Candidato do Chega às eleições europeias
13 maio 2024 às 13h23
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Tânger Corrêa: "Acho que a extrema-direita não existe. É uma invenção da rapaziada do outro lado"

À frente do que diz ser a melhor lista de candidatos nestas eleições europeias, o cabeça de lista do Chega apresenta o controlo da imigração e das fronteiras como prioridade. Habituado a ser polémico, Tânger Corrêa faz distinções entre os que vieram para Portugal, mas garante que o seu partido não é extremista.

Entrevistado pelo DN na sexta-feira passada, à mesma hora que era acusado de antissemitismo, por dizer que ouviu nos meios diplomáticos de Telavive, quando era embaixador em Israel, que os judeus que trabalhavam nas Torres Gémeas do World Trade Center terão sido avisados para não irem trabalhar na manhã de 11 de setembro de 2001, António Tânger Corrêa aceitou o desafio de André Ventura para encabeçar a lista do Chega nas eleições europeias de 9 de junho.

Habituado a polémicas ao longo de décadas de carreira diplomática, e mais recentemente acusado de ser putinista, o vice-presidente do partido garante apoio à Ucrânia, defende ter a melhor lista de todas as que disputam os votos dos portugueses e aponta como objetivo unificar a direita soberanista para mudar a União Europeia a partir do Parlamento Europeu. 

O mandatário nacional da candidatura da Aliança Democrática (AD) às eleições europeias, Carlos Moedas, disse que o candidato do Chega reagiu à invasão da Ucrânia dizendo que esta foi culpa de Kiev. Tenciona responder ao presidente da Câmara de Lisboa, que até já foi comissário europeu?
Eu não disse isso. Foi um texto que me é atribuído e que não era meu. Antes disto acontecer, publicava textos completamente opostos ao que pensava, porque achava que o meu perfil era um espaço para as pessoas terem oportunidades de divergir, de forma civilizada. O que disse, e reitero, é que – e não conheço o processo desde o início – gostava de saber se podia ter havido uma negociação que evitasse o conflito. Uma vez a invasão feita, acabou qualquer razão que a Rússia pudesse avocar. Não tenho quaisquer dúvidas, nem pejo, de considerar que a Rússia é um país invasor, e a Ucrânia um país invadido.

Arrepende-se de ter publicado um texto, mesmo não sendo seu, a defender que os ucranianos “eram vítimas de decisões irrefletidas, idiotas e perigosas do governo de Kiev”?
Acho que o texto é um bocado radical, com toda a fraqueza. Mas gostava de saber se naquele período teria havido, ou não, a hipótese de haver uma solução à la Kosovo, ou pelo menos com a solução que a meu ver teria sido melhor para o Kosovo, que era a independência progressiva. De há dois anos para cá, a situação é esta e não há volta a dar.

Na altura, viu a posição do presidente do Chega, André Ventura, que desde o início condenou a invasão “sem meias palavras”, como uma espécie de aviso aos militantes do partido?
Como assim?

No sentido que era  aquela  a linha seguida pelo Chega.
Ele expressou a posição do partido. É o presidente; é aquela a posição do partido. Ponto final, parágrafo

Sendo eleito para o Parlamento Europeu, está disposto a contribuir com o seu voto para garantir a ajuda financeira e militar constantemente exigida pelo presidente Volodymyr ZelenskY?
Com o nosso voto, com certeza, naquilo que considerarmos que a Ucrânia beneficia. Gostava de esclarecer que sou sempre a favor, enquanto diplomata, de haver uma situação negociada, porque um conflito não pode ser eterno. Não sei qual será a altura, mas ninguém está interessado em negociar coisa nenhuma neste momento. Agora, não podemos deixar de ajudar a Ucrânia, porque se não a Ucrânia deixa de ter poder negocial quando precisar dele.

Não acredita que seja possível a União Europeia, e sobretudo a NATO, darem condições para a Ucrânia ter uma vitória militar sobre a Rússia?
Nós, europeus, não temos exércitos, não temos munições, as nossas indústrias de defesa foram quase todas destruídas, incluindo a portuguesa. Isso vai levar algum tempo a reavivar, e o Chega é a favor de um reforço da robustez a nível de defesa de todos os países da União Europeia, a começar por Portugal. Neste momento, acho que não temos essa robustez. Para mandarmos uma companhia mista, para a Roménia ou para a República Centro-Africana, andamos a rapar o tacho. Não podemos ter esta falta de efetivos.

