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Política
05 novembro 2024 às 00h55
Leitura: 8 min

“Desautorização” do Governo surpreendeu Margarida Blasco

A ministra da Administração Interna quis manter o “clima de confiança” com os sindicatos das polícias, admitindo discutir o direito à greve, mas foi forçada a recuar.

Vamos começar no dia 6 de janeiro um conjunto de revisões e é um ponto que pode estar e estará, com certeza, em cima da mesa. Neste momento não vou dizer se sim ou se não, porque vai ter de ser submetido a um estudo”. Foram estas as palavras da ministra da Administração Interna, quando questionada pelos jornalistas sobre o direito à greve nas forças de segurança, no final do congresso da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP), o maior sindicato da PSP, que decorreu no passado domingo. Apesar de a declaração não ter nada de afirmativo, foi rapidamente interpretada e difundida como se fosse uma luz verde para o direito à greve nas polícias que ainda não o têm (PJ e Guarda Prisional têm-no consagrado nos seus estatutos), facto que contrariava a posição do próprio primeiro-ministro. Num debate com o líder do Chega, Luís Montenegro classificara essa possibilidade como uma ideia “errada” e nem sequer está no programa do Governo.

Fonte governamental garante, porém, ao DN, que Margarida Blasco “pretendia apenas, tendo em conta a boa relação que estabeleceu com os maiores sindicatos da PSP e associações da GNR que assinaram o acordo para o aumento do suplemento de risco, entre as quais a ASPP, manter o clima de confiança que se tinha gerado até ao início nas negociações para a revisão dos estatutos”, previstas para janeiro próximo. Além disso, completa, “a reivindicação da greve é antiga e é normalmente usada em negociações como moeda de troca para os polícias conseguirem outras compensações”. Foi, por isso, com “muita surpresa”, sublinha a mesma fonte, “que se viu obrigada superiormente a fazer um esclarecimento”.

Indagada sobre se “superiormente” quer dizer o gabinete do primeiro-ministro, este interlocutor não quis especificar. O DN sabe, no entanto, que o comunicado do ministério da Administração Interna foi coordenado com o gabinete do ministro da Presidência, António Leitão Amaro.

“A Ministra da Administração Interna falou da abertura do diálogo, que a tem caracterizado, e onde tudo se discute. Mas a posição do Governo é clara: nesse diálogo pode ser discutida a representação laboral e os direitos sindicais. Mas não o direito à greve”, foi escrito, num registo que desagradou a Blasco.

Além disso, o “esclarecimento” foi logo interpretado pela oposição como uma “desautorização” e foi um trunfo contra o Governo que deixou fragilizada (ainda mais) uma Ministra independente de uma área de soberania, cujo lugar pode estar a ser cobiçado pelo aparelho do PSD, em vésperas de autárquicas.

Problema de Montenegro

Os maiores partidos da oposição aproveitaram o episódio de desencontro de ideias entre Margarida Blasco e Luís Montenegro para marcarem posições e para desequilibrar a posição da governante, que, no caso do PS, passou por acusar a ministra de “inaptidão”. Mas ainda houve margem para apontar problemas de comunicação da ministra.

“Nós estamos a falar de uma função de soberania e a senhora ministra da Administração Interna, em poucos meses, já mostrou em diferentes alturas, em diferentes momentos, a sua inaptidão para as funções”, disse aos jornalistas o líder do PS, Pedro Nuno Santos, durante uma visita ao Bairro do Zambujal, na Amadora, depois de questionado sobre o tema.

“Ao fim de algum tempo o problema já é do primeiro-ministro”, continuou Pedro Nuno Santos, explicando que a escolha da ministra ficou a cargo de Luís Montenegro. “Portanto, isso também diz muito sobre a capacidade do senhor primeiro-ministro em construir boas equipas”, criticou.

“No trabalho de qualquer político e de um ministro em particular é fundamental saber comunicar com as pessoas, com a população, mas aqui nem é só o saber comunicar, é que aqui há outra dimensão de problema”, considerou o líder socialista, frisando que o retrocesso da ministra face ao direto à greve nas forças de segurança, depois de ter dado margem para que o direito fosse discutido, “é inaceitável do ponto de vista do exercício de funções governativas”.

Por fim, Pedro Nuno Santos sublinhou a posição do PS sobre o tema: “São forças de segurança fundamentais para garantir a ordem pública e, na nossa opinião, não é compaginável com greves.”

As “dificuldades [da ministra] na comunicação” também foram evocadas pelo líder da IL, Rui Rocha, que também apontou o dedo à “gestão política” que Margarida Blasco faz na Administração Interna, ainda que tenha considerado não ter acontecido “nenhuma situação absolutamente grave” que pudesse levar ao afastamento da ministra.

“Mas aconteceram já situações suficientes para que eu peça ao senhor primeiro-ministro que pondere bem se a atual ministra é a pessoa certa”, completou, acrescentando que “ela poderá ter de sair quando acontecerem coisas graves no país”.

Já André Ventura optou por esmiuçar o tema do direito à greve das forças de segurança, enquanto acusava o Governo de “falta de unidade política”.
“Não só a ministra sai fragilizada como o primeiro-ministro sai fragilizado”, considerou o líder do Chega, enquanto sugeria que, no executivo liderado por Luís Montenegro, “cada um diz o que lhe passa pela cabeça, em completa contradição, ou é um governo que se esquece do que disse, o que também pode ser o caso”.

“Nós achamos bem que o tema esteja em cima da mesa e seja discutido, mas pelos vistos em março [no período eleitoral para as legislativas] fomos os únicos a achar que o tema devia estar em cima da mesa”, afirmou André Ventura.

Mas nesta ideia o Chega não estava sozinho. As posições do PCP e do Livre sobre o direito à greve nas forças de segurança, em fevereiro deste ano, precisamente no período de campanha eleitoral, foram evidenciadas quando, o líder comunista, Paulo Raimundo, durante um debate com o porta-voz do Livre, Rui Tavares, assumiu que “os polícias podem e devem ter acesso ao direito à greve. Falamos de pessoas com grande responsabilidade, sentido de Estado e os primeiros a defender a Constituição.”

No contraponto, também Rui Tavares defendeu o reconhecimento do direito à greve para polícias, mas desde que sejam assegurados  “serviços mínimos”.