Depois de um dia de escola, R., de oito anos, chegou a casa na tarde de terça-feira com um pé meio roxo, inchado e com dificuldade em andar. Nesta altura, as dores já eram muitas e a sua impaciência também. A mãe queria ir à urgência do hospital da área de residência, mas o pai achou por bem responderem aos apelos quer do primeiro-ministro, da própria Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e até de alguns diretores de urgências que têm vindo a pedir para que se ligue primeiro à Linha SNS24.
Mas, verdade seja dita, seis horas mais tarde arrependeu-se. Aliás, a conclusão que tira do episódio de doença do filho é que são os utentes a pagar a fatura das falhas do SNS, tendo que “andar de um lado para o outro”, só conseguindo ter uma resposta final nos cuidados a 35 Km de casa e a mais de 50 minutos de carro.
“Fomos para o centro de saúde, que não nos recebeu, depois fomos encaminhados para o hospital da nossa área, que deu alguma resposta, mas a criança precisava de ser observada presencialmente, e acabámos em Lisboa, na Estefânia, para termos um diagnóstico”. Por cada unidade que passavam e comentavam a situação, a resposta de quem os recebia foi sempre a mesma: “Não é o único. Todos os dias há casos assim”.
O caso de R. começou com a mãe, Joana, a ligar para a Linha SNS24 pelas 18:00. O técnico que a atendeu fez a triagem aos sintomas do filho, pedindo que este movimentasse o pé para perceber o conseguia fazer e o que doía.
No final, decidiu reencaminhá-lo para os cuidados primários da área para ser observado presencialmente. Joana recebe uma mensagem no telemóvel a confirmar o reencaminhamento e arranca com o marido, Miguel, e o filho para o centro de saúde, onde não têm médico de família.
São recebidos pelo segurança que lhes diz que não serão atendidos. Joana mostra a mensagem da Linha SNS24 e insiste em falar com um funcionário do centro de saúde. A secretária clínica permite que entrem nas instalações e Joana mostra o pé de R., cada vez mais inchado, mas a resposta é a mesma. “A Linha SNS24 sabe muito bem que não temos capacidade para dar resposta a todas as urgências que reencaminham para cá”. À pergunta, “então o que faço com o meu filho?”. A secretária aconselha: “Ligue de novo para o SNS24 e diga que não podemos atender aqui”.
Assim que entra no carro com o marido e o filho, Joana liga de novo e conta o que aconteceu. R. é reencaminhado para a urgência do hospital do Montijo. Chega e pouco depois vai à triagem, espera para ser observado e a médica pede um RX. Faz o exame e aguarda, quando é finalmente chamado os pais pensam que terão um diagnóstico, mas a médica diz-lhes que o RX é inconclusivo e queria que o exame fosse observado por um colega ortopedista. Compreendem. A médica envia o exame para o colega de serviço na urgência do Hospital do Barreiro, que diz o mesmo: “O RX é inconclusivo”, e aconselha a que criança seja observada presencialmente para se perceber se há lesão mais profunda. Só que, avisou logo, R. não poderia ir ao Barreiro, a urgência pediátrica estava fechada.
Perante isto, a médica do Montijo diz aos pais que a opção é ir à urgência pediátrica do Garcia de Orta, embora não soubesse se lá haveria ortopedista pediátrico, ou à do Hospital da Estefânia, em Lisboa.
Para não andarem mais de um lado para o outro com R., que já não punha o pé no chão, os pais decidem ir à Estefânia. Quando chegam assustam-se - a sala de espera está cheia -, mas pouco depois de se apresentaram no balcão com a carta da médica do Montijo a descrever a situação de R. e o motivo porque estão ali, são chamados à triagem e depois encaminhados para a sala de ortopedia. Daqui até à observação e ao diagnóstico final, foi rápido também. R. fez “uma fissura no osso do tornozelo”.
O regresso a casa aconteceu já pela 01:00 da madrugada. Para os pais, “seguir as regras custou-nos caro, mais de seis horas de um lado para o outro e muita despesa. Confesso que se houver uma próxima vez, a tentação é ir logo direito à Estefânia”, conclui o pai.