Entrevista DN/TSF
01 junho 2024 às 09h06
Leitura: 34 min

António Leitão Amaro: “Precisamos de uma imigração melhor e regulada. Algumas regras vão ser apertadas”

O ministro da Presidência levanta um pouco o véu sobre as linhas mestras do plano de ação paras as migrações que vai ser apresentado na segunda-feira. Regras mais apertadas nas entradas, correção da Lei de Estrangeiros nos artigos que deixaram as “portas escancaradas” e prioridade aos imigrantes da CPLP.

Um dos temas mais complexos que tem sob a sua tutela são as migrações. Ao dia de hoje, qual é o diagnóstico que nos pode fazer sobre a situação?
Muito difícil. Estou a tentar manter o tema num grau de discussão pública com moderação, sem alimentar radicalismos e populismos, mas os portugueses devem saber que, provavelmente, a par da Saúde, a política migratória é dos grandes falhanços do Governo anterior.

É das heranças mais pesadas que recebemos. Não só porque houve opções erradas de leis e de regras de entrada e de regularização em Portugal, mas também pelo colapso das instituições, resultado das escolhas e do processo de extinção do SEF - na forma como foi implementado e no desinvestimento nas pessoas e nos equipamentos.

Ou seja, a situação é francamente a de um erro político profundo do governo anterior, que tem consequências nos fluxos migratórios e criou um limbo indigno em que vivem milhares de pessoas hoje em Portugal. A referência a existirem mais de 400.000 pendências, processos que não estão decididos, pessoas que não têm a sua situação regularizada relativamente à residência por falta de resposta do Estado, por causa dessas regras e por causa do colapso institucional, é muito preocupante. É uma situação indigna e, obviamente, exige do governo novo respostas novas. Isto tem e vai ser resolvido.

E que respostas tem o Governo para isso?
Na segunda-feira vai ser apresentado um plano de medidas para as migrações em Portugal. Depois de uma deliberação do Conselho de Ministros, apresentaremos cada uma das medidas.

O que vos posso dizer? A nossa visão assenta nestas três ideias. Portugal precisa de imigrantes, mas precisa de regras. Melhores regras, em alguns casos, regras mais apertadas. Portugal precisa de atrair imigrantes qualificados e de acolher bem os que cá estão.

A situação atual de uma fiscalização que está a falhar, quer na entrada, quer no território nacional, de regras que estão desajustadas, designadamente em relação à entrada, depois resulta numa degradação manifesta do aparelho de integração. Já fomos uma referência no mundo pela nossa capacidade de integração. É evidente que há uns anos o número de imigrantes era muito inferior.

Mas este aumento significativo não podia ter deixado de ser acompanhado por um reforço da capacidade de integração, designadamente no apoio e na parceria com as entidades locais, organizações não governamentais, desde as religiosas, ás de base civil, as comunidades de imigrantes e as suas associações. E hoje, o que nós vimos neste mesmo período em que entra mais gente? As regras estão erradas, não despachamos os processos e  essa ligação está a diminuir e a degradar-se.

Todo o processo de A a Z na imigração se degradou. E não foi apenas por causa do aumento da procura. Foi porque o Estado, francamente, falhou por escolhas e por incapacidade de implementação. Nessa medida, temos pela frente uma tarefa extraordinariamente exigente.

Essas 400.000 pendências que nos referiu, inclui os pedidos de entrada para trabalho em Portugal e refugiados que pedem asilo. Quantas pessoas estão exatamente regularizadas e de quantas estão à espera?
O número certo ainda não está disponível. O que nós sabemos é o número aproximado dos que foram regularizados no ano passado. Segundo números que nos chegam da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA). Terão sido no ano de 2023, perto de 170 / 180.000 mais regularizações. Mas reparem, é sintomático da degradação do aparelho institucional que não seja possível, à data de hoje, dar um número preciso e exato do fluxo migratório. 

