Protesto
09 janeiro 2024 às 23h33
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Contactos da PSP e da GNR falsificados com número de telefone da PJ

O protesto dos polícias por melhores salários e condições de trabalho, que começou com um só agente em frente à Assembleia da República, alastrou-se a todo o país. Os milhões de investimento salientados pelo ministro José Luís Carneiro não levaram à desmobilização.

A Polícia Judiciária (PJ) abriu um inquérito criminal para apurar a origem de uma troca de números de telefone de esquadras da PSP e de postos da GNR pelo contacto geral da PJ. O processo está com a Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime e à Criminalidade Tecnológica (UNC3T) e estão a ser investigados suspeita da prática de crime de “falsificação informática”, confirmou ao DN fonte desta instituição. 

Desde o início da noite de terça-feira e ainda, pelo menos, até à hora de fecho desta edição, que era possível visualizar na internet o número de telefone da PJ como contacto de dezenas de esquadras e postos. “Foram dezenas, talvez centenas de telefonemas que foram recebidos na PJ por parte de pessoas que ligavam a pensar que estavam a contactar a polícia da sua região”, revela um inspetor que está a acompanhar o caso.

Este episódio sucede na mesma altura em que um protesto vigoroso por melhores salários e condições de trabalho está a agitar estas forças de segurança e uma ligação deste ao descontentamento que tem sido divulgado pelos sindicatos e associações da PSP e da GNR é considerada “muito provável”, por vários polícias ouvidos pelo DN. Isto porque, recorde-se, a contestação começou a ganhar força após o Governo ter aprovado em 29 de novembro o pagamento de um suplemento de missão para as carreiras da PJ, que pode representar uma média de aumento de cerca de 400 euros por mês.

Ao que o DN conseguiu saber, o atual protesto teve a particularidade de ter começado de forma inorgânica, sem o envolvimento, pelo menos inicial, dos sindicatos. Um agente só, que pertence à esquadra de segurança aeroportuária e fronteiras, de Lisboa, gravou um vídeo pessoal, a lamentar a situação salarial e as condições de trabalho. “Pegando numa frase que um dirigente sindical proferiu, e passo a citar: vocês têm duas formas, a primeira, abrutalhada, que é faltar mesmo ao serviço e paralisar, com todas as consequências que isso possa ter. Faço-vos uma pergunta: não é esta a única solução para que, finalmente, nos ouçam”, lançou, apelando a que se juntassem a si numa vigília. As palavras funcionaram como um rastilho incendiado e o vídeo, que se tornou viral, bateu forte nos profissionais das forças de segurança.

Desde o final da tarde de segunda-feira que vários carros-patrulha da PSP, principalmente no Comando Metropolitano de Lisboa (Cometlis), estão parados, alegando os polícias que estão inoperacionais e com várias avarias. Fonte da PSP disse à Lusa que são mais de uma centena os carros inoperacionais e “sem condições para circular” nos comandos de Lisboa, Setúbal, Santarém, Porto e Açores.

“Estamos fartos de palmadinhas nas costas”, afirma ao DN um oficial que pediu anonimato. “Todos vêm dar-nos palmadinhas nas costas, elogios de circunstância, mas quando acaba a “festa” todos voltam às suas esquadras, muitas degradadas há anos, e aos seus salários miseráveis”, sublinha.

O pagamento do já referido suplemento na PJ, conseguido pelo seu diretor nacional, Luís Neves, que convenceu a tutela a regulamentar um decreto-lei com mais de 20 anos, deu aos seus novos homólogos da PSP, o diretor nacional Barros Correia, e o comandante-geral da GNR, Ribeiro Veloso, a oportunidade também de reivindicar semelhantes melhorias salariais e condições para o seu efetivo.
A pressão sobre o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro tornou-se mais forte desde o dia 29 de novembro e, a avaliar pela mobilização presente, não vai cessar, ainda mais quando se vai entrar em campanha eleitoral.

José Luís Carneiro veio assegurar que tem “estado sempre do lado dos polícias” salientando que há “um suplemento, por serviço, nas forças de segurança que varia entre os 292 euros e os 1.143 euros” e que se deve “evitar a instrumentalização de setores que são vitais à segurança coletiva e às funções de soberania”. 