Portanto, resta uma solução diplomática para o conflito.
Mas tem de ser uma solução diplomática robusta. Não pode ser uma que beneficie um dos lados e prejudique o outro, pois não vai durar muito tempo.

Essa solução pode passar por perda de território ucraniano, ou por garantias de não pertença a blocos políticos ou militares?
Não sei o que está em cima da mesa. Há um leque enorme de possibilidades, de acordo com o direito internacional. Resta saber se a Ucrânia e a Rússia conseguem acordar uma solução que ambos aceitem.

É aceitável que a Ucrânia se tenha que comprometer a não pertencer à NATO ou até à União Europeia?
Não, porque essa é uma decisão da Ucrânia. Neste momento, a Ucrânia está 100% decidida a aderir à União Europeia e à NATO. E as portas estão abertas, quer de uma organização, quer da outra.

No que toca à União Europeia, a delegação do Chega acolherá tal intenção?
Sem dúvida. A Ucrânia, a Sérvia e outros países, mas obviamente com condições...

Candidatar-se ao Parlamento Europeu, após décadas de carreira diplomática e de ser um dos raros altos dirigentes do Chega que não tinha sido submetido a votos...
O único.

...foi um desafio que aceitou com entusiasmo ou teve de ser convencido pelo líder do partido?
Depois da carreira diplomática, queria era estar com a família, com os netos, com os filhos, fazer vela, estar com os amigos, coisa que raramente fiz, pois estava longe. Mas vi que o país, nomeadamente na parte que me toca, estava muito pouco ou mal representado, e juntamente com o André Ventura decidimos avançar com a minha candidatura, por ser, nesta altura, a pessoa que talvez possa melhor contribuir para o trabalho no Parlamento Europeu. Vou-lhe dizer uma coisa: a lista e o programa que estamos a ultimar não são feitos para ganhar as eleições; são feitos para trabalhar depois das eleições. Isto é muito importante, porque temos, claramente, a nível de topo, a melhor lista de todas. Digo isto sem arrogância: se repararmos nos nomes, o Francisco [Almeida Leite, n.º 4 da lista] foi secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, o Tiago [Moreira de Sá, que é o n.º 2] é professor de Relações Internacionais, eu tenho uma carreira de 40 anos. Não vai encontrar isto noutra lista. Quanto ao programa, é para cumprir naquilo que achamos que deve ser a nossa participação na Europa. Já agora também digo, para deixar muito claro, que o Chega não é um partido anti-europeu. O Chega é um partido pró-europeu.

Mas um partido soberanista.
Soberanista, sem dúvida nenhuma, mas pró-europeu. Ou seja, a nossa ideia de União Europeia é a mesma com que ela foi fundada. Sempre houve discussão entre federalistas e não federalistas. E, até um certo ponto, os não federalistas levaram a melhor na organização da União Europeia. Quando a Comissão Europeia se começou a tornar toda-poderosa – e uma das razões principais da saída da Inglaterra foi essa –, em vez de ser um mero executivo das ideias dos países, aí começaram os problemas. Como se sabe, dentro da União Europeia há ideias completamente diferentes sobre esta matéria. Somos daqueles que são a favor da soberania dos países. Estamos de acordo com o alargamento a Leste, mas neste momento somos um país periférico – e os Açores e a Madeira ultraperiféricos – e, com o alargamento, Portugal Continental passa a ultraperiférico. Temos que recentrar a nossa atenção no que já devíamos ter feito há muito tempo, que é o mar, pois o nosso maior vizinho são os Estados Unidos, através das plataformas continentais.

Essa relação fica mais importante numa Europa do Corvo a Tblissi?
Torna, claro. Não podemos virar as costas ao Atlântico, porque é no Atlântico que, juntamente com a Europa, vai residir o nosso futuro. Aquilo que nunca foi feito, a chamada Economia do Mar, ou as relações diplomáticas transatlânticas. O Chega é um partido profundamente transatlântico, que preza muito as relações com os Estados Unidos e com o Reino Unido, e essas relações, não prejudicando a nossa participação na União Europeia, não podem ser menosprezadas, nem podem ser menorizadas.

