Cinema
17 abril 2024 às 08h18
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O leão da Metro faz 100 anos

Tão lendário quanto inconfundível, o símbolo da Metro Goldwyn Mayer está ligado a muitos títulos de sucesso, de E Tudo o Vento Levou aos filmes de James Bond, passando pelos gloriosos musicais da década de 1950 - o estúdio foi fundado há exatamente um século, no dia 17 de abril de 1924.

Lon Chaney, ator cujo nome é indissociável dos primórdios do cinema de terror, foi a vedeta de He Who Gets Slapped/ O Palhaço, um dos títulos realizados em Hollywood pelo mestre sueco Victor Sjöström. O filme surgiu a 9 de novembro de 1924 nas salas dos EUA, entrando para a história como a primeira produção dos estúdios da Metro Goldwyn Mayer - a MGM tinha sido fundada poucos meses antes, a 17 de abril, faz hoje 100 anos.

Agora, se procurarmos no YouTube o trailer  de um dos próximos lançamentos da MGM - Challengers, de Luca Guadagnino, com Zendaya  (estreia portuguesa: 25 de abril) -, podemos confirmar que há um elemento simbólico que persistiu ao longo de um século. A saber: o célebre leão no emblema do estúdio, com a frase latina “Ars gratia artis” (“A arte pela arte”).

A história iconográfica do “leão da Metro” é tão contrastada quanto a do próprio estúdio. Entre os vários animais que figuraram na abertura dos filmes da MGM, um deles, de nome Jackie, foi mesmo protagonista de digressões internacionais - viveu entre 1915 e 1935, tendo o seu rugido abrilhantando as produções da MGM de 1928 até 1956. Agora, essa iconografia apresenta um complemento informativo (uma linha na base da imagem) que está longe de ser secundário: “An Amazon Company”. Isto porque Jeff Bezos, o patrão da Amazon, comprou a MGM em 2022 pela módica quantia de 8,45 mil milhões de dólares (contas redondas, 8 mil milhões de euros).

O atual herdeiro de Jackie, a rugir desde 2021 - estreado na abertura de Respect, filme biográfico sobre Aretha Franklin -, já não é animal, mas sim digital, gerado por técnicas de computador (CGI). Dir-se-ia um herdeiro insólito do chamado “leão estilizado” lançado em 1968: o estúdio quis promover uma imagem mais “moderna” do seu símbolo, adotando um desenho circular da cabeça de um leão. A solução teve vida efémera, surgindo apenas nos filmes estreados ao longo desse ano, incluindo 2001: Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick. 

Lon Chaney em O Palhaço (1924), primeira produção da MGM.

A figura de Thalberg

Referência obrigatória no imaginário cinéfilo, a MGM integra no seu nome uma espécie de síntese do seu conceito fundador e também da sua evolução histórica. Dito de outro modo, a Metro Goldwyn Mayer nasceu da fusão de três companhias: a Metro Pictures (com filmes decisivos na carreira de estrelas como Buster Keaton, Lillian Gish ou Marion Davies), a Goldwyn Pictures (já identificada pelo leão que o novo estúdio conservou) e a Louis B. Mayer Pictures (com Anita Stewart como atriz mais popular).

Essencial na conjugação destas entidades fundadas em 1915, 1916 e 1918, respetivamente, foi Marcus Lowe, na altura proprietário de uma rede de salas de cinema, também ligadas ao teatro (em particular ao vaudeville), em que se incluíam espaços lendários como o American Music Hall, em Nova Iorque, a Metropolitan Opera House, em Filadélfia, e o Lowe’s Grand Theatre, em Atlanta - foi esta sala que, a 15 de dezembro de 1939, acolheu a estreia de E Tudo o Vento Levou, de Victor Fleming, uma das referências míticas do património da MGM.

Para Lowe, numa altura em que as leis da concorrência no mercado americano ainda estavam longe de estabelecer limites à presença nos estúdios nos circuitos de exibição, a equação era simples: a rentabilização dos filmes necessitava de uma ampla rede de salas. Com um complemento “perverso”: as muitas salas que possuía exigiam a produção regular de cada vez mais filmes.
Assim aconteceu. A MGM rapidamente consolidou um importante volume de produção, com mais de uma centena de filmes nos primeiros dois anos do estúdio, incluindo Ben-Hur (1925), de Fred Niblo, com Ramon Novarro.