Sobre os protestos, o ministro afirmou que “em nenhuma circunstância está colocada em causa a segurança e o cumprimento da missão das forças de segurança, continuando a realizar os seus deveres funcionais por todo o país”. O governante recordou também que o Governo tem “um caminho em curso de valorização das condições salariais e também das condições remuneratórias por via dos suplementos”.

Considerando legítimo o direito à manifestação, José Luís Carneiro atentou que, entre 2015 e 2024, o executivo socialista reforçou o investimento nos recursos humanos da PSP e da GNR em 426 milhões de euros. “Nós temos 2.069 milhões de euros para 2024, o que significa um aumento, entre 2023 e 2026, de 20% nas condições remuneratórias das forças de segurança. (...) Valorizamos os suplementos. Pagámos 118 milhões de euros que estavam por pagar do tempo da assistência financeira ao país, entre 2020 e 2023”, sublinhou. 

O ministro da Administração Interna observou ainda que se encontra em curso um investimento de 607 milhões de euros na valorização das infraestruturas e dos equipamentos, indicando que está a decorrer um concurso público, num valor superior a 30 milhões euros, para a aquisição de mais de 700 novas viaturas. José Luís Carneiro frisou ainda que está “muito atento à tentativa de instrumentalização por parte de algumas forças que têm expressão política”.

Logo ao final da noite de segunda-feira, o presidente do Chega, André Ventura, já estava a divulgar um vídeo seu a apoiar a causa dos polícias, propondo a atribuição dos suplementos da PJ às forças de segurança. Também durante a tarde de ontem, o presidente do PSD, Luís Montenegro, manifestou solidariedade. “Isto é o resultado de oito anos de políticas públicas em que houve um grande desinvestimento na administração pública e em muitas das condições nas quais os prestadores de serviço, nomeadamente no caso da segurança, acabaram por se confrontar”, afirmou.

O presidente do maior sindicato da PSP, a Associação Sindical de Profissionais de Polícia (ASPP) sublinhou, por seu lado, que os sindicatos há muito que têm alertado o ministro para a situação na polícia e para o conjunto dos problemas, mas nada tem sido feito e agora está entrar-se “numa fase perigosa” em que os protestos já não são organizados pelos sindicatos. Em entrevista ao DN, diz que vê estes protestos “como naturais e consequência da incompetência e cegueira do Ministro da Administração Interna”.

Também o presidente da associação mais representativa da GNR, declara que José Luís Carneiro “tenta iludir o cidadão com grandes melhorias quer salariais quer em condições de serviço, apregoando o “ grande investimento de 607 Milhões de euros” através da Lei de Programação de Infraestruturas e Equipamentos, o que é certo é que isso é uma previsão até 2026 e se tivermos em conta os níveis de execução dos anos transatos, com toda a certeza que em 2026 se forem executados 50% desses 607 milhões de euros já será um espanto”.

Paulo Santos
"O MAI tem reagido com cegueira, surdez e apatia"


Paulo Jorge Santos é o presidente do maior sindicato da PSP, a Associação Sindical de Profissionais de Polícia (ASPP) e vem desde há muito a alertar contra a situação dos polícias low cost, profissionais que desempenham funções iguais às de alguns inspetores da PJ, mas com salários muito inferiores, como é o caso dos que estão nas fronteiras dos aeroportos

Como acompanhou a ASPP o atual protesto?
A ASPP/PSP tem reiteradamente alertado o MAI para a realidade da PSP, para os problemas que existem e para o evidente grau de insatisfação dos profissionais, o MAI tem reagido com cegueira, surdez e apatia. Esses alertas foram ignorados e os polícias deram um sinal. A ASPP/PSP vê portanto estes protestos como naturais e consequência da incompetência e cegueira do MAI.

Falta de viaturas, instalações degradadas, infelizmente não são novidade na PSP. Porquê agora este protesto?
Porque as viaturas estão cansadas, fustigadas, avariadas como muitos dos profissionais, mas as viaturas podem fazer greve e os polícias não. 