André Ventura chamou-lhe o adulto na sala destas eleições. Olhando para os seus adversários, cabeças de lista dos outros partidos, não vislumbra mais nenhum adulto?
Ele disse isso porque eu sou velho, se calhar (risos). Há uns que não conheço de todo. Outros conheço mal, e não há nenhum que possa dizer que conheço bem. Foram as escolhas dos partidos. Não comento, obviamente, porque vão concorrer comigo. Aquilo foi uma força de expressão, no sentido de dizer que tenho uma carreira que os outros não terão, em termos de relações internacionais. Nem a Marta Temido, nem o Sebastião Bugalho, nem a Catarina Martins, nem ninguém tem experiência em relações internacionais como eu.

Inquieta-o debater com  um cabeça de lista da Aliança Democrática, Sebastião Bugalho, que tem idade para ser seu neto?
Neto? Neto, não.

Ele tem 28 anos.
Tenho netos mais pequeninos (risos). Não me incomoda nada, não tenho qualquer problema com isso. As pessoas farão a sua escolha quando chegar o dia 9 de junho.

Há analistas que põem a hipótese de a escolha de Luís Montenegro ter sido para aproveitar a vaga de eleitores jovens que apostaram na direita nas últimas legislativas.
Com todo o respeito que tenho pelos meus adversários, o Sebastião Bugalho está a muitos quilómetros de distância da Rita Matias, e a Rita Matias vai fazer campanha connosco. Olhando para a Rita Matias e para o Sebastião, penso que não haverá muitas dúvidas de que lado estará a juventude.

Gostaria de a ter também na lista?
Adorava. Mas, para bem dela e do partido, precisa de ficar em Portugal neste momento. Tem que maturar, se assim podemos dizer, aqui em Portugal. Se for caso disso, seria com certeza um grande membro do Parlamento Europeu. Mas estou muito contente com a nossa n.º 3, com a Mariana [Nina]. É uma mulher inteligente e muito capaz. Não estou nada descontente, muito pelo contrário, com a presença dela.

Em que é que o Chega deve apostar para convencer os eleitores a optarem pela sua lista e não pelas da AD, da Iniciativa Liberal e de outros partidos, como o ADN?
O ADN...

Não vê o ADN como um adversário?
Acho que não. Esteve cá a Joana [Amaral Dias], e ofereceu-me um presente, um Lego que era um veleiro, e disse-lhe: “Pronto, agora já são três que eu recebo.” Não, não vejo. Não se sabe se ela é do Bloco de Esquerda, se é do ADN, o que é o ADN... Para nós, o mais importante de tudo é explicar aos portugueses a importância do Parlamento Europeu na vida deles. Gostava de vincar bem que aquilo que se decide em Bruxelas afeta muito mais, positivamente e negativamente, a vida dos portugueses do que tudo o que se passa em São Bento. E apostamos com muita força na transparência, ou seja, fazemos questão de informar aos portugueses, todos, sejam ou não do Chega, daquilo que se passa em Bruxelas, e informá-los de forma útil, simples e eficaz, para que possam saber o que se está a passar. Neste momento, o nível de transparência daquilo que se passa em Bruxelas para os portugueses – e outros cidadãos da UniãoEuropeia –  é praticamente nulo.

É o motivo para a elevada abstenção que costuma haver nestas eleições?
Com certeza, porque as pessoas acham que os membros do Parlamento Europeu vão para lá, com salários ótimos, e durante cinco anos ninguém mais sabe deles. Queremos claramente acabar com isto. A maior parte daqueles que forem eleitos vão para lá viver. Não vão fazer o “vai e vem”.

De segunda a quinta-feira...
Exatamente. Vão assentar arreais e levar aquilo muito a sério.

