A Polícia Judiciária (PJ) abriu um inquérito criminal para apurar a origem de uma troca de números de telefone de esquadras da PSP e de postos da GNR pelo contacto geral da PJ. O processo está com a Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime e à Criminalidade Tecnológica (UNC3T) e estão a ser investigados suspeita da prática de crime de “falsificação informática”, confirmou ao DN fonte desta instituição.
Desde o início da noite de terça-feira e ainda, pelo menos, até à hora de fecho desta edição, que era possível visualizar na internet o número de telefone da PJ como contacto de dezenas de esquadras e postos. “Foram dezenas, talvez centenas de telefonemas que foram recebidos na PJ por parte de pessoas que ligavam a pensar que estavam a contactar a polícia da sua região”, revela um inspetor que está a acompanhar o caso.
Este episódio sucede na mesma altura em que um protesto vigoroso por melhores salários e condições de trabalho está a agitar estas forças de segurança e uma ligação deste ao descontentamento que tem sido divulgado pelos sindicatos e associações da PSP e da GNR é considerada “muito provável”, por vários polícias ouvidos pelo DN. Isto porque, recorde-se, a contestação começou a ganhar força após o Governo ter aprovado em 29 de novembro o pagamento de um suplemento de missão para as carreiras da PJ, que pode representar uma média de aumento de cerca de 400 euros por mês.
Ao que o DN conseguiu saber, o atual protesto teve a particularidade de ter começado de forma inorgânica, sem o envolvimento, pelo menos inicial, dos sindicatos. Um agente só, que pertence à esquadra de segurança aeroportuária e fronteiras, de Lisboa, gravou um vídeo pessoal, a lamentar a situação salarial e as condições de trabalho. “Pegando numa frase que um dirigente sindical proferiu, e passo a citar: vocês têm duas formas, a primeira, abrutalhada, que é faltar mesmo ao serviço e paralisar, com todas as consequências que isso possa ter. Faço-vos uma pergunta: não é esta a única solução para que, finalmente, nos ouçam”, lançou, apelando a que se juntassem a si numa vigília. As palavras funcionaram como um rastilho incendiado e o vídeo, que se tornou viral, bateu forte nos profissionais das forças de segurança.
Desde o final da tarde de segunda-feira que vários carros-patrulha da PSP, principalmente no Comando Metropolitano de Lisboa (Cometlis), estão parados, alegando os polícias que estão inoperacionais e com várias avarias. Fonte da PSP disse à Lusa que são mais de uma centena os carros inoperacionais e “sem condições para circular” nos comandos de Lisboa, Setúbal, Santarém, Porto e Açores.
“Estamos fartos de palmadinhas nas costas”, afirma ao DN um oficial que pediu anonimato. “Todos vêm dar-nos palmadinhas nas costas, elogios de circunstância, mas quando acaba a “festa” todos voltam às suas esquadras, muitas degradadas há anos, e aos seus salários miseráveis”, sublinha.
O pagamento do já referido suplemento na PJ, conseguido pelo seu diretor nacional, Luís Neves, que convenceu a tutela a regulamentar um decreto-lei com mais de 20 anos, deu aos seus novos homólogos da PSP, o diretor nacional Barros Correia, e o comandante-geral da GNR, Ribeiro Veloso, a oportunidade também de reivindicar semelhantes melhorias salariais e condições para o seu efetivo.
A pressão sobre o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro tornou-se mais forte desde o dia 29 de novembro e, a avaliar pela mobilização presente, não vai cessar, ainda mais quando se vai entrar em campanha eleitoral.
José Luís Carneiro veio assegurar que tem “estado sempre do lado dos polícias” salientando que há “um suplemento, por serviço, nas forças de segurança que varia entre os 292 euros e os 1.143 euros” e que se deve “evitar a instrumentalização de setores que são vitais à segurança coletiva e às funções de soberania”.
Sobre os protestos, o ministro afirmou que “em nenhuma circunstância está colocada em causa a segurança e o cumprimento da missão das forças de segurança, continuando a realizar os seus deveres funcionais por todo o país”. O governante recordou também que o Governo tem “um caminho em curso de valorização das condições salariais e também das condições remuneratórias por via dos suplementos”.
Considerando legítimo o direito à manifestação, José Luís Carneiro atentou que, entre 2015 e 2024, o executivo socialista reforçou o investimento nos recursos humanos da PSP e da GNR em 426 milhões de euros. “Nós temos 2.069 milhões de euros para 2024, o que significa um aumento, entre 2023 e 2026, de 20% nas condições remuneratórias das forças de segurança. (...) Valorizamos os suplementos. Pagámos 118 milhões de euros que estavam por pagar do tempo da assistência financeira ao país, entre 2020 e 2023”, sublinhou.
O ministro da Administração Interna observou ainda que se encontra em curso um investimento de 607 milhões de euros na valorização das infraestruturas e dos equipamentos, indicando que está a decorrer um concurso público, num valor superior a 30 milhões euros, para a aquisição de mais de 700 novas viaturas. José Luís Carneiro frisou ainda que está “muito atento à tentativa de instrumentalização por parte de algumas forças que têm expressão política”.
Logo ao final da noite de segunda-feira, o presidente do Chega, André Ventura, já estava a divulgar um vídeo seu a apoiar a causa dos polícias, propondo a atribuição dos suplementos da PJ às forças de segurança. Também durante a tarde de ontem, o presidente do PSD, Luís Montenegro, manifestou solidariedade. “Isto é o resultado de oito anos de políticas públicas em que houve um grande desinvestimento na administração pública e em muitas das condições nas quais os prestadores de serviço, nomeadamente no caso da segurança, acabaram por se confrontar”, afirmou.
O presidente do maior sindicato da PSP, a Associação Sindical de Profissionais de Polícia (ASPP) sublinhou, por seu lado, que os sindicatos há muito que têm alertado o ministro para a situação na polícia e para o conjunto dos problemas, mas nada tem sido feito e agora está entrar-se “numa fase perigosa” em que os protestos já não são organizados pelos sindicatos. Em entrevista ao DN, diz que vê estes protestos “como naturais e consequência da incompetência e cegueira do Ministro da Administração Interna”.
Também o presidente da associação mais representativa da GNR, declara que José Luís Carneiro “tenta iludir o cidadão com grandes melhorias quer salariais quer em condições de serviço, apregoando o “ grande investimento de 607 Milhões de euros” através da Lei de Programação de Infraestruturas e Equipamentos, o que é certo é que isso é uma previsão até 2026 e se tivermos em conta os níveis de execução dos anos transatos, com toda a certeza que em 2026 se forem executados 50% desses 607 milhões de euros já será um espanto”.