Neste momento as autoridades não conseguem revelar qual é o número certo de pessoas imigrantes, seja refugiados, pedidos que estão em território nacional a aguardar a sua regularização? Isto diz o quê das nossas instituições? Sem isso não se conseguem definir políticas públicas de integração. Se não sabemos quantas pessoas cá estã, quem são e o que fazem, como é que é possível definir essas políticas e como é que o Governo vai impedir que isso continue a acontecer?
São duas perguntas separadas, uma sobre o presente e outra sobre o futuro. Sobre o presente. É isso mesmo que eu tinha acabado de dizer. É inaceitável esta falta de informação e de um sistema de dados que nos dê a cada momento a fotografia completa. Serão cerca de 400.000 processos pendentes. Nem todas estas pessoas estarão em Portugal, porque nós temos pendências que recuam no tempo seis, sete anos...

São manifestações de interesse?
Não apenas. Estamos a falar de todo o ciclo de processos pendentes, que inclui as manifestações de interesse para a primeira autorização de residência, pedidos de reagrupamento familiar, pedidos de vistos, renovação de vistos ou das autorizações de residência, processos dos vistos dos cidadãos da CPLP (Comunidade dos Países e Língua Oficial Portuguesa). As situações dos requerentes de asilo que poderão ficar sob proteção internacional são grupos diferentes.

Também quero chamar atenção para um facto, que não abona a favor da robustez da avaliação dos números. Mas a perspetiva que existe é que uma parte dos 400.000 tenham sido manifestações de interesse que perante a falta de resposta do Estado, vários desses requerentes tenham saído do território nacional. Agora, a outra coisa que nós sabemos é que perante o fluxo atual, muito resultante das regras existentes, as entradas são largamente superiores à capacidade atual de resposta. 

Um relatório hoje divulgado pelo Expresso fala numa média de 700 novos pedidos por dia...
Uma média de 5000 por semana e uma capacidade de resposta que poderá andar neste momento abaixo dos 2000.

Não há lugar a alguma medida que consiga travar ou suspender provisoriamente este fluxo?
Na segunda-feira vamos apresentar respostas que vão ao cerne das regras. Precisamos de uma imigração melhor, regulada e, portanto, sim, existirão acertos de regras. Por outro lado, uma política de atração de imigrantes especialmente focado qualificados e, por último, uma melhoria do todo o processo de acolhimento e integração para ser mais humano, mais célere e mais eficaz.  Atuaremos com este equilíbrio.

Portugal, por razões económicas, demográficas e sociais, precisa de mais imigrantes. Idealmente, o mais qualificados possível. Mas Portugal precisa de melhores regras. Significa algumas regras serem, se quiserem, apertadas. E isso é indispensável.  

Dentro dessas regras, é importante notar o seguinte: há várias maneiras e vários canais de entrada que merecem tratamentos diferentes. E há hoje um consenso na sociedade portuguesa. Na preparação deste plano, cuidámos de ouvir os grupos parlamentares e houve uma posição praticamente unânime de que, dentro dessas regras, faria sentido haver uma discriminação positiva, um tratamento mais favorável aos imigrantes que vêm de países da CPLP, por uma razão de proximidade cultural e linguística que torna a integração social mais fácil.  Há um largo consenso nacional para a existência de um tratamento mais favorável das pessoas que vêm dos países da CPLP.

Sim, mas depois, a nível europeu, isso pode ter alguns problemas, como já se revelou...
Lá está mais um exemplo de que mesmo quando houve boa vontade, houve uma grande incompetência na sua concretização. E agora nós temos de resolver também a indignidade em que estão hoje muitos cidadãos de países da CPLP que vieram ao abrigo de um regime, de um acordo de livre circulação, e depois chegam com papéis que não correspondem às capacidades para essa livre circulação e cujas renovações nunca mais acontecem.  

Se quisermos melhorar, é dignificando os compromissos que temos de livre circulação. Não há recuo, porque até isto está suportado num consenso nacional. Não há recuo na ideia de um acordo de livre circulação com os países da CPLP e destas regras, se quisermos, mais favoráveis. Agora podemos implementar isto dando qualidade aos dados e ao processo; dignidade e tratamento humano respeitador dos seus direitos.