A subida de Chega nas legislativas passou pela conquista de eleitores vindos da abstenção, mas também de todos os lados do espectro político. Como planeia repetir esse efeito  a 9 de junho?
Vamos tentar fazer a mesma estratégia de proximidade e de transparência. Pretendemos que a Comissão Europeia não se transforme num grande irmão do super-Estado totalitário e pretendemos reforçar o Parlamento Europeu, porque é eleito pelo povo. E fazer um escrutínio muito maior da Comissão, para que atue de uma maneira mais clara, transparente e honesta. Isto, para nós, é fundamental. E os grandes temas: a Agenda 2030, os passaportes sanitários, a identidade digital, a discussão e negociação de toda a parte orçamental da União Europeia. São dossiers extremamente importantes e em que esperamos ter algum contributo positivo.

O controlo da imigração e a segurança das fronteiras continuarão a ser prioridades vossas?
Com certeza. Em Portugal, somos o partido que mais tem alertado para a política de portas abertas. Não somos contra a imigração, somos a favor da imigração controlada, o que é completamente diferente. Neste momento, somos o país da União Europeia mais aberto e escancarado de todos. Qualquer pessoa entra em Portugal, e depois vive de forma sub-humana, o que é inadmissível. Somos a favor de uma imigração controlada, precisamos dela, com garantias de vida digna em Portugal e que realmente satisfaça as necessidades daqueles que precisam de dar trabalho a esses imigrantes.

Portanto, uma imigração extremamente planificada.
De acordo com as necessidades, senão daqui a bocado afundamos. Não podemos ter uma massa populacional inerte. Os resultados podem ser muito negativos.

Está a assumir um protagonismo que no Chega costuma estar reservado a André Ventura. Um bom resultado pode ser o prego final na tese que é um partido unipessoal?
Certos órgãos de comunicação social, e alguns partidos, dizem que o Chega é um partido unipessoal. Mas eu pergunto às pessoas que me dizem isso o nome dos vice-presidentes do PSD. E não sabem.

E se o resultado não corresponder à fasquia das legislativas será um revés grave para o partido?
Um partido não vive só de vitórias. Temos que ver em termos percentuais, pois é natural que a abstenção aumente.

Dificilmente aparecerão 1,2 milhões de eleitores...
Mas os outros também vão ter menos. No fundo, acaba por ser importante é ver a percentagem que temos uns em relação aos outros.

O líder do Chega revelou a expectativa de ser o mais votado nas europeias, o que até agora as sondagens não confirmam. Como define um resultado positivo para a sua lista?
Resultado positivo é subir pelo menos um lugar no ranking dos partidos. Se mantivermos, não é positivo nem negativo. Subirmos um lugar, ou eventualmente dois, é um resultado muito positivo.

Ultrapassar a AD já seria muito positivo, mesmo que isso fosse com a vitória de Marta Temido e do PS?
Como diz a canção, o povo é quem mais ordena. É evidente que a nossa área política é prioritária. Para nos batermos pelo eleitorado do PS tínhamos que fazer uma moscambilha complicada, não é?

André Ventura, ainda sem o Chega legalizado, não foi eleito para o Parlamento Europeu em 2019. Ir para Bruxelas com Tiago Moreira de Sá, Mariana Nina e Francisco Almeida Leite já é uma vitória?
Sem dúvida que é. E estabelecer um grupo parlamentar do Chega em Bruxelas é muito importante.

Calculo que veja esse objetivo como praticamente garantido.
Nada está garantido, mas há boas hipóteses.

A lista tem um ex-deputado do PSD, uma ex-conselheira nacional da Iniciativa Liberal e um antigo secretário de Estado do Governo de Passos Coelho. É a demonstração da capacidade que o Chega tem neste momento de atrair pessoas diferentes?
De atrair pessoas capazes. São pessoas que em qualquer partido em Portugal teriam lugar de relevo e seriam consideradas quadros importantes. Isso quer dizer que o Chega já ultrapassou aquele anátema inicials. E André Ventura fez o topo da lista com apenas um membro original do Chega, o que é de uma coragem fantástica num partido muito colado em si próprio. É evidente que pôr o Tiago, a Mariana e o Francisco no topo foi um esforço grande para convencer os outros militantes de que esta realmente era a melhor lista.

