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Sociedade
21 novembro 2024 às 00h50
Leitura: 6 min

Quase um terço dos femicídios ocorreram após queixa na polícia

Observatório de Mulheres Assassinadas revela um aumento de casos de femicídio neste ano. Investigadoras apontam falhas do Estado na proteção das mulheres.

Para as investigadoras do Observatório de Mulheres Assassinadas (OMA), os dados dos casos de femicídio em Portugal não deixam dúvidas: “Há um Estado negligente”, que está a “custar a vida a muitas mulheres”. Seis dos 20 casos de mulheres mortas por violência de género registados este ano - ou seja, quase um terço - ocorreram em contextos em que existiam já queixas efetuadas às autoridades policiais, sublinham as promotoras deste Observatório, que ontem apresentaram, no Porto, o relatório preliminar de 2024, com dados recolhidos entre 1 de janeiro e 15 de novembro.

“Há um Estado negligente, tendo em conta que em seis dos casos as autoridades tinham sido notificadas. A partir desse momento, o Estado tem obrigação de proteger a vítima e essa proteção tem de ser prioridade absoluta”, aponta Maria José Magalhães, uma das investigadoras do OMA, iniciativa promovida há 20 anos pela União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR).

“Apesar do que tem sido feito em termos de política pública, há que reconhecer que é preciso fazer mais. Como foi aqui identificado, continuamos a ter muitas situações com denúncias prévias já existentes. É algo que tem de ser trabalhado. Queremos muito empoderar as vítimas para denunciarem estas situações, mas, para isso, as vítimas têm de acreditar que a denúncia é algo que vai mudar de uma forma positiva as suas vidas. E termos a indicação de que há denúncias que não se traduzem, efetivamente, numa maior proteção daquelas vítimas é algo que nos deve preocupar”, concordou Sandra Ribeiro, presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, o organismo do Estado  responsável pela promoção e defesa da igualdade entre géneros, presente na apresentação do relatório.

Críticas à (in)ação da Justiça

Os dados recolhidos pelo OMA a partir de notícias veiculadas pela comunicação social revelam então que em 2024 já foram assassinadas em Portugal 25 mulheres, entre 1 de janeiro e 15 de novembro. O número é similar ao do período homólogo de 2023, mas apresenta uma diferença importante: cresceu o número de assassinatos catalogados como femicídio - ou seja, motivados por violência de género.

Este ano, 20 dos 25 casos de mulheres assassinadas referem-se a situações de femicídio, um aumento de 33% face ao ano anterior - os outros cinco ocorreram na sequência de outros crimes, como discussões pontuais, situações de trânsito ou contexto de discussão familiar. Além dos crimes consumados, houve mais 30 tentativas de femicídio, entre 53 tentativas não-consumadas de assassinato de mulheres.

“Este é um problema nacional gravíssimo. Continuamos a ter números semelhantes todos os anos, é como se tivéssemos estacionado em alta”, lamenta a presidente da CIG.

Metade dos femicídios ocorridos “podia ter sido prevenido com atuações atempadas”, pois já existia violência prévia que era conhecida de familiares, vizinhos ou amigos, segundo as investigadoras o OMA/UMAR, havendo então seis desses casos que “já tinham sido identificados pelas autoridades, pois havia queixas na polícia”, reforçam.

Destes, em três situações havia reporte de ameaças de morte anteriores, três dos agressores tinham historial criminal, incluindo de violência doméstica, e num dos casos havia mesmo já historial de femicídio de uma ex-namorada.

As investigadoras apontam falhas ao Estado na proteção destas mulheres e apelam a um reforço da formação dos vários atores do Estado, das autoridades policiais à Justiça. “Se olharmos para o número de condenações nesta área e para o número de denúncias e de processos que são abertos, percebemos que há aqui uma diferença abismal. Além da formação das pessoas que trabalham na Justiça, talvez tenhamos de olhar para a própria legislação e perceber que há coisas que têm de ser revisitadas”, nota a presidente da CIG.

“Fazer o mínimo na prevenção já não é admissível. Temos de ir além do mínimo.  Precisamos de mais e melhor formação nas polícias e na Justiça. Uma tentativa de femicídio tem de ser tratada como tentativa de homicídio na Justiça, não apenas como caso de violência doméstica”, reclama a investigadora Cátia Pontedeira.

25

mulheres assassinadas em Portugal entre 1 de janeiro e 15 de novembro deste ano, das quais 20 vítimas de femicídio. Nos últimos 20 anos, foram 630 as vítimas mortais.

47%

crianças. Na Rede Nacional de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica quase metade das pessoas institucionalizadas são crianças, os filhos das mulheres violentadas.