Sem serem cidadãos europeus de segunda.
É exatamente este um dos pontos. Há muita gente que olha para este descalabro na política de imigração com uma perspetiva de receio e de intranquilidade. Este é o descalabro na política migratória que o governo anterior causou, na perspetiva da indignidade humana das pessoas que chegam e que ficam com as suas vidas suspensas, com as suas possibilidades profissionais em causa.

Chegam à boleia, entre aspas, ou atrás de uma ideia benevolente de que há abertura. Depois essa porta abre para um limbo de indignidade. E nós temos que receber bem e temos que regular a imigração para que, seguramente, garantirmos tranquilidade à nossa capacidade económica e social de integração. 

Mas quem é que garante essa qualidade aos dados? Esse trabalho vai ser feito pelas embaixadas? Vai ser feito a nível central entre o Ministério dos Negócios Estrangeiros e os países visados? 
A falta de qualidade dos dados existe desde logo nos nossos dados centralizados. Depois, obviamente, cada país é que gera os seus próprios documentos, com as suas características e nós e as nossas embaixadas fazem um esforço extraordinário. O ministro dos Negócios Estrangeiros e a sua equipa têm-no feito para procurar ir ajustando a atuação dos diferentes postos consulares às condições.

Há casos extraordinários de adaptação dentro do espaço da CPLP a procurar ajustar a capacidade de informação na origem. Esta questão dos nossos sistemas de informação não se coloca apenas para os processos de regularização da residência, mas desde logo na entrada nos aeroportos.

Há duas, três semanas, praticamente durante três dias, Portugal teve os sistemas de controlo nas fronteiras dos aeroportos em intermitência ou paragem. Isto significa o quê? A acumulação enorme de filas nos aeroportos de passageiros de voos que vêm de fora do espaço Schengen.

O mau tratamento para aquelas pessoas é péssimo para a imagem de Portugal como um bom destino turístico, portanto tem um risco económico e é um tratamento errado para aqueles visitantes. Simultaneamente, para a situação se resolver implica passar, em muitos casos, para controlos mais simplificados...

Controlo manual ?
Manual quando se consegue recorrer a cópias do sistema. Mas não estão em atualização, portanto são cópias datadas e isso também está errado. Neste caso estamos a falar apenas de software e  e hardware. 

Mas o que falhou exatamente?
O que aconteceu foi uma combinação de falta de assistência, de monitorização de más condições nas salas dos servidores, incapacidade do sistema de refrigeração da sala onde os servidores estavam a dada altura, e a falta de resposta adequada. Isto significa um profundo desprezo de quem governou por garantir o investimento mínimo para operarmos como um país que é bem governado.

E que medidas é que foram tomadas em relação a isso? Parece uma negligência pura, não é?
Foram várias coisas. Desde logo uma atuação no próprio dia, com a junção das entidades que utilizam o sistema em permanência, como o Sistema de Segurança Interna (SSI), a GNR e a PSP.  As equipas estiveram toda a noite a trabalhar e às  07h30 da manhã estavam reunidas à distância com as instituições europeias, a EU-LISA (Agência Europeia para a Gestão Operacional de Sistemas Informáticos de Grande Escala no Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça), designadamente.

Além do contacto telefónico, pedimos uma investigação aprofundada, liderada pelas autoridades de segurança, que fizeram vários reportes, com medidas de correção, quer para a sala dos servidores, quer para o sistema de alarme. Estamos a trabalhar olhando para o verão que aí vem, que vai naturalmente ser uma época difícil, o chamado verão IATA, porque há um aumento muito grande da procura, do tráfego aéreo e dos fluxos de passageiros.