Numa entrevista à TSF, disse que a verdadeira AD está no Chega. Gostaria de ter ainda mais pessoas oriundas do PSD e doCDS?
Todas. Tenho uma ligação afetiva com o CDS, como sabe, e custou-me muito ver o CDS no estado em que está.

Os elementos da lista foram escolhas suas ou de André Ventura?Algumas foram sugestões minhas, mas todos foram escolhas do André Ventura.

É uma questão de funcionamento do partido?
O André, na composição das listas, principalmente da parte de cima, avoca a si esse processo. Diz algumas sugestões, mas que podiam não ter sido acolhidas.

No que toca à integração europeia, quais são as suas linhas vermelhas?
Não tenho linhas vermelhas. Isto insere-se numa dicotomia moderna. A dicotomia entre direita e esquerda, para mim, acabou. Nós funcionamos entre liberdade e totalitarismo: apoiamos tudo o que é liberdade e opomo-nos a tudo o que seja totalitarismo, leia-se mais poder à Comissão e maior intervenção e controlo na vida dos cidadãos. Sob a capa de ser bom para eles, acaba por haver um domínio. Somos pela limpidez, transparência e contra qualquer forma de imposição de totalitarismo. A nossa máxima é defender os cidadãos nos seus direitos, liberdades e garantias. Sempre que estes forem atropelados, somos contra.

E também existe a dicotomia soberanismo-federalismo...  
Como já disse, somos soberanistas porque achamos que não podemos abdicar daquilo que construímos durante 900 anos.

Entre os federalistas haverá sempre quem diga que é preciso um grau de governo federal para cumprir os objetivos de crescimento.
A passagem de poderes para os órgãos da União Europeia em vez da transferência de poderes... Como se viu, a União Europeia estava a funcionar bastante bem com o Tratado de Maastricht, e com o Tratado de Lisboa deu-se um passo maior que a perna, e não funciona tão bem.

A forma como o Presidente da República lançou a questão do pagamento de reparações às ex-colónias foi uma prenda para o Chega?
Não veria a coisa nesses termos. O facto de a maioria da população portuguesa, no meu entender, discordar, na forma e na substância, do que o Presidente disse, e de termos sido os únicos a confrontá-lo, pode trazer vantagens eleitorais para o Chega. Mas não é por isso que o fizemos. Foi porque ficámos profundamente ofendidos com a intervenção. Aquilo, ainda por cima vindo do mais alto magistrado da nação, não é normal. Quando o André diz que ele foi eleito por nós, e não pelos santomenses ou pelos angolanos, acho que ainda é muito mais grave do que isso.

Marcelo cedeu à retórica do atual poder brasileiro?
Não sei se estava incomodado com a história das gémeas e quis mudar de assunto. Há várias explicações e não sei qual é a mais correta. A única coisa que sei é que foi altamente incorreto da parte dele ter feito o que fez e como o fez.

Acredita que ele traiu a pátria?
Do ponto de vista ético e moral, sim. No jurídico, não tenho capacidade para me pronunciar.

Incomoda-o saber que estão em curso investigações judiciais a eurodeputados e adjuntos de partidos da Identidade e Democracia (ID), que podem envolver espionagem a favor de Pequim e Moscovo?
Os inquéritos não me incomodam. O que me incomoda é se for verdade. Não aceitamos esse tipo de comportamento.

Vê-os como comportamentos individuais das pessoas que estão a ser investigadas, ou dos seus partidos?
Não tenho elementos que me permitam responder. Num caso ou no outro, é altamente lesivo.

Já havia investigações jornalísticas a apontar que deputados de partidos da ID, e de outras famílias, tinham ligações a esquemas de propaganda pró-russa. Como se lida com isso?
Da única maneira possível, que é pôr processos e correr com as pessoas. Não vejo outra alternativa. Defendi-o para quem na carreira diplomática portuguesa fez o mesmo e fiquei sempre furioso por nunca terem sido penalizadas. Não aceito esse tipo de condutas, seja de quem for.

De qualquer forma, arrisca-se de estar sentado dentro de meses com algumas dessas pessoas, que são da mesma família política europeia que o Chega.
Não sei quem são essas pessoas, com franqueza, e logo verei quando lá chegar. Se os partidos políticos os reconduzirem como candidatos a deputados europeus acho mal. E  vamos ver qual é o resultado que vai sair destas eleições a nível do hemiciclo.

