De facto, que esplêndido hotel teria dado. Espaço sobre o mar, soalheiro na primavera, a permitir jardins floridos, aconchegado no inverno pelo barulho das ondas na costa acidentada. Terraços privativos com vistas únicas. Um mergulho no bom gosto, exclusivo, para hóspedes escolhidos a dedo. Quem pensou transformar o Forte de Peniche em luxo para turistas sabia o que fazia. Cenário perfeito, para - cereja no topo do bolo - uma lenda romântica. “Há muitos anos, conta-se, um homem chamado António ter-se-á atirado daqui ao mar por amor.”
Não é uma lenda, aconteceu. Foi em 1954, mas parece ontem. O homem chamava-se António, António Dias Lourenço, e atirou-se ao mar da última grade, a mais brutal de todas as que foi obrigado a transpor. Por amor, é verdade. Amor a uma ideia para o país dele.
Estudado o movimento dos guardas, provocara um castigo que o levasse ao “segredo”, a “cela de castigo”, obscura, sem ventilação nem mobiliário, situada no baluarte redondo do forte. Com uma faca que um guarda desatento deixara cair, removeu uma parte da porta. Ao fim de longos dias de trabalho, conseguiu sair do buraco onde o encarceraram. De um cobertor desfiado fez uma corda, lançando-se à água.
Na inauguração do Museu Nacional Resistência e Liberdade, 50 anos depois da libertação dos últimos presos políticos daquela prisão, mais de duas mil pessoas reunidas no forte afirmaram a uma só voz: passem os anos que passarem, sucedam-se quantos séculos forem, haverá sempre quem grite: “Foi ontem, e não voltará a repetir-se.”