Ainda em relação aos vistos CPLP tenho duas questões. Primeira, como é que vai ser feita a renovação dos títulos que estão caducados ou em vias de caducar? Segunda, já está sanado o processo de infração instaurado pela Comissão Europeia?
O processo não está sanado porque ele assenta nessa tal ideia, de que falava há pouco, dos cidadãos de segunda. Isto é, as pessoas chegam e recebem ao abrigo do regime CPLP, um papel que não as habilita ou não corresponde ao modelo uniforme do espaço Schengen. Não as habilita a ter a mesma mobilidade que todos os outros residentes.

Temos de trabalhar com os países da CPLP,  a Comissão Europeia e as autoridades do espaço Schengen para encontrarmos uma solução que dê dignidade, mantenha este espírito do acordo. É uma das medidas.

Das medidas que vão anunciar na segunda-feira...
Posso dizer que na segunda-feira, dia 3 de junho, começa o futuro da política de imigração em Portugal. Um novo futuro. Esse é um tema que precisa de resolução. A contraordenação não está resolvida com o sistema que existe hoje, sem fazermos as melhorias para que acordo de livre circulação seja valorizado.

Um dos pontos mais críticos da atual Lei de Estrangeiros são os artigos 88 e 89 que permitem a regularização em território nacional, independentemente de    que a entrada tenha sido ilegal. E isto permite enriquecer redes criminosas que aproveitam esta "porta escancarada", para usar um termo que o senhor primeiro-ministro usou na tomada de posse. Faz sentido manter estes artigos?
Uma parte importante do universo político dos grupos parlamentares reconhece que essas alterações feitas na lei desde 2017 para a frente criaram um problema sério, independentemente da sua benevolência.

A ideia de que, independentemente das condições de entrada, ao final de um ano de descontos, poder haver uma regularização, somada à paralisia da tramitação de processos, antes no SEF na fase final -  quando se fez aquela morte lenta do SEF que esteve praticamente três anos a ser extinto sem definição nenhuma  - e depois a transição muito incompetente feita para a AIMA, levou a que se acumulassem estes processos.

Eram artigos para regularizações excecionais que, praticamente, se tornaram regra.
Mesmo. E levou, segundo informação que nós temos, a que alguns especialistas passem em abusar do espírito subjacente e, portanto, o diagnóstico feito sobre essas soluções legislativas e a sua implementação é francamente negativo.

O semanário Expresso fala nesta nesta sexta-feira de um êxodo de funcionários da  AIMA.  Há condições para a AIMA se manter? A AIMA faz parte das soluções?
A extinção do SEF foi feita com este princípio. Tínhamos duas funções concentradas no SEF, a função policial de controlo da fronteira e fiscalização em território nacional e a documentação. Depois havia o Alto Comissariado para as Migrações (ACM), com o trabalho de integração.

Quem chega de forma regular e estiver com vulnerabilidades é apoiado e, na sua integração na comunidade portuguesa, no que diz respeito á aprendizagem de língua, partilha de valores culturais e sociais. Ora, por mais benevolente que a ideia tenha sido, a forma como foi feita resultou numa pulverização, uma distribuição desordenada, muito fragmentada das competências.

Temos  cerca de 600 / 700 inspetores da Polícia Judiciária (PJ)a apoiar a PSP no controlo de fronteiras, mas têm a sua saída para a PJ calendarizadas para Outubro deste ano ou Outubro do próximo ano.

A AIMA herdou um aparelho de integração que já estava sob pressão por causa do aumento de pessoas.

Já havia poucos recursos antes...
Sim. E ainda recebeu um processo de documentação profundamente desorganizado, com regras em alguns casos, como nas manifestações de interesse de que já falámos, desajustadas do ponto de vista da qualidade, da fiscalização e do controlo. Tivemos uma paralisia que precisamos de resolver. A degradação e a incapacidade de resposta existe hoje nas três vertentes.  

Esta ideia de procurarmos ter um sistema de atração de imigrantes qualificados é uma novidade para para Portugal. Mas temos que nos especializar nisso, porque é importante para a economia, para a demografia, para a sociedade portuguesa e para o nosso futuro duradouro. Implica muitas mudanças, procurarmos otimizar e preservar, dentro do possível, instituições que possam existir.  

