O aumento das Infeções Sexualmente Transmissíveis (IST), como gonorreia, sífilis, clamídia e linfogranuloma venéro (LVG), está a preocupar os médicos de Saúde Pública em Portugal. Por exemplo, e de acordo com os dados divulgados na última semana pelo Centro Europeu de Controlo de Doenças (ECDC, sigla inglesa), o nosso país integra a lista dos que registaram um crescimento acima dos 50% em relação a algumas destas doenças.
Ao DN, o presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública (ANMSP), Gustavo Tato Borges, destaca que “a situação é preocupante e que é necessário travar este aumento, mas, para isso, é preciso trabalhar em várias dimensões”. E especifica: “Há que trabalhar para a Educação Sexual, na comunicação com a população, na oferta fácil de métodos de contraceção individual, de testes de rastreio e de medicamentos para o tratamento. É preciso trabalharmos todos em conjunto para que se consiga maior impacto no combate e no controlo das IST, porque estas são um problema de Saúde Pública e podem ter consequências muito desagradáveis para alguns dos doentes.”
Mas desta dinâmica, destaca Gustavo Tato Borges, tem de fazer parte uma antiga reivindicação dos médicos de Saúde Pública, que “é o registo da notificação das IST ser igual ao de qualquer outra Doença de Notificação Obrigatória (DOC), seja de tuberculose, legionella ou salmonelas”.
Ou seja, “o que pretendemos é que a notificação de uma IST, que chega aos médicos de Saúde Pública através da plataforma SINAVE, tenha os dados identificativos do doente, para que o possamos contactar e ajudá-lo na identificação de quem poderá estar em risco e assim fazer-se um melhor rastreio e tratar quem precisa”.
E para que não haja dúvidas, o médico sublinha que esta reivindicação da Saúde Pública nada tem a ver com “com o fim do anonimato do doente”, já que esta questão surgiu após ter sido divulgado que a diretora-geral da Saúde estaria a ponderar a “desanonimização” dos dados em relação às IST.
Gustavo Tato Borges diz que a confusão pode estar no termo “desanonimização”, mas que este não significa que a vida do doente vai ser tornada pública.
Aliás, garante, “os dados continuarão confidenciais e debaixo do sigilo médico. A única diferença é que os médicos de Saúde Pública poderão identificar o doente e entrar em contacto com ele”.
No fundo, “é acabar com a barreira informática que não permite ter a informação identificativa do doente com IST”, porque “quando recebemos o registo de uma DOC no SINAVE este aparece com o nome, a idade, o sexo e o contacto do doente, quando recebemos de uma IST esta informação não aparece, só temos as iniciais do primeiro e do último nome do doente sem qualquer contacto e o que acontece é que estamos a contabilizar IST, mas não estamos a intervir nas IST de forma mais próxima do doente”.
O médico explica ainda que a ação da Saúde Pública em relação às IST não é só reagir, pois há trabalho de prevenção, através de um programa nacional nas escolas para a Educação Sexual e há todo o trabalho que já é feito por várias organizações no terreno.
“Mas é importante que este combate às IST e a fomentação do sexo seguro seja feito de forma cada vez mais assertiva e adaptado às novas realidades”, sublinha. "Se não tivermos a informação sobre quem é a pessoa que está doente o nosso trabalho deixa de ser próximo de quem, se calhar, precisa da nossa ajuda”.
O bastonário dos médicos, e como noticiava ontem o DN, aceita que mais a informação sobre as IST seja partilhada com os médicos de Saúde Pública para que estes possam definir estratégias, No entanto, não concorda que se utilize o termo “quebra do anonimato” ou “desanonimização” porque estes podem dar a ideia errada de que a informação seria divulgada para o exterior, e não é disso que se trata neste pedido dos médicos de saúde pública.
De qualquer forma, o jurista André Dias Pereira, professor da Universidade de Coimbra, e vice-presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vidas, explicou ao DN que se a questão situação de "quebra do anonimato" ou de "partilha de mais informação" sobre as IST for mesmo ponderada pela DGS pode ser uma questão para analisar no CNEV.
Os médicos de Saúde Pública dizem que para eles “a questão é meramente de natureza epidemiológica, técnica e científica, com zero de julgamento de valor, porque não somos polícias da vida sexual nem da vida social das pessoas. Somos médicos que sabem fazer a investigação destas situações e aconselhar o doente no caso ter de falar com outras pessoas que possam estar em risco”.
O DN recorda que tentou o contacto com a DGS na sexta-feira para saber mais sobre esta proposta de "desanonimização" dos dados de doentes com IST, mas até ontem não obteve qualquer resposta.