Dia Nacional
31 março 2024 às 00h01
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Mais de 30% dos sobreviventes de AVC entram em depressão

Portugal regista todos os anos entre 25 a 30 mil casos de Acidente Vascular Cerebral, uma das principais causas de morte. Quem sobrevive, lida não só com limitações físicas mas também mentais e emocionais.

Aos 20 anos, ninguém espera dar entrada num serviço de urgência e ouvir o diagnóstico de AVC. Aconteceu a Ana Rita Rodrigues, em 2014, na Guarda. Um Acidente Vascular Celebral Isquémico secundário a displasia fibromuscular da carótida interna esquerda, que a deixou quatro meses internada e com um grau de incapacidade na ordem dos 70%. Aquela que é a primeira causa de morte em Portugal, responsável por cerca de 500 óbitos todos os meses (estima-se que 25 mil a 30 mil pessoas sofram um Acidente Vascular Cerebral todos os anos em Portugal) deixa muitas vezes os sobreviventes em mau estado. O testemunho de Ana Rita é um dos que figuram na página Portugal AVC – União de Sobreviventes, Familiares e Amigos – que este domingo assinala o Dia Nacional do doente com AVC. 

Tal como acontece com a esmagadora maioria dos sobreviventes, depois de tentar a recuperação física, a jovem (hoje com 30 anos) percebeu que resgatar a vida seria uma tarefa que passaria muito pela saúde mental. “Enquanto lutava para que tal acontecesse, lutava também contra demónios do meu interior, a depressão, ansiedade e o sentimento de paralisia psicológica”. 

“O calcanhar de Aquiles é mesmo a imagem corporal depois de um AVC. Principalmente quando o acidente acontece no hemisfério esquerdo, afetando o corpo do lado direito (o meu caso), associa-se a uma redução da autoestima. O facto de estarmos tão vulneráveis às outras pessoas. Se alguém, e falo com experiência própria, nos faz um olhar mais demorado começamos logo a imaginar as ideias que lhes assombram o pensamento. Geralmente assumimos de imediato um sentimento de pena por parte dos outros, reduzindo ainda mais a nossa auto estima”, refere Ana Rita Rodrigues.

O psicólogo Alexandre Bogalho conhece bem esse sentimento, transversal a todas as idades. Ao longo dos últimos anos acompanhou centenas de doentes no Centro de Reabilitação Rovisco Pais, na Tocha, a unidade que serve toda a região centro do país.

Apoio psicológico: uma luz na escuridão

“O AVC é uma condição devastadora, que afeta milhões de pessoas em todo o mundo a cada ano. Além das limitações físicas manifestas que podem resultar de um AVC, existem conjuntamente as consequências menos visíveis, mas igualmente impactantes, que afetam a função cognitiva e emocional do indivíduo. Essas podem variar desde défices de memória e atenção até à ocorrência de depressão, uma condição muitas vezes silenciosa, mas que exerce um peso imenso sobre o indivíduo, na sua família e amigos”, afirma ao DN este psicólogo clínico, dedicado à neuropsicologia. “É nesse momento crítico que nós temos um papel que se destaca como uma luz de esperança no meio da escuridão”, sublinha Alexandre Bogalho, considerando que [os psicólogos] são os “guardiões da reabilitação cognitiva, trabalhando incansavelmente para ajudar os pacientes a recuperar as suas habilidades cognitivas perdidas e encontrar um novo equilíbrio e funcionalidade intelectual nas suas novas vidas”.

A Ordem dos Psicólogos há muito que debate o fenómeno da prevalência das perturbações depressivas nos sobreviventes de AVC. O bastonário, Francisco Miranda Rodrigues, recorda o que dizem os últimos estudos: 33% dos doentes que sofreram um AVC sofrem de depressão. “Isso acontece sobretudo nos casos em que a doença tenha provocado afasia, perda da capacidade de expressão, ou perdas que condicionem o funcionamento no dia a dia”. Mas lembra que neste caminho cruzado entre a saúde mental e o AVC, também acontece um sentido inverso: “o stresse também está associado ao risco de se sofrer um AVC. Mas a depressão também pode aumentar esse risco”, recorda ao DN. “E isso acontece de uma forma significativa. Há estudos que apontam para um aumento na casa dos 30 a 40% do risco de AVC em pessoas deprimidas”.

E esse é um fenómeno “que vem dificultar ainda mais a recuperação das pessoas”. “Porque quando estamos com uma perturbação depressiva, a dificuldade para nos envolvermos num conjunto de atividades, que pode ser o adequado para a situação em que a pessoa de encontra, torna-se muito mais difícil. O esforço é muito maior”, explica Miranda Rodrigues.

“Sabe-se que as pessoas beneficiariam de uma intervenção psicológica para os ajudar a recuperar dessa situação depressiva, e com isso estaríamos a ajudá-las também a recuperar mais rapidamente das consequências do AVC. Mas para isso é preciso que existam psicólogos nos serviços”, insiste o bastonário. “Infelizmente a situação nos Centros de Saúde mantém-se mais ou menos na mesma: existem cerca de 300 em todo o país. Seria preciso pelo menos duplicar”. 

A esperança nas células estaminais

Entretanto, está em curso uma investigação para o desenvolvimento de um tratamento inovador para o AVC à base de células estaminais mesenquimais, revelou no final da semana a Crioestaminal, o maior banco de células estaminais da Península Ibérica, sediado em Portugal.

A recuperação funcional e as melhorias na qualidade de vida dos doentes que sofreram um AVC isquémico parecem ser as principais vantagens do recurso a células estaminais mesenquimais, que estão presentes em fontes como a medula óssea, o tecido adiposo e o tecido do cordão umbilical. “Esta é a conclusão de um artigo científico, publicado na revista Frontiers in Stroke, que analisou a segurança e a eficácia da utilização deste tratamento inovador com base em artigos científicos publicados nos últimos 20 anos”, refere um comunicado da Crioestaminal, que desenvolve este projeto em parceria com a Universidade de Coimbra e a Universidade da Beira Interior.

dnot@dn.pt

Tópicos: AVC, Depressão, saúde