O nosso plano terá também uma dimensão institucional e organizacional. Aproveitar o que seja para aproveitar. Não podemos inventar a roda desde o princípio, fazer tábua rasa em cada momento, porque senão perdemos qualquer capacidade que ainda subsista.

Quanto ao tema da saída dos trabalhadores da AIMA, não temos confirmação dos números noticiados, mas temos reporte de insatisfação e de preocupação. Queria deixar aqui uma palavra forte de solidariedade e compreensão para os trabalhadores da AIMA e, já agora, para o Conselho Diretivo foi.

Foram sujeitos a um fardo administrativo, a um peso de erros e, já agora, a 350.000 pendências. Logo para começar. Mas a crescer por causa das regras existentes. Muito duro. Portanto, precisamos de uma nova motivação. Faço-lhes um apelo para serem participantes de um novo futuro. 

Vão reforçar a AIMA? 
Temos de lhe dar condições diferentes. A responsabilidade do que temos não pode ser imputada aos trabalhadores da AIMA. 

E  ao Conselho Diretivo, na pessoa do  Presidente Luís Goes Pinheiro?
Todas as pessoas, incluindo o Conselho Diretivo da AIMA, receberam uma herança pesadíssima. A responsabilidade essencial da paralisação e da incapacidade de resposta está no governo anterior.

Na última visita que fez a Bruxelas terá ouvido coisas  de que não terá gostado sobre o funcionamento deste modelo. Continuamos no risco de ser suspensos do espaço Schengen?
Felizmente eu não preciso de fazer mais do que reportar a resposta do do Sistema de Segurança Interna (SSI) que fez um comunicado quando suscitaram dúvidas sobre as minhas declarações e as da Comissão Europeia.

Houve uma interpretação apressada e muito ligeira. Jamais diria que havia uma situação de risco se ela não tivesse sido partilhada, até por escrito, pelas autoridades de segurança nacionais e depois de viva voz por dirigentes de agências europeias.  

Reportando-me ao SSI, nós estivemos no princípio do ano no vermelho. Relativamente as regras de Schengen estivemos perante a perspetiva de chegarmos a Julho, no momento da validação do novo sistema de segurança de fronteiras, chamado Smart Boarders  e, principalmente, a Outubro, quando todos os países do espaço Schengen devem estar com o sistema operacional, e falhar.  Porquê? Porque a adoção deste novo sistema de controlo implica novos equipamentos informáticos, novos servidores, novos serviços e formação.

Os países pela Europa fora tiveram 18 meses para fazer isto. Com o compromisso de isto estar pronto no primeiro semestre de 2024. Quando eu entrei em funções só Portugal e Malta não tinham feito o trabalho.

Neste caso, até perdemos financiamento europeu e o anterior governo autorizou um ajuste  direto à última da hora de 25 milhões de euros...
Sim, como disse, quando começámos a governar Portugal estava no vermelho. O que  fizemos foi juntar todos os serviços do Estado que tipicamente demoram a interagir entre si, porque é preciso, de um lado, a aprovação orçamental, por outro lado, o tratamento da burocracia documental, falar com os fornecedores. Fazemos reuniões regulares, tenho reports todas as semanas sobre cada um dos contratos.

Pusemos mãos à obra. Hoje a avaliação do SSI é de que as coisas, depois da intervenção do Governo e do trabalho muito apurado do SSI, da secretaria-geral da Presidência do Conselho de Ministros e do Ministério das Finanças, estão a avançar à partida. Temos mais tranquilidade, mas não podemos desarmar.

Mas estará pronto no final do primeiro semestre?
Nós vamos ter de conseguir cumprir os prazos. Estamos a trabalhar. Por isso é que a Comissão Europeia diz hoje não está em cima da mesa a suspensão, porque nós estamos a trabalhar em calendários, a agilizar. Temos que conseguir no dia 6 de outubro, que é o dia em que o sistema europeu deve arrancar, ter o sistema a funcionar e validado pela EU-LISA e  as várias instituições europeias.