Olhando para uma família política que tem a Alternativa para a Alemanha, a Reunião Nacional e o Partido da Liberdade da Áustria, o Chega teria vantagens em estar no ECR, com os Irmãos de Itália e o Vox?
Com toda a franqueza, de acordo com os resultados eleitorais, podemos perfeitamente ter um olhar para o que se passa à nossa volta, o que nos une e o que nos separa. Nem todas as soluções passam pela mudança de família política. Haverá outras soluções, no meu entender.

Faz parte da vossa estratégia contribuir para uma tentativa de unificação da direita soberanista, tentando que esse bloco ultrapasse o Partido Popular Europeu?
Certamente que faz. É uma negociação muito interessante e possível. Como em tudo na vida, o problema são os egos, que dificultam este tipo de negociações. Tenho esperança.

Disse que não promete ganhar as eleições, mas obviamente não ficará triste se o Chega for o mais votado. Certo é que partidos dessa área política irão, provavelmente, ganhar em Itália, em França, na Polónia, eventualmente na Holanda...
E na Hungria.

Se houvesse uma unificação da ID e do ECR poderiam ser a principal família do Parlamento Europeu?
Olhando para os números, se for possível nós vamos tentar negociar uma solução. Temos muitas coisas em comum com vários partidos, até com não-inscritos. Temos muitas coisas em comum, outras que nos separam, mas há que negociar e pôr as cartas em cima da mesa.

De qualquer forma, a seguir aconteceria um fenómeno, que era o bloco central do Parlamento Europeu unir-se contra essa família.
Se forem capazes. Tenho as minhas dúvidas.

Incomoda-o quando a direita soberanista é referida como sendo extrema-direita?
Incomoda, porque não é verdade.

Então, o que é a extrema-direita?
Muito claramente, acho que a extrema-direita não existe. Quando se fala de extrema-direita, vem imediatamente à cabeça o quê? Neonazis e neo-fascistas. Acontece que ambos vieram do marxismo. Hitler e Mussolini eram comunistas [Nota: Mussolini pertenceu ao Partido Socialista Italiano antes de fundar o Movimento Social Italiano, e Hitler aderiu ao Partido dos Trabalhadores Alemães, que sob a sua liderança se transformou no Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães] que foram numa linha diferente e tornaram-se nacionalistas, enquanto os comunistas e trotsquistas foram pelo internacionalismo. Um partido como o nosso, que é contra o totalitarismo, que é a favor da iniciativa privada, que é a favor dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, que é antitotalitário, não pode ser extremista. Pode é ser radical. O Riccardo Marchi faz essa distinção, e bem, a meu ver. Nós não somos extremistas de todo. A extrema-direita, que é uma invenção da rapaziada do outro lado, manda-nos logo para o neofascismo e o neonazismo, com os quais não temos qualquer identificação. Portanto, isso incomoda-me muito.

O mandatário da AD também disse que partidos como o Chega costumam votar no Parlamento Europeu ao lado de partidos como o Bloco de Esquerda e o PCP. Ele tem alguma razão?
Não. Tanto quanto sei, os ID e o ECR votam muitas vezes em conjunto, e às vezes a ala direita do PPE junta-se também.

Acredita que é útil que os 21 eurodeputados portugueses saibam dialogar entre si para procurar defender os interesses do país?
Sim. Acredito nisto e estamos dispostos a fazê-lo.

Está disposto a sentar-se com Catarina Martins e João Oliveira?
Eles têm é que ser francos e abertos. Se for pelo bem de Portugal, não tenho problemas nenhum em assumir esse tipo de contactos.

Como reagirá se, tal como muitas vezes acontece na Assembleia da República, alguns partidos se recusarem a aprovar qualquer iniciativa do Chega no Parlamento Europeu ou até a trabalhar em conjunto?
O que é que a gente pode fazer? Não podemos fazer nada. Como o André diz, pode vir do lado esquerdo e aprovamos neste Parlamento se acharmos bom para Portugal. No Parlamento Europeu teremos a mesma atitude. Se não quiserem, como fizeram até agora, não votar nada a favor do Chega, é que já não podemos fazer nada, porque nos ultrapassa.