Nos últimos 8 anos do Governo PS o que mudou para melhor e pior na PSP?
Apesar de muitos problemas se arrastarem há anos, em 8 anos os Governos apenas deram caridade e assistencialismo e isso não resolve os problemas que são estruturais e graves.

Tem um novo diretor há pouco tempo. Que balanço podem já fazer, por exemplo, da forma como está a gerir estes problemas e este protesto em particular?
Temos pedido para que não se caía na tentação de branquear a realidade dos problemas, no passado foi feito erradamente isso. Esperemos que agora não aconteça. 
  

César Nogueira
“O sr. ministro tenta iludir o cidadão com grandes melhorias salariais”

O presidente da Associação de Profissionais da Guarda (APG) alerta para as “ilusões” criadas pelo discurso do ministro da Administração Interna.

Como acompanhou a APG este protesto?
A APG está e estará sempre ao lado das forças de segurança e dos profissionais da GNR em particular e por isso mesmo tendo as suas ações programadas não poderia deixar de estar presente em todos os locais onde, espontaneamente, os profissionais da GNR, PSP e também os Guardas Prisionais, se juntaram para demonstrar solidariedade com o colega da PSP e demonstrar que esta luta é de todos e que o descontentamento é generalizado e transversal a todas as categorias.

Falta de viaturas, instalações degradadas, infelizmente não são novidade na GNR. Porquê agora este protesto?
Existem muitas razões para o protesto, são muitos anos de desconsideração a todos os níveis, mas a nível salarial a situação é gritante. Basta ver que os estatutos remuneratórios que já não são alterados há muitos anos. No caso da GNR desde a sua criação, ou seja, desde 2009…
Contrariamente ao discurso já gasto do Sr. ministro da Administração Interna que tenta iludir o cidadão com grandes melhorias quer salariais quer em condições de serviço, apregoando o “ grande investimento de 607 Milhões de euros” através da Lei de Programação de Infraestruturas e Equipamentos, o que é certo é que isso é uma previsão até 2026 e se tivermos em conta os níveis de execução dos anos transatos, com toda a certeza que em 2026 se forem executados 50% desses 607M€ já será um espanto. Quando o MAI diz que temos um suplemento equivalente que vai de duzentos e tal euros a mil e duzentos euros, tal informação não é séria e engana o cidadão, pois esse suplemento é diferente por posto e não possui esses valores. Foram anos e anos de desinvestimento que agora é muito mais difícil de colmatar. É difícil dar-se resposta às deficiências existentes: a nível de parque automóvel que está obsoleto, às instalações degradadas, à rede e material informático, ao material de proteção individual entre outro tipo de material essencial para a eficácia das nossas funções.

Nos últimos 8 anos do Governo PS o que mudou para melhor e pior na GNR?
Não podemos dizer que nada mudou para melhor, não estaríamos a ser sérios. A nível de instalações e equipamentos existiram algumas melhorias com base na Lei de Programação de Infraestruturas e Equipamentos. Mas o que foi feito ainda é muito pouco, devido a burocracias ou outros motivos que desconhecemos. Mas a nível salarial não podemos dizer o mesmo. Não são os 69€ atribuídos como subsídio de risco e os aumentos anuais atribuídos aos demais funcionários da Administração Pública que afirmam querer colmatar a perda de poder de compra, ou seja, não chega. Para agravar há que referir o sistema de avaliação da GNR, baseado no SIADAP, que só traz injustiças e premeia mais quem está próximo das chefias e não quem anda todos os dias no terreno a desempenhar a missão primeira de uma Força de Segurança e tem mais competências e aptidão profissional.

A GNR tem um novo comandante- -geral há pouco tempo. Que balanço podem já fazer, por exemplo, na forma como está a gerir estes problemas e este protesto em particular?
 Ainda é prematuro fazer uma avaliação da ação do novo comandante-geral, mas tem existido alguma abertura para em conjunto encontrarmos soluções para resolver parte dos problemas existentes. E digo parte porque os maiores problemas são da competência do Governo. Tem muitos problemas a nível interno que, se houver boa vontade, são de fácil resolução.  O que é expectável é que assuma uma postura em defesa daqueles que tutela, até em nome da imagem e prestígio da Instituição.

Tópicos: GNR, Sociedade, Segurança