Arte
14 setembro 2024 às 00h05
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Grace Ndiritu: “A arte pode ser linda, mas também pode ter significado e um valor transformador”

A queniano-britânica esteve em Lisboa para uma masterclass na Universidade Lusófona. O DN esteve à conversa com Grace Ndiritu sobre o seu percurso como artista visual e cineasta.

Espiritualidade e política são as palavras que melhor descrevem o trabalho da queniano-britânica Grace Ndiritu, artista visual e cineasta, que esteve em Portugal para uma masterclass na Universidade Lusófona de Lisboa.

Inicialmente, a junção destes dois aspetos  nos seus trabalhos era rejeitada pelos seus colegas artistas. “Até recentemente, a maioria das pessoas gozavam e brincavam com o meu trabalho porque não era algo conceptual”, explica Grace Ndiritu em conversa com DN, durante a sua passagem Portugal, acrescentando que cresceu numa casa onde estes dois tópicos estiveram sempre presentes. “Estes temas são complicados no mercado artístico”.  No entanto, acredita que “a arte pode ser linda, mas também pode ter significado e um valor transformador”.

Grace Ndiritu explica que nós enquanto seres humanos precisamos tanto de política como do espiritualismo. “Não podemos negar os problemas do mundo real, mas ao mesmo tempo não podemos encontrar soluções no mundo real. Precisamos de algo maior, seja Deus ou a natureza espiritual, para encontrar uma solução nova para os problemas do dia-a-dia”.

Em 2012, Grace Ndiritu vivia em Londres quando decidiu sair da cidade e viver no meio rural. “Fiz uma regra para mim mesma que só ia à cidade quando fosse necessário. Foi incrível ter esse tipo de vida e essa experiência. Então, ao invés de ir como artista, eu estava a viver em mosteiros ou em comunidades. Decidi fazer isto porque estava tão frustrada com o que estava a acontecer na cidade, com os problemas relacionados com o racismo,  a poluição, etc”. 

Hoje em dia, a artista ainda mantém contacto com pessoas das comunidades por onde foi passando. Em 2017, criou a sua própria comunidade chamada Healing the Museum. Convidou alguns artistas, cientistas e amantes da espiritualidade a deixarem a cidade e juntarem-se a ela no campo.  “Nós acordávamos, comíamos juntos, fazíamos atividades espirituais, fazíamos atividades académicas e criativas todos os dias. Acabávamos por partilhar conhecimentos diferentes. Era uma forma de mostrar como os diferentes fios da sociedade podiam viver juntos de forma harmoniosa”, explica a artista. 

Depois de voltar para a cidade, Grace Ndiritu também criou um projeto de moda em 2018 - Coverslut - com uma mensagem sobre a democracia, raça e a sociedade de classes. “A ideia com este projeto é perguntar quem têm o direito a estar na moda”, explica. Nas primeiras coleções deste projeto, os clientes pagavam o que conseguiam financeiramente. O dinheiro dessas vendas serviu para a criação de roupas biológicas ou orgânicas. “Durante este projeto, trabalhei muito com jovens de escolas de arte, refugiados e imigrantes, para fazer as roupas e criar esses eventos de moda”, acrescenta. 

Em 2020, a artista aventurou-se pelo mundo do cinema com o filme Black Beauty (Beleza Negra, em português). O filme segue o pensamento de uma modelo africana que está a promover um creme de beleza no deserto e tem uma alucinação, onde se vê num programa de televisão como apresentadora a entrevistar o escritor argentino Jorge Luis Borges. Nesta conversa, a modelo e o escritor  falam sobre o clima e a migração. “É um filme sobre a migração, o clima e como evoluímos como humanos, sendo o capitalismo uma consequência da nossa evolução”. 

Grace Ndiritu escreveu este filme enquanto vivia na Argentina, onde entrevistou cientistas sobre as alterações climáticas. Devido ao confinamento, o processo de pré-produção e de casting foi feito online. Black Beauty é um dos trabalhos de que a artista se orgulha mais. “Foi o meu primeiro filme e sinto que se tornou um filme sólido com toda a equipa e os atores. Foi bem recebido e foi para festivais de filmes bons”. 

Já o seu segundo filme, Becoming Plant (Tornar-se numa planta, em português) conta a história de seis bailarinos que apanham cogumelos mágicos para uma terapia de grupo. A cineasta pretendeu com isto passar a mensagem com substâncias psicadélicas podem ajudar com doenças mentais. “Também fala sobre como nós podemos usar os nossos corpos e como podemos lidar com problemas de saúde mental. Podemos lidar com isso a trabalhar, podemos usar coisas como a criatividade, substâncias psicadélicas, para nos ajudar com a saúde mental”, refere a artista. 

Este segundo filme foi também gravado  durante a pandemia de covid-19 . “Este filme envolvia as pessoas estarem nuas, por isso, tivemos de gravar tudo com segurança”, explica.  Por ser um documentário experimental, não existiu um guião. A artista entrevistou  um psiquiatra para este filme que serviu de voz-off para o documentário.

 Os dois filmes foram apresentados em vários festivais de cinema, incluindo a  72.ª Berlinale (2022), FIDMarseille (2021) e o BFI London Film Festival (2022).  Grace Ndiritu está a desenvolver o guião de outro novo filme chamado Hippie.

mariana.goncalves@dn.pt

Tópicos: Arte, Cinema, Cultura