Quanto ao que se está a passar na Assembleia da República, teme que as acusações de coligação negativa entre o PS e o Chega possam prejudicar o seu resultado nas europeias?
Não sou muito especialista em política interna, mas acho que as pessoas percebem que quando o Governo não está a governar, quando o Governo não apresenta propostas decentes, votemos propostas que achamos positivas. Não tem nada a ver com haver um entendimento entre o PS e o Chega.

No passado, não hesitou em utilizar adjetivos depreciativos em relação à presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. Mantém que o Chega deve contribuir para o seu afastamento?
Absolutamente. A Ursula von der Leyen é um problema.

Sobretudo pelo caminho para o federalismo ou pelo papel dela durante a pandemia?
Tudo junto. E coisas de que temos alguma informação, mas que não posso dar, porque não tenho confirmado.

Se pudesse escolher, quem seria o próximo português ou a próxima portuguesa na Comissão Europeia?
Tirando eu? (risos) Estou a brincar... Com toda a franqueza, não sei. Deve haver “n” pessoas que estariam bem no cargo. E depende um bocado do pelouro.

E, em sua opinião, até hoje, quem foi a melhor pessoa portuguesa a desempenhar essas funções? Um até foi presidente da Comissão Europeia.
Esse foi o melhor presidente da Comissão Europeia que tivemos. E o único também (risos). Não sei, até porque eu vivia noutra realidade, mais no Conselho do que na Comissão.

Sendo conhecida a sua má opinião sobre o desempenho de António Guterres como secretário-geral das Nações Unidas, acredita que António Costa seria pior ou, pelo contrário, melhor enquanto presidente do Conselho Europeu?
Por acaso, acho que podia ser melhor. Tenho boa relação com António Costa há muito tempo. Ele tem família em Goa, ia lá de vez em quando, e desenvolvemos uma relação muito cordial. Acho que ele coloca melhor a sua sensibilidade em determinados assuntos do que António Guterres.

De qualquer forma, será posição de princípio do Chega não dar apoio a tal ideia?
A posição de princípio é essa.

Está preparado para que durante a campanha eleitoral seja alvo de ataques pessoais?
Não tenho outro remédio. É evidente que, muito embora as pessoas tenham percebido, ou não, que não é verdade o que dizem, vão continuar a bater nas mesmas teclas. Ainda hoje o Sebastião Bugalho diz que sou antissemita. É o tipo de ataque que é soez e que não tem razão. E a história do barco, que já são dois, e a suspensão de 90 dias que foi retirada pelo tribunal, ficando sem efeito. Aquilo foi perseguição política. Essas acusações são públicas, a defesa é pública. O que me irrita, de facto, é continuarem a fazer-me acusações que não têm fundo de verdade. Ou que são meias verdades.

O seu novo livro tem afirmações polémicas. Pode-se ser encarado quase como uma espécie de fogo amigo?
O livro é meu, pessoal, e nada tem a ver com o partido ou com ideologia. Vivi muitas daquelas situações. Acho graça quando se fala das teorias de conspiração, que são feitas pelos Estados ou pelas grandes corporações. Quando um engenheiro vem dizer porque é que uma construção caiu, a narrativa oficial é diferente – e essa é que é a teoria de conspiração, não a análise feita por um especialista. Na Bósnia e no Kosovo, infelizmente, participei de cenas organizadas com determinado fim e apresentadas como sendo originadas de outra maneira. Passei várias vezes por isso. Quanto ao livro, é a minha opinião, que as pessoas têm que respeitar. E se disserem que não é verdade, provem. Por exemplo, a substituição de população não é verdade? Não é verdade como? São 14 milhões na Alemanha, 10 milhões em França e um milhão em Portugal [em 2022 havia 13,4 milhões de imigrantes na Alemanha, em 2021 cerca de sete milhões em França e em 2022 quase 800 mil em Portugal]. Em dois ou três anos.

