Em vésperas das eleições legislativas, os partidos apresentam medidas para os vários setores, incluindo a defesa, e importa saber se os principais interessados foram consultados na elaboração dos programas eleitorais. “Nenhum partido nos recebeu [especificamente para elaborar os programas eleitorais]”, confirmou ao DN o presidente da Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA), António Mota, apontando também que, desde 2011, o setor perdeu um terço dos efetivos, dada a baixa atratividade da carreira. A acrescentar uma camada de tensão a esta crise vivida pelos militares, no final da semana passada as associações do setor mostraram abertura para organizar protestos públicos, como resposta à reivindicação da PSP e da GNR, que exigem receber subsídio de risco igual ao dado à PJ. Sobre a manifestação dos militares, a ministra da Defesa, Helena Carreiras foi peremptória: “Não é aceitável”.
A mesma atitude foi seguida pelo chefe do Estado-Maior da Armada, o almirante Gouveia e Melo. “É inadmissível”, considerou.
Ao DN, António Mota confirmou que há estudos “que dizem que os militares das Forças Armadas, em média, ganham menos 20% que a GNR e a PSP. Se eles vierem a ter esta atualização do subsídio de risco, que tem um valor substancial, - e nós defendemos que não se deve nivelar por baixo, defendemos que se deve nivelar por cima, e não é só dar por dar, eles têm toda a razão - nós ficaremos a ganhar entre 27% e 30% menos que eles.”
Em adição a esta insatisfação, as associações militares apontam o dedo aos partidos. “Se continuarem as políticas a seguir os mesmos caminhos, nós perdemos mais efetivos”, continuou o presidente da AOFA, acrescentando que em 2023 os três ramos das Forças Armadas perderam 980 militares face ao ano anterior.
Sobre a carreira, António Mota desabafa: “A malta prefere ir para o Mercadona [cadeia de supermercados] porque ganha mil euros, em vez de estar a ganhar o ordenado mínimo”.
Segundo dados recolhidos pela AOFA e partilhados com o DN, entre 2011 e 2023 as Forças Armadas perderam 32,44% dos efetivos, enquanto a PSP, no mesmo período, perdeu 4,61%. Já a GNR aumentou as suas fileiras em 0,46%.
Quanto aos partidos, se por um lado o PS, no seu programa, promete fazer “aprovar uma Lei de Programação de Efetivos para as Forças Armadas, por forma a garantir os recursos necessários”, a Aliança Democrática (AD, a coligação entre PSD, CDS e PPM) garante que pretende “reverter a curva descendente do nível de recrutamento”. Porém, nenhum destes dois partidos, os mais apontados para herdar a governação, assume um período para cumprir estas metas. O mesmo acontece com o compromisso assumido com a NATO, em 2014, de investir 2% do Produto Interno Bruto (PIB) em defesa.
Com a falta de compromisso por parte dos partidos e com os governos anteriores sem respostas dadas ao setor, impõe-se um olhar ao que as Forças Armadas podem fazer.
“Os militares não fazem manifestações, nós não andamos na rua, não subimos as escadarias da Assembleia da República e descemos a brincar”, sustenta António Mota, antes de admitir que os militares têm “canais próprios de tentativa de influência”. “Nós falamos com muita frequência com a Presidência da República, por exemplo. Falamos com muita frequência com a ministra da Defesa, e com os partidos políticos [ainda que não seja no contexto de elaboração dos programas eleitorais] e com os chefes militares. Portanto esse é o nosso caminho.”
Com os canais diplomáticos definidos, o presidente da AOFA lembra que “nada impede os militares de fazerem manifestações”, desde que sejam seguidos “determinados critérios”.
“Não vou dizer que não vamos fazer, porque se continuarem a não dar resposta nenhuma aos militares e derem apenas - e têm toda a justiça - aos polícias, aos professores, aos médicos, nós às tantas vamos dizer, espera aí, estão a brincar connosco. Quer dizer, nós somos o fim da linha para tudo. Então aí a malta vai fazer barulho, só que aí é muito grave, porque uma manifestação de militares das forças armadas, institucionalmente tem um peso que não tem uma manifestação nem dos polícias”, sublinha António Mota. Perante isto, o representante dos oficiais deixou duas coisas muito definidas nas declarações ao DN: “Os militares juram guardar e fazer guardar a Constituição, se necessário, e dar a própria vida para o país”, e não resolvem as coisas com “berraria na rua”.