Educação
08 janeiro 2024 às 07h57
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Professores contratados continuam sem atualização dos salários

Medida foi anunciada há um ano, mas os docentes não receberam o prometido aumento da remuneração. Governo ainda não cumpriu diretiva europeia, que exigiu o fim da discriminação dos professores contratados.

Em novembro de 2021, a Comissão Europeia (CE) abriu um procedimento contra Portugal, alegando que a discriminação dos professores contratados violava a legislação comunitária. Isto porque, um professor contratado recebia sempre o mesmo vencimento, independentemente do tempo de serviço realizado. Na prática, um docente com 20 anos de serviço era remunerado pela mesma tabela de um recém-licenciado, sem qualquer experiência no ensino.

Há um ano e após críticas sucessivas da CE, o Ministério da Educação (ME) anunciou a criação de três escalões de vencimento para os docentes sem vínculo (existia apenas um escalão), respondendo assim às exigências europeias. Contudo, volvido um ano, nada mudou e os professores continuam à espera do cumprimento do decreto, publicado em Diário da República em maio de 2023.

Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), confessa tratar-se de uma medida que não está a realizar-se com a “rapidez necessária, o que cria desânimo nos docentes abrangidos por esta justa iniciativa”.

“Prevê-se que ainda esta semana poderá abrir a plataforma para as escolas validarem os requisitos, mas não é possível vislumbrar a data do início do pagamento”, adianta ao Diário de Notícias.

Questionado sobre a justificação para o atraso na aplicação do decreto-lei, o responsável diz desconhecer o motivo e sublinha que, “quanto mais tempo demorar a chegar às contas bancárias dos docentes os efeitos práticos desta medida, mais aumenta o descontentamento dos professores”.

O ME já fez saber que haverá lugar ao pagamento de retroativos, mas, para Filinto Lima, esse anúncio não atenua o descontentamento da classe docente. “A não-celeridade na execução de medidas positivas, como esta, pode ter efeito contrário”, justifica.

Opinião partilhada por Ana Soares, professora contratada. A docente confessa ter pensado em desistir da profissão, uma a decisão adiada foi após o anúncio da atualização dos vencimentos. Professora há 14 anos, encontrava-se, antes do anúncio da medida, “cansada de ser mal paga, mesmo com toda a experiência adquirida”.

“Embora continue a não achar justo que colegas vinculados com menos tempo de serviço que eu recebam mais, poder ter o salário mais ajustado à minha dedicação ao ensino ao longo destes últimos anos foi um incentivo para continuar”, explica. Contudo, a professora diz ter sido “apanhada de surpresa por este atraso”. “Foi há um ano que foi anunciado e nunca pensei chegar a 2024 sem ver aumentos no vencimento. Faz diferença para quem está, como eu, deslocada de casa e tem de fazer face a muitas despesas. Estes pequenos ajustes no ordenado são uma grande ajuda e são mais que justos”, conclui.

Recorde-se que o Governo criou três escalões de vencimento para os professores contratados. A cada quatro anos de serviço, os docentes passam para o escalão seguinte, mediante cumprimento de outros requisitos, como a frequência de formações e aulas assistidas. É também dessa forma que professores do quadro podem progredir na carreira. Esta forma de progressão foi alargada, o ano passado, também para os contratados, embora estes só possam subir dois escalões. A cada escalão, são aumentados cerca de 160 euros brutos mensais.

Pedro Barreiros, secretário-geral da Federação Nacional de Educação (FNE), no decorrer das negociações entre os sindicatos e o ME, manifestou-se contra o limite de subida apenas até ao 3.º escalão, por considerar estar em causa o princípio de equidade entre docentes. “Alguém que está ao serviço da mesma entidade empregadora, deve ser remunerado pelas regras aplicadas aos demais”, justifica.

O sindicalista recorda não ter havido explicação por parte do ME sobre o limite imposto à progressão. “Se cada escalão tem a duração de 4 anos, partiram do pressuposto de que não havia muitos com mais de 12 anos de serviço, mas há muitos contratados com mais do que isso”, refere.

Questionado pelo DN se este será um tema que a FNE levará, de novo, ao debate com o próximo Governo eleito, Pedro Barreiros adianta que será abordado de forma diferente. “Aquilo que nos importa é que sejam abertas todas as vagas necessárias para que estes docentes que não se conseguem vincular possam ingressar nos quadros. É a melhor forma de combater a precariedade”, afirma.

Confessando não contar com mudanças neste ponto este ano, adverte ter um “aliado” que poderá pesar nas alterações das condições dos professores contratados. “O nosso aliado é a falta de professores. O sistema vai ter de se abrir à vinculação. O ME está a tomar medidas para  Lisboa e Algarve, mas já sabemos que, em 2030, será o Norte a sofrer com a mesma escassez”, diz.

O secretário-geral da FNE relembra serem necessários cinco anos para formar um professor e que, por isso, “seja quem for que venha a assumir a pasta da Educação, não pode olhar apenas para a sua legislatura, mas deve tomar medidas a médio e longo prazo”.

O DN contactou o Ministério da Educação para obter esclarecimentos sobre este assunto, mas não obteve resposta até à hora de fecho desta edição.