Existe a tese de que isso é bom para a sustentabilidade da segurança social.
Isso é uma tese um bocado tonta, porque se aplica à imigração antiga, de pessoas que já estão integradas em Portugal: brasileiros, ucranianos, romenos e moldavos, que foram vindo ao longo dos anos. E que, obviamente, têm sido muito positivos para Portugal. Não só para a economia, mas pela própria maneira de ser. Antigamente, nas lojas e nos restaurantes, éramos um bocado sacudidos. Com os brasileiros e as brasileiras mudou completamente o atendimento, que se tornou muito mais simpático. Antigamente, para fazer uma obra era um problema, e hoje em dia a gente chama o ucraniano, que já cá vive há 20 ou 25 anos, e, num instante, temos aquilo feito. Isto é altamente positivo. Eles ganham dinheiro, nós pagamos, e temos a obra feita. Vamos às lojas, somos bem tratados. É essa a imigração que ajuda a segurança social.

Mas não vê possibilidade de as pessoas vindas do Bangladesh ou do Paquistão também terem esse papel daqui a algum tempo?
Para já, precisavam de aprender a falar português. Se há um excesso de imigração, vou fazer o quê? A imigração deve ser adequada às necessidades do país. Se for em excesso, só cria problemas.

Estaria disposto a dizer a Emmanuel Macron aquilo que escreveu no livro?
Sim, de caras. Ele era funcionário do Rothschild mesmo. Juridicamente, funcionalmente.

A questão é se isso ainda tem alguma influência no que faz hoje.
Tem toda. Dizia-lhe essas coisas e outras.

Por exemplo?
Que devia tornar-se um homenzinho para ver se não anda aos tombos de um lado para o outro, um dia para um lado, outro dia para o outro. A França é um país importante. Quem a dirige tem de a dirigir com sentido de Estado e consciência de que desempenha ainda hoje um papel muito importante no concerto das nações.

Acredita que o próximo senhor ou senhora Europa será da sua área política?
É uma boa pergunta. Está a falar do presidente da Comissão?

Não, de alguém que lidere o continente com a sua influência política. Helmut Kohl, François Mitterrand e Angela Merkel nunca foram presidentes da Comissão Europeia.
A Meloni era capaz de não ser uma pessoa má, porque é decidida, o que é muito importante, pensa bem e tem conseguido fazer o seu caminho. Era talvez um nome que me ocorresse.

PERFIL

ANTÓNIO TÂNGER CORRÊA tem 72 anos, foi embaixador de Portugal na Bósnia, Catar, Egito, Israel, Lituânia e Sérvia, e cônsul-geral no Rio de Janeiro, Toronto e Goa. Vice-presidente do Chega, foi secretário-geral da Juventude Centrista e adjunto do líder do CDS, Freitas do Amaral, quando este foi ministro dos Negócios Estrangeiros, em 1980. Apaixonado pela vela, competiu nos Jogos Olímpicos de 1992, em Barcelona, com um 21.º lugar. Foi então acusado de não devolver à comunidade portuguesa de Toronto a embarcação que lhe fora disponibilizada, e mais tarde travou uma batalha legal ao ser suspenso durante 90 dias por alegadas irregularidades na Embaixada em Vílnius, conseguindo que a Justiça lhe desse razão. No seu novo livro, Do Transiberiano ao Médio Oriente, defende teorias que levaram Sebastião Bugalho a chamar-lhe “conspiracionista”.

PERCURSO DO CHEGA NA EUROPA

Será a primeira vez que o Chega se apresenta a votos para o Parlamento Europeu em nome próprio. Há cinco anos, nas europeias de 26 de maio de 2019, com o processo de legalização do partido ainda a decorrer, André Ventura foi o cabeça de lista da coligação Basta, que juntou o Partido Popular Monárquico (PPM), o Partido Cidadania e Democracia-Cristã (PPV-CDC) e os movimentos Chega e Democracia 21. Obteve 49.496 votos (1,43%), atrás do Aliança e do Livre, e não se conseguiu eleger, ao contrário do que sucedeu nas legislativas, disputadas poucos meses mais tarde, a 6 de outubro, que lhe abriram as portas da Assembleia da República, então como deputado único. O Chega tem agora a expectativa de se estrear com vários deputados, que se vão integrar na família Identidade e Democracia, com a Reunião Nacional de França e a Liga de Itália.