O que é que acontece se formos suspensos do sistema Schengen?
Somos tratados como um Estado não Schengen. Estando em Schengen temos outras possibilidades de acesso a todo o espaço dos países que dele fazem parte. Ou seja, há uma série de países europeus que hoje têm uma entrada aberta por causa da liberdade de circulação e que, enquanto vigorasse essa suspensão, teriam que ser tratados como os países não Schengen. Com todos os controlos de passaportes, por exemplo.  

Quando tivemos o problema de controlo nos aeroportos, de que vos falei, tivemos convencer a EU-LISA de que estávamos a controlar e a corrigir os problemas. Podia levar mesmo a uma suspensão temporária também. Felizmente conseguimos mitigar.

Queria só clarificar uma questão que ficou para trás, pois são matérias muito importantes para as nossas comunidades imigrantes. Sobre a renovação dos títulos CPLP, já sabem como é que vão fazer? Vão prolongar outra vez a validade destes vistos ?
Sim, sabemos como vamos fazer. Queria dar uma palavra tranquilidade a estas pessoas que cujos vistos, na maior parte dos casos, expiram, no final do mês, que foi quando foi feita a última prorrogação Até essa data, teremos uma solução que lhes dará a tranquilidade.

E o reagrupamento familiar como  vai ser? Neste momento estamos a incumprir as regras europeias nessa matéria...
Estamos cá para resolver as situações. É muito a parte da missão que este Governo recebeu. E não é só nesta matéria. A saúde, as dificuldades com todos os grupos de funcionários públicos, depois se refletem no colapso de muitos serviços ou pré-colapso de muitos serviços públicos. A guerra nas escolas, as dificuldades de acesso à saúde, as dificuldades na habitação, uma soma de problemas. E este governo só está comprometido com uma coisa, que é resolvê-los.  

O reagrupamento familiar é um conceito e é um instituto importante, porque não é apenas uma questão de dignidade, é uma questão de qualidade da integração. Um imigrante com a sua família tem possibilidades de sucesso no seu processo de integração, com uma qualidade de vida muito melhorada. Houve e há hoje uma dificuldade grande também nessa medida, na capacidade de resposta aos pedidos. E essa é uma situação que obviamente merece resolução.

Quando estiver em execução o vosso Plano de Ação para as Migrações, o Governo tem alguma estimativa de quantos emigrantes regularizados podemos ter no nosso país para o ano, por exemplo? Neste momento temos mais de 1 milhão...
Não temos quotas quantitativas. Já agora, também não fazemos e não vamos fazer em Portugal aquilo que alguns governos socialistas europeus estão a fazer, como levantar e levantar redes e barreiras, como o Governo socialista aqui ao lado. Limitar bairros com mais de uma certa proporção de imigrantes, que é uma solução do governo socialista da Dinamarca.

Nem vamos ter a obrigação de separação temporária dos filhos, como outros países governados por governos socialistas no norte da Europa. São as suas idiossincrasias. Não quero criticar,  mas não é esse tipo de opção do política deste governo.

Mas tem estimativa sobre o número de imigrantes que podem ficar regularizados? 
Não podemos ter essa estimativa nesse plano, porque isso era perguntar se íamos ter uma meta quantitativa ou essa quota. Não há quotas. Em segundo lugar, esse é um movimento natural, não é? O que podemos fazer é ajustar as regras de entrada. E isso acontecerá também para regular a imigração. E nós vamos ter uma imigração regulada. A abordagem de fixar uma meta quantitativa  seria outra abordagem. A abordagem é regular a imigração.

Com prioridade para os países CPLP...
Com tratamento diferenciado e prioritário relativamente aos imigrantes dos países da CPLP.

Sendo certo que cada vez que isso foi feito em qualquer país, nomeadamente na Europa, cada vez que se tentou regular limitar a entrada de pessoas, houve depois uma transferência para a área dos pedidos de asilo. É um risco o que está ponderado?
Queria usar alguma prudência a comentar o tema é a situação dos do processo de asilo hoje, porque é o grupo de pessoas onde a vulnerabilidade é maior. E é muito apto a uma exploração populista.

