líder do Hezbollah, o objetivo não era atingir alvos civis e a missão decorreu “com precisão”, sendo concluída como estava planeado. “Vamos analisar o impacto da operação. Se os resultados não forem vistos como suficientes, vamos responder noutra altura”, acrescentou. Um porta-voz das IDF disse à AFP que a base de Glilot não foi atingida.
Ainda antes das declarações de Nasrallah, o Hezbollah tinha anunciado ter disparado 320 rockets Katyusha e “um grande número de drones”, atingindo 11 alvos militares israelitas. Disse ser a “1.ª fase” da retaliação à morte de Shukr, avisando que a próxima fase pode levar “algum tempo”. O grupo xiita libanês indicou ainda que tinha adiado esta ação para dar tempo às negociações para um cessar-fogo em Gaza, além de ter calibrado a resposta para evitar desencadear uma guerra em larga escala.
Segundo a Reuters, que cita dois diplomatas anónimos, os dois lados trocaram este domingo mensagens através de intermediários para evitar uma escalada do conflito. A principal mensagem terá sido de que esta ação estava “terminada” e que nenhum dos lados tinha interesse numa guerra aberta - embora Netanyahu reconhecer que este “não é o fim da história” e Nasrallah ameaçar com mais ataques.
Apesar da tensão dos últimos meses, nem o Hezbollah nem Israel estão interessados em piorar a situação. O grupo xiita libanês, financiado e equipado pelo Irão, é uma das organizações militares não estatais mais bem armadas do mundo. Estima-se que tenha entre 20 mil e 50 mil combatentes - eles alegam serem 100 mil - e possua entre 120 mil e 200 mil mísseis e rockets, segundo uma análise recente do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais. A sua capacidade está muito acima do Hamas, que Israel procura há 10 meses destruir dentro da Faixa de Gaza.
Ao Hezbollah também não interessa uma guerra que cause destruição dentro do Líbano, já que procura popularidade interna para além da sua base xiita e sairia prejudicado diante de Israel, que também tem um grande poder militar. Os analistas acreditam também que o Irão poderá estar a “poupar” o Hezbollah para a eventualidade de ser ele próprio atacado por Israel ou pelos EUA - Teerão prometeu retaliar pela morte do líder político do Hamas, Ismail Haniyeh, na mesma altura que Shukr. O presidente norte-americano, Joe Biden, reafirmou o seu apoio a Israel.
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