Para tão exuberante crescimento, com a grandiosidade do espetáculo a nascer de uma sofisticada fabricação técnica e artística, foi decisivo o contributo de Irving Thalberg na qualidade de diretor de produção da MGM.

Foi com Thalberg que o estúdio consolidou uma galeria de eleição com intérpretes tão populares como Greta Garbo, Joan Crawford e Clark Gable, ao mesmo tempo gerando clássicos como A Viúva Alegre (1925), de Eric von Stroheim, A Multidão (1928), de King Vidor, ou Uma Noite na Ópera (1935), com os Irmãos Marx sob a direção de Sam Wood. 


Quer isto dizer que foi também Thalberg que geriu a complexa e, em muitos aspetos, dramática passagem do cinema mudo para a produção sonora. O seu trabalho e a sua vida privada serviram de inspiração para a personagem de Monroe Stahr, em O Último Magnata (1941), o romance inacabado de F. Scott Fitzgerald. Curiosamente, a sua adaptação ao cinema, realizada por Elia Kazan em 1976 (entre nós lançada como O Grande Magnate), não foi produzida pela MGM, mas sim pela Paramount Pictures - Monroe Stahr é interpretado por Robert De Niro. 

Gene Kelly em Serenata à Chuva (1952), símbolo universal do género musical.

Musicais & etc.

Para lá destes e muitos outros clássicos, o prestígio e a popularidade da “marca” MGM estão intimamente ligados aos musicais que o estúdio produziu nos Anos 1940/50 - com alguma ironia, podemos recordar que a MGM foi o último dos grandes estúdios de Hollywood a integrar o som nas suas produções, e um dos primeiros a explorar as potencialidades do Technicolor.


Foi sob a direção de Arthur Freed que a unidade de produção musical da MGM (historicamente reconhecida como uma das mais autónomas no interior do estúdio) integrou figuras como Judy Garland, Fred Astaire ou Gene Kelly, criando clássicos que há muito transcenderam as fronteiras das modas. Para ficarmos pelo início da década de 1950, lembremos a admirável trilogia formada por Um Americano em Paris (1951), de Vincente Minnelli, Serenata à Chuva (1952), correalizado por Gene Kelly e Stanley Donen, e A Roda da Fortuna (1953), de novo sob a direção de Minnelli.

Daniel Craig em Skyfall (2012), o maior sucesso de James Bond.


Nos Anos 60, já envolvida também na produção televisiva, a MGM torna-se um estúdio algo à deriva, aliás em paralelo com o que estava a acontecer em toda a paisagem de Hollywood - era o fim do classicismo e dos seus conceitos de produção e difusão. O que, entenda-se, não impediu o aparecimento de títulos tão marcantes e tão populares como A Conquista do Oeste  (1962), síntese temática e mitológica dos temas dos westerns das décadas anteriores com uma realização tripartida (John Ford, Henry Hathaway e George Marshall), ou Doutor Jivago (1965), de David Lean, a partir do romance de Boris Pasternak. Foi também a época de sucessos como Doze Indomáveis Patifes (1967), de Robert Aldrich, e O Desafio das Águias (1968), de Brian G. Hutton, ambos explorando um conceito espetacular de “ação”, transfigurando a herança dos clássicos sobre a Segunda Guerra Mundial.


A caminhada até à atual conjuntura, com a MGM a integrar o império da Amazon, foi sendo pontuada por muitas convulsões - desde a compra do estúdio pelo magnata Kirk Kerkorian, “desviando” o estúdio para o negócio de hotéis e casinos, passando pela ligação à falida United Artists, desembocando num consórcio em que, no princípio deste século, MGM e Sony Pictures chegaram a coexistir.


Diz-se, por vezes, que a MGM começou em queda a partir de um dos maiores sucessos da sua história: a versão de 1959 de Ben-Hur, com assinatura de William Wyler. Se queda houve, foi transversal a toda a máquina de Hollywood, além de que convém não esquecer que estavam ainda por nascer os dois franchises, cuja popularidade não se desvaneceu: os filmes de Rocky, com Sylvester Stallone, e a coleção de James Bond - em termos absolutos, Skyfall (2012), de Sam Mendes, com Daniel Craig no papel do agente secreto 007, continua a ser o filme mais rentável da história da MGM.Mas, se corrigirmos os números das bilheteiras com os valores relativos do preço dos bilhetes ao longo de um século, ninguém bate E Tudo o Vento Levou.