Neste momento, a capacidade de resposta, a capacidade de análise, de acolhimento - o esgotamento dos locais de acolhimento -  é também preocupante. Também precisa de resposta. Parte do nosso programa passa por melhorar e reforçar a capacidade de tratamento dos processos de asilo.

Para quê? Para que as respostas sejam dadas às situações merecedoras da proteção internacional e do estatuto de refugiado e as situações que o não são serem tratadas nos termos que devem ser. Hoje há dificuldades que assim seja, mas é algo que tem que avançar a par e passo, com a mudança nas regras para que a imigração seja efetivamente regulada. Regulada e humanista. As duas coisas.

Imigrantes a dormir na rua, em tendas, como está a acontecer em vários pontos da cidade, vão deixar de suceder de acordo com esse plano?
Temos de ter soluções e temos também soluções para a situação que temos hoje. Podemos comprometermo-nos com a adoção de medidas e meios para mitigar a esses problemas, que são uma indignidade para as pessoas que vivem naquelas condições, para os que vivem nos bairros onde essas situações ocorrem e que obviamente ficam preocupadas em verem aquela situação e precisam de resposta.

E nós queremos também respostas em parceria. E esse é um tema em que, obviamente, a principal resposta para a situação nas ruas é uma resposta dos municípios e, portanto, das áreas metropolitanas, muito em particular, as quais quero invocar e com as quais também dialogamos.

Há municípios com os quais dialogamos, não apenas o de Lisboa, mas vários outros onde a pressão é maior e encontrámos respostas. Portugal precisa de imigrantes, precisa de regras e de uma imigração regulada. Precisa de atrair mais qualificados e precisa de acolher com humanismo. É melhor do que está a fazer hoje.

O plano que  o Governo vai anunciar na próxima segunda-feira é na última semana da campanha eleitoral. Acha que vão contribuir para algum alívio ou para algum alguma saída de cena do tema da imigração, do debate político ou não?
Não podemos gerar expectativas erradas. Este problema não se resolve com uma decisão legislativa sequer. Nem com uma varinha mágica. A regularização de mais de 400.000 pendências vai demorar tempo. O que é que eu tenho a certeza? Uma convicção forte, pelo menos. Que se nada fizermos, se esta situação de grande complexidade nas migrações e na imigração se mantiver, estamos a criar um combustível para a polarização e a radicalização do discurso.

E às tantas já nem estamos a falar de factos. Estamos a falar de perceções. E algumas podem ser factualmente desajustadas. E perdemos a capacidade, enquanto sociedade moderada, para encontrar respostas. É esta a herança pesadíssima que  recebemos.

É urgente haver medidas para que este este tema, esta complexidade , seja lidado e que o fenómeno esteja sobre sob controlo político e administrativo. Isso demora tempo. Vão continuar naturalmente a existir queixas e problemas que, até serem resolvidos, não estão resolvidos e as queixas são legítimas. É um bocadinho como na Saúde, não é? Nós lançámos um plano de emergência e transformação na Saúde, com medidas estruturais, medidas urgentes e prioritárias.

Elas demoram a implementar se. Embora dos 9000 doentes oncológicos em lista de espera para além dos tempos, já conseguimos nestes 60 dias, depois da adoção das nossas medidas, que 1000 tivessem a sua cirurgia. E aqui vai acontecer à medida que o tempo passa. Esperemos que a situação vá estabilizando. O fenómeno das migrações é um bocadinho como conduzir ou navegar um petroleiro, para conseguir que ele vire.

Começamos a tomar medidas e ele só vai virar um bom bocado à frente. Há fluxos migratórios que já estão em curso, de pessoas que têm informação sobre as circunstâncias que nós vamos ter de lidar e, portanto, é um plano urgente. Mas é um plano